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Copyright©2016byMarkManson
TÍTULOORIGINAL
TheSubtleArtofNotGivingaFuck
PREPARAÇÃO
MarinaGóes
REVISÃO
GiuAlonso
MilenaVargas
PROJETOGRÁFICOORIGINAL
JoanOlson
ADAPTAÇÃODEPROJETOGRÁFICO
LauraArbex|IlustrarteDesigneProduçãoEditorial
ARTEDECAPA
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ADAPTAÇÃODECAPA
AlineRibeiro|linesribeiro.com
REVISÃODEE-BOOK
CristianePacanowski
GERAÇÃODEE-BOOK
Intrínseca
E-ISBN
978-85-510-0250-6
Ediçãodigital:2017
1ªedição
Todososdireitosdestaediçãoreservadosà
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EDITORAINTRÍNSECALTDA.
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Sumário
CAPÍTULO1:Nemtente
OCírculoViciosoInfernal
Asutilartedeligarofoda-se
Masentão,Mark,paraqueserveessadrogadelivro,afinal?
CAPÍTULO2:Afelicidadeéumproblema
AsdesventurasdoPandadaDesilusão
Felicidadeéresolverproblemas
Sentimentosnãosãotudoissoquevocêpensa
Escolhasuasbatalhas
CAPÍTULO3:Vocênãoéespecial
Umdiaacasacai
Atiraniadoexcepcionalismo
M-m-mas,seeunãovouserespecialnemextraordinário,qualéagraça?
CAPÍTULO4:Ovalordosofrimento
Aceboladaautoconsciência
Problemasderockstar
Valoresescrotos
Definindovaloresbonseruins
CAPÍTULO5:Vocêestásemprefazendoescolhas
Aescolha
Afaláciadaresponsabilidade/culpa
Reagindoàtragédia
Agenéticaaleatória
Injustiçachique
Nãoexistecaminho
CAPÍTULO6:Vocêestáerradoemtudo(eutambém)
Arquitetosdenossasprópriascrenças
Cuidadocomsuascrenças
Osperigosdacertezaabsoluta
ALeidaEvasãodeManson
Semate
Comoserumpoucomenossegurodesi
CAPÍTULO7:Fracassaréseguiremfrente
Oparadoxodofracasso/sucesso
Dorfazpartedoprocesso
Oprincípiodo“Façaalgumacoisa”
CAPÍTULO8:Aimportânciadedizernão
Rejeiçãofazbem
Limites
Comoconstruirconfiança
Aliberdadeatravésdocompromisso
CAPÍTULO9:…Eaívocêmorre
Algoalémdenós
Oladobomdamorte
Agradecimentos
1
Nemtente
Charles Bukowski era alcóolatra, mulherengo, viciado em jogo, grosseirão,
sovina, preguiçoso e, em seus piores dias, poeta. Ele seria a última pessoa no
mundoaquemvocêpediriaconselhosouqueesperariaencontraremumlivro
deautoajuda.
Éporissoqueeleéopontodepartidaperfeito.
Bukowskiqueria serescritor,maspassoudécadas sendorejeitadoporquase
todas as revistas, jornais, agentes e editoras que procurou. Seu trabalho era
horrível,diziam.Bruto.Repugnante.Obsceno.E,conformeascartasderecusase
acumulavam, o peso do fracasso o fazia afundar cada vez mais na depressão
movidaaálcoolqueoacompanhariaporquasetodaavida.
BukowskitrabalhavanosCorreios.Osalárioeraridículo,eelegastavaquase
tudoembebida;opoucoquesobrava,apostavaemcorridasdecavalos.Ànoite,
bebiasozinho,àsvezesescrevendopoemasemsuavelhaesurradamáquinade
escrever.Nãoraroacordavanochão,tendoapagadodetãobêbado.
Três décadas se passaram assim, resumidas a um grande borrão de álcool,
drogas, jogatinaeprostitutas.Atéque,aoscinquentaanos,apóstodaumavida
de fracassoseautodepreciação,oeditordeumapequenaeditora independente
desenvolveuumestranho interesse por ele.O editornãopodia oferecermuito
dinheiro nem prometer boas vendas,mas demonstrava uma afeição incomum
poraquelebêbadoimprestáveledecidiuarriscar.Eraaprimeirachancerealque
Bukowskitinhae,comoelesedeuconta,provavelmenteaúnica.Elerespondeu
aoeditor:“Eutenhoduasopções:ficarnosCorreioseenlouquecer…oudaruma
deescritoremorrerdefome.Decidimorrerdefome.”
Três semanas depois de assinar o contrato, Bukowski tinha o primeiro
romancepronto.Chamava-seCartasnarua.Adedicatóriafoi“aninguém”.
Bukowski se tornouumescritor epoetamuitobem-sucedido.Publicou seis
romances e centenas de poemas, vendendo no total mais de dois milhões de
exemplares.Suapopularidadedesafiou todasasexpectativas,principalmenteas
delepróprio.
Histórias como a de Bukowski são a base de nossa narrativa cultural. Sua
trajetória personifica o Sonho Americano: lute pelo que você quer e nunca
desista,eassimalcançaráseussonhosmaisloucos.Éumroteirodefilmepronto.
Todosnós,aoolharmosparahistóriascomoadeBukowski,dizemos:“Viu?Ele
nuncadesistiu.Continuou tentando. Sempre acreditou em simesmo.Persistiu
aténasadversidadesechegoulá!”
Então,éestranhoqueoepitáfiodeBukowskiseja:“Nemtente.”
Poisé.Apesardasvendaseda fama,Bukowskieraumfracassado.Elesabia
disso.Seusucessonãobrotoudeumagrandevontadedevencernavida,masda
consciência do contrário: ele sabia que era um fracassado, aceitava o fato e
escrevia honestamente sobre isso. Nunca tentou ser quem não era. A obra de
Bukowskinãosesustentanaideiadesuperarobstáculosimpensáveisnemdese
empenharparaserumgênioliterário.Éooposto:seusucessovemdacompletae
inabalávelhonestidadeconsigomesmo(sobretudoemrelaçãoàspiorespartes)e
da capacidade de falar abertamente sobre seus fracassos, sem hesitação ou
dúvida.
EstaéaverdadeiraorigemdosucessodeBukowski:sentir-seconfortávelcom
ofracasso.Eleestavapoucoselixandoparaserbem-sucedido.Mesmodepoisda
fama,continuavaindoaleiturasdepoesiacaindodebêbadoexingavaaplateia.
Ainda se expunha em público e tentava transar com qualquermulher que via
pela frente. Fama e sucesso não fizeramdele uma pessoamelhor, e não foi se
tornandoumapessoamelhorqueelealcançoufamaesucesso.
Muitasvezes,oautoaprimoramentoeosucessoandamdemãosdadas.Não
significaquesejamamesmacoisa.
A cultura em que vivemos hoje nutre obsessivamente expectativas pouco
realistas.Sermaisfeliz.Sermaissaudável.Seromelhor,superioraosoutros.Ser
mais inteligente, mais rápido, mais rico, mais bonito, mais popular, mais
produtivo,mais invejadoemaisadmirado.Serperfeito, incrívelecagarpepitas
de ouro de doze quilates antes de beijar uma esposa impecável e dois filhos
perfeitos no café da manhã. Depois, ir de helicóptero para seu emprego
extremamente gratificante, onde você passa os dias fazendo um trabalho
importantíssimoqueumdiaaindavaisalvaroplaneta.
Noentanto, separarmosparapensar,osconselhosdevidamaiscomuns—
aquelasmensagens
,sua superioridade, porpartede alguémque “não consegue aceitar” tamanho
talento/inteligência/beleza/sucesso.
Oarrogante formaumabolhanarcisista ao redorde simesmo,distorcendo
todoequalquereventoparamanteraretroalimentação.Pessoasarrogantestêm
apenasduasformasdeverosacontecimentosdavida,ambasrelacionadasasua
grandeza:reafirmaçãoouameaça.Sealgodebomaconteceaelas,éfrutodealgo
incrívelquefizeram.Sealgoderuimacontece,éporquealguémestácominveja,
tentando derrubá-las. A arrogância é impenetrável. Pessoas desse tipo se
convencem de qualquer coisa para alimentar sua sensação de superioridade.
Precisammanterafachadamentaldepéaqualquercusto,mesmoqueàsvezes
issoasobrigueaserfísicaouemocionalmenteviolentas.
Masaarrogânciaéumaestratégiafalha.Éapenasmaisumaformadeeuforia.
Nãoéfelicidade.
Para medir o verdadeiro valor de uma pessoa, o importante não é avaliar
como ela vê as experiências positivas, e sim as negativas. Uma pessoa como
Jimmyseescondedosproblemasaoinventarsucessosfictíciosparasimesmo.E,
por não conseguir enfrentar seus problemas, pormelhor que se sinta consigo
mesma,essapessoaéfraca.
Aquelequenutreumaboaautoestimaverdadeiraenxergacomhonestidadeas
partesnegativasdesimesmo—Sim,àsvezessouirresponsávelcomdinheiro.Sim,
às vezes exagero meu próprio sucesso. Sim, sou muito dependente do apoio dos
outros, eu deveria ser mais autossuficiente — e age a fim de se aprimorar. O
arrogante,porém,éincapazdemelhoraraprópriavidadeformaduradouraou
significativa,poisnãoreconheceosprópriosproblemasabertaehonestamente.
Ele busca euforia após euforia e chega a níveis cada vez mais elevados de
negação.
No entanto, em algum momento a realidade bate à porta e os problemas
ocultosreaparecem.Ésóumaquestãodetempo,edequãodolorososerá.
Umdiaacasacai
Eramnovedamanhãeeuestavanaauladebiologia,acabeçadeitadasobreos
braçoscruzadosnamesa,olhandoparaoponteirodossegundosdorelógio,cada
tique sincopado com a explicação tediosa do professor sobre cromossomos e
mitose. Como todo bom adolescente de treze anos que se vê preso numa sala
abafadaeiluminadaporluzfluorescente,euestavaentediado.
Bateramàporta.Osr.Price,vice-diretordaescola,enfiouacabeçanasala.
—Desculpeinterromper.Mark,vocêpodeviraquiuminstante?Ah,etraga
suascoisas.
Queestranho,pensei.Onormaleraosalunosseremmandadosaoescritório
dodiretor;odiretorraramenteiaatéassalas.Recolhimeumaterialesaí.
Ocorredorestavavazio.Centenasdeportasdearmáriosbegeconvergiamno
horizonte.
—Mark,podemelevaratéseuarmário,porfavor?
—Tudobem—falei,ecomeceiaandaratélácomoumalesma,umalesmade
calçajeanslarga,cabelodesgrenhadoecamisadoPanteragrandedemais.
Chegamosaomeuarmário.
—Abra,porfavor—ordenouosr.Price.
Obedeci.Eleficounaminhafrenteepegoumeucasaco,minhabolsacomo
uniformedeeducaçãofísica,minhamochila.Enfim:tudoquetinhanoarmário,
menosalgunscadernoselápis.
—Venhacomigo,porfavor—disseele,semolharparatrás.
Comeceiaficarnervoso.
Fuicomeleatéoescritóriododiretor.Chegandolá,osr.Pricememandou
sentar,depois fechouaportaea trancou.Foiatéa janelae fechouascortinas.
Minhasmãoscomeçaramasuar.Aquilonãoeraumasimplesconversa.
Osr.Pricesesentouereviroumeumaterialemsilêncio,verificandobolsos,
abrindozíperes,sacudindoasroupasdeeducaçãofísicaejogando-asnochão.
— Sabe o que estou procurando, Mark?— perguntou ele, sem olhar para
mim.
—Não—falei.
—Drogas.
Apalavramedeixounumestadoqueeraummistodeatençãoenervosismo.
—D-d-drogas?—gaguejei.—Dequetipo?
Elemelançouumolharsevero.
— Não sei. De que tipo você tem? — retrucou, abrindo um fichário e
verificandoosbolsinhosparacanetas.
Osuorbrotavadetodososmeusporos,naspalmasdasmãos,nosbraços,no
pescoço.Minhas têmporas começarama latejar quandoo sangue subiuparao
rostoedepoisparaocérebro.Comotodobomadolescentedetrezeanosacusado
deportarnarcóticose levá-losparaa escola, euqueria sair correndodali eme
esconder.
— Não sei do que você está falando — protestei, num tom muito mais
humildedoquegostaria.
Senti que deveria transmitirmais confiança. Ou talvez não. Talvez devesse
estarcommedo.Aspessoasdemonstrammaismedooumaisconfiançaquando
estão mentindo? Porque eu queria demonstrar o oposto. Bom, minha
insegurança aumentou, pois o medo de parecer inseguro me deixou mais
inseguroainda.AmerdadoCírculoViciosoInfernal.
—Issoéoquevamosver—disseele.
Entãoelevoltouaatençãoparaminhamochila,queaparentementetinhacem
bolsos, cada qual com os objetos adolescentes mais bobos: canetas coloridas,
bilhetinhos passados durante a aula, CDs do começo dos anos 1990 com a
caixinharachada,marcadoressecos,umvelhoblocodedesenhosemmetadedas
páginas, inutilidades, poeira e fiapos acumulados durante toda uma existência
enlouquecedoramentemonótonanoensinofundamental.
Meusuordeviaestarjorrandoàvelocidadedaluz,eotemposeprolongavae
se dilatava de tal forma que os poucos segundos naquele relógio da aula de
biologiatinhamsetransformadoeméons.Cadaminutosuficienteparacrescer,
envelheceremorrer.Somenteeu,osr.Priceeminhamochilasemfundo.
Em algum momento da era Mesolítica, o sr. Price terminou de revistar a
mochila.Semterencontradonada,parecianervoso.Virouamochiladecabeça
parabaixo,deixandocair tudono chão, e começoua suar tantoquanto eu, só
que,senomeucasoerapavor,oqueelesentiaeraraiva.
—Nadadedrogashoje,hein?—Eletentouparecercasual.
—Não.—Eutenteitambém.
Eleespalhouminhascoisas,separandocadaitemeosreunindoempequenas
pilhasaoladodomeuuniformedeeducaçãofísica.Meucasacoeminhamochila
estavam agora esvaziados emurchos em seu colo. Ele suspirou e olhoupara a
parede.Comotodobomadolescentedetrezeanostrancadonumasalacomum
homemqueacaboudejogarsuascoisasnochãofuriosamente,euqueriachorar.
O sr. Price analisou os itens espalhados. Nada ilícito ou ilegal, nenhum
narcótico,nemmesmoalgoque infringisse as regrasda escola.Ele suspirou e,
depois,jogounochãotambémocasacoeamochila.Entãoseinclinoueapoiou
oscotovelosnosjoelhos,orostonaalturadomeu.
—Mark,vou lhedarumaúltimachancedesersincerocomigo.Sevocê for
sincero,vaisermuitomelhorparavocê.Seestivermentindo,vaisermuitopior.
Comoseouvisseaminhadeixa,engoliemseco.
—Agora,digaaverdade—exigiuosr.Price.—Vocêtrouxedrogasparaa
escolahoje?
Tentando conter as lágrimas, os gritos querendo escapar pela garganta,
encarei meu torturador e, em tom de súplica, louco para me livrar daquele
horroradolescente,respondi:
—Não,eunão tenhonenhumadroga.Não façoamenor ideiadoquevocê
estáfalando.
—Tudo bem—disse ele, sugerindo rendição.—Pode pegar suas coisas e
voltarparaaaula.
Eledeuumaúltimaolhadaparaamochilavazia,jogadacomoumapromessa
quebradanochãodesuasala.Então,casualmente,pisoudelevenamochila,uma
últimatentativadesesperada.Espereiansiosamentequeeleselevantasseesaísse,
eassimeupoderiaseguircomaminhavidaeesqueceraquelepesadelo.Masopé
deleencontroualgumacoisa.
—Oqueéisso?—perguntouosr.Price,dandoumaspisadinhas.
—Issooquê?
—Aindatemalgumacoisaaqui.
Elepegouamochilaecomeçouatatearofundo.Asalaficouembaçada
,aos
meusolhos;tudoaoredoroscilava.
Euerainteligente,quandojovem.Erasimpático.Mastambémeraumidiota.
Digo isso no sentido mais amoroso possível. Eu era um idiota rebelde e
mentiroso, irritado e cheio de ressentimento. Aos doze anos, modifiquei o
sistema de segurança da minha casa usando ímãs de geladeira para sair
escondidoànoite.Meuamigoeeucolocávamosocarrodamãedeleemponto
mortoeoempurrávamosatéaruaparadirigirporaísemacordá-la.Euescrevia
redaçõesdefendendooabortoporquesabiaqueaprofessorade inglêserauma
fanática religiosa. Outro amigo e eu roubávamos cigarros da mãe dele e os
vendíamosatrásdaescola.
Euabriumcompartimentosecretonofundodaminhamochilaparaesconder
maconha.
Foiessecompartimentoqueosr.Priceencontroudepoisdepisarnaminha
droga escondida. Eu tinhamentido. E, como prometeu, o sr. Price não pegou
levecomigo.Algumashorasdepois, como todobomadolescentede trezeanos
algemadonobancotraseirodeumaviaturapolicial,euachavaqueaminhavida
tinhaacabado.
E tinhamesmo, de certa forma.Meus paismeprenderam em casa. Eunão
teriaamigosnofuturopróximo.Fuiexpulsodaescola,eterminariaoanoletivo
estudando em casa. Minha mãe me fez cortar o cabelo e jogar fora todas as
camisetas doMarilynManson e doMetallica (o que, para um adolescente em
1998, equivalia a ser condenado àmorte por tosquice).Meu paime arrastava
para o trabalho de manhã e me fazia arquivar documentos por horas a fio.
Depois que a educação domiciliar terminou, fui matriculado numa pequena
escolacristã,onde—oquenãodeveserumasurpresa—eunãomeencaixava
muitobem.
E,quandoenfimtomei jeito,entregandoos trabalhosnoprazoeconsciente
dovalordeumaboaresponsabilidadeclerical,meuspaisdecidiramsedivorciar.
Estoucontandotudoissosópara ilustrarcomominhaadolescênciafoiuma
bosta.Perditodososmeusamigos,meuambiente,direitoslegaisefamílianum
intervalo de nove meses. Como diria a psicóloga que me atendia aos vinte e
poucos anos, foram eventos “traumatizantes pra cacete”, e eu passaria uma
década e mais um pouco tentando entendê-los e deixar de ser um bestinha
egoístaearrogante.
Oproblemacomaminhavidadomésticanaquelaépocanãoforamtodasas
coisashorríveisque foramditas e feitas, e sim tudoquedeveria ter sidoditoe
feito,masnãofoi.MinhafamíliaignoraproblemascomoWarrenBuffettganha
dinheiro ouMichael Jordan enterra no basquete: somos osmelhores nisso. A
casapodiaestarpegandofogoediríamos:“Ah,não,estátudobem.Sóumpouco
quenteaqui,talvez,massério,tudobem.”
Quando meus pais se divorciaram, não houve pratos quebrados, portas
batidas nem discussões histéricas sobre quem chifrou quem. Depois que
garantiramparamimeparaomeuirmãoquenãoeraculpanossa,elesabriram
paraperguntas—sim,você leudireito—sobrea logísticadanossanovavida.
Nem uma única lágrima foi derramada. Nem uma única voz foi erguida. O
máximoquemeuirmãoeeuchegamosdeentreveravidaemocionaldeclinante
dosnossospaisfoioesclarecimentodeque“ninguémtraiuninguém”.Ah,que
ótimo.Oarestavameioabafadoalinasala,mastranquilo,tudocerto.
Meus pais são boas pessoas.Não os culpo por nada disso (pelomenos não
mais).Eamomuitoosdois.Elestêmaprópriahistória,aprópria jornadaeos
própriosproblemas,comotodosospais.Comoospaisdelestinham,eassimpor
diante.E,comotodosospais,osmeus,comasmelhoresintenções,transmitiram
paramimalgunsdos seusproblemas, oqueprovavelmente também farei com
meusfilhos.
Quando passamos por eventos “traumatizantes pra cacete” como esses,
começamos a achar, inconscientemente, que não podemos resolver alguns dos
nossosproblemas.Essasuposta incapacidade,porsuavez,nosdeixa infelizese
indefesos.
E tem mais uma consequência. Se temos problemas insolúveis, nosso
inconsciente conclui que somos, em certos aspectos,muito especiais oumuito
imperfeitos; que somos diferentes de todos os outros, e que as regras não se
aplicamanós.
Simplificando:nostornamosarrogantes.
O sofrimento que passei na adolescência me colocou num caminho de
arrogância que segui por boa parte do início da vida adulta. Enquanto a
arrogânciadeJimmysemanifestavanoâmbitoprofissional,emqueele forjava
um enorme sucesso, a minha se manifestava em meus relacionamentos,
especialmente comasmulheres.Meu traumagirava em tornode intimidade e
aceitação,entãoeusentiaanecessidadeconstantedeprovaramimmesmoque
eraamadoeaceito.Comoresultado,comeceiacorreratrásdemulherescomo
umviciadoempósejogariasobreumbonecodenevefeitodecocaína:fazendo
amoremêxtase,paraimediatamentedepoissufocarqualquersentimento.
Virei um galinha: imaturo e egoísta, embora às vezes charmoso. E passei
quaseumadécadacolecionandoumalongasériederelacionamentossuperficiais
edoentios.
Nãoeraexatamentesexooqueeuqueria,emboraessapartefossedivertida.
Eraavalidação.Eueradesejado,amado;pelaprimeiraveznavida,desdequeme
entendiaporgente,eutinhavalor.Meudesejodevalidaçãologovirouumhábito
mentalde exagerarminha importância ede ser autoindulgentedemais.Eume
sentianodireitodedizeroufazeroquequisesse,detrairaconfiançadaspessoas,
deignorarsentimentos,edepoismejustificavacomdesculpasesfarrapadas.
Embora esse período tenha tido seus momentos de diversão e emoção,
embora eu tenha conhecido algumas mulheres maravilhosas, minha vida era
meioqueumconstantecaos.Viviadesempregado,dormindonosofádeamigos
ou morando com a minha mãe, bebendo muito mais do que deveria, me
afastando de vários amigos — e, quando conheci uma mulher de quem
realmentegostava,meuegocentrismonãodemorouaestragartudo.
Quanto mais profunda é a dor, mais impotentes nos sentimos diante dos
problemas e mais arrogantes ficamos em compensação. Essa arrogância pode
funcionardedoisjeitos:
1. Eusouincrívelevocêssãounsmerdas,entãomereçotratamentoespecial.
2. Eusouummerdaevocêssãoincríveis,entãomereçotratamentoespecial.
Por fora, são mentalidades opostas, mas por dentro é o mesmo recheio
cremosodeegoísmo.Naverdade,écomumvergentearrogantealternandoentre
umpensamentoeoutro.Ouestãonotopodomundoouomundodesabousobre
eles, dependendo do dia ou de como estão lidando com seu vício naquele
momento.
Grande parte das pessoas percebe na hora que alguém como Jimmy é um
completo imbecil narcisista, porque ele deixa bastante óbvia sua autoestima
delirante.Oqueamaiorianão identificacomoarrogânciaéocomportamento
daquelesquesesentemsempreinferioreseindignosdomundo.
Interpretar tudo na vida como vitimismo constante exige tanto egoísmo
quanto a atitude oposta. Amesma quantidade de energia e de autocentrismo
delirante são necessários tanto para acreditar que você tem problemas
insuperáveisquantoquenãotemproblemaalgum.
Averdade équenão existemproblemasúnicos epessoais. Se você temum
problema,éprovávelquemilhõesdeoutraspessoasjátenhampassadoporisso
antes de você, estão passando agora ou virão a passar no futuro, inclusive
conhecidos seus. Isso não diminui o problema nem anula a dor. Isso não
significaquevocênãoélegitimamenteumavítimaemalgumascircunstâncias.
Significaapenasquevocênãoéespecial.
Geralmente,essaconstatação—dequevocêeseusproblemasnão sãomais
gravesoumais
,dolorososqueosdosoutros—éoprimeiropasso,assimcomoo
maisimportante,pararesolvê-los.
Masparecequecadavezmaisgente,principalmenteentreosjovens,esqueceu
isso. Professores e educadores notam uma falta de resiliência emocional e um
excessodedemandasegoístasnosjovensdehoje.Nãoéincomumumlivroser
retiradodocurrículodeumaturmaapenasporqueumalunosesentiumalcoma
leitura. Palestrantes e professores são destratados e banidos do campus por
pecados tão banais quanto sugerir que talvez determinadas fantasias de
Halloweennãosejamtãoofensivasassim.Orientadoreseducacionaisobservam
umaquantidademaiordoquenuncadealunosexibindosinaisgravesdeabalo
emocional após experiências comuns da vida acadêmica, comodiscutir como
colegadequartooutirarumanotabaixa.
Éestranhoque,numaépocaemqueestamosmaisconectadosdoquenunca,
aarrogânciaesteja tãoemalta.Algona tecnologia recenteparecepermitirque
nossa insegurança jorre aos borbotões, de maneira inédita. Quanto maior a
liberdadedeexpressão,maiornossodesejodenosvermoslivresdequalquerum
que possa discordar de nós ou nos chatear. Quanto mais expostos ficamos a
pontos de vista diferentes,mais nos incomodamos por eles existirem.Quanto
maisfácilelivredeproblemasnossavidasetorna,maisnossentimosnodireito
dequefiqueaindamelhor.
Os benefícios da internet e das redes sociais são, incontestavelmente,
fantásticos. Este é o melhor momento da história para se viver, por diversas
razões,mastalveztaistecnologiasestejamgerandoefeitoscolateraisinesperados
na sociedade. Talvez asmesmas tecnologias que libertaram e instruíram tanta
genteestejaminflandoaimportânciaquedamosanósmesmos.
Atiraniadoexcepcionalismo
Amaioriadaspessoasébastantemedíocreemquasetudoquefaz.Mesmoque
você seja excepcional em uma área, é provável que seja medíocre ou mesmo
abaixo da média em outras. É a natureza da vida. Para se tornar incrível em
alguma atividade, é preciso investir nela uma quantidade absurda de tempo e
energia.E,comoessesrecursossãolimitados,jáérarosetornarexcepcionalem
umacoisa,quediráemmaisqueisso.
Assim, podemos dizer que é estatisticamente improvável que uma mesma
pessoa seja extraordinária em todas as áreas da vida, ou mesmo em várias.
Empresários brilhantes geralmente têm a vida pessoal toda ferrada. Atletas
extraordinários costumam ser superficiais e burros como uma pedra
lobotomizada.Muitascelebridadestêmumanoçãodavidatão limitadaquanto
seusfãseseguidoresmaisimplacáveis.
Todossomos,basicamente,bemcomuns.Massãoosextremosqueatraemos
holofotes.Jámeioquesabemosdisso,masraramentepensamose/outocamosno
assunto,emenosaindalevantamosaquestãodequeissopodeserumproblema.
Teracessoà internet,aoGoogle,Facebook,YouTubeeacentenasdecanais
de televisão é incrível. Só que nossa atenção é limitada. Não existe a menor
chancedeprocessarmosatsunamideinformaçõesquenosatingeotempotodo.
Assim, só o que chama a atenção são as realmente excepcionais — aquele
0,000001%.
Todos os dias, todas as horas, somos inundados com o que é realmente
extraordinário.Omelhordomelhor.Opiordopior.Asmaioresfaçanhasfísicas.
As piadas mais engraçadas. As notícias mais perturbadoras. As ameaças mais
assustadoras.Semparar.
Nossa vida é repleta de informações sobre os extremos da experiência
humana, porque no ramo damídia é isso que chama atenção, e atenção gera
lucro. É o mais importante. A maior parte da vida, no entanto, se dá na
monótonamédia.Agrandemaioriadavidanãoéextraordinária,esimbastante
medíocre.
Essa inundação de extremos noticiados nos condicionou a acreditar que,
agora, ser excepcional é a norma. E, como somos todos bastante comuns na
maiorpartedo tempo,odilúviode informações sobreoexcepcionalnosdeixa
inseguros e desesperados, porque, obviamente, não somos bons o bastante.
Assim,sentimosanecessidadecadavezmaiordecompensarissocomarrogância
e vício. Lidamos com isso da única forma que sabemos: enaltecendo a nós
mesmosouaosoutros.
Algunsfazemissocriandoesquemasfraudulentosdeenriquecimentorápido.
Uns atravessam o mundo para salvar crianças da desnutrição. Há quem se
destaquenosestudoseganhemilprêmiosacadêmicos.Outrosentramnaescola
atirando.Algunstentamfazersexocomqualquercriaturaquesemova.
Isso temavercomacrescenteculturadaarrogânciaque jáanalisei.Muitas
vezes os millennials são responsabilizados por essa mudança cultural, mas,
provavelmente, apenas porque são a geraçãomais conectada emais visível. A
tendência à arrogância abrange toda a sociedade, e acredito que seja
consequênciadaexcepcionalidadegeradapelosmeiosdecomunicaçãodemassa.
Oproblemaéqueaonipresençadatecnologiaedomarketingestádandoum
nónasexpectativasdemuitagente.Aenxurradadoexcepcionalfazaspessoasse
sentiremmenores,asfazsentirqueprecisamsermaisextremas,maisradicaise
maisautoconfiantesparaseremnotadasouteremvalor.
Quando eu era jovem, minhas inseguranças com intimidade eram
exacerbadaspor todas asnarrativasdemasculinidade ridículasdifundidaspela
cultura pop. Essasmesmas narrativas ainda circulamhoje: para ser popular, o
caratemquesairebebercomoumastrodorock;paraserrespeitado,temque
seradmiradopelasmulheres; sexoéobemmaisvaliosoqueumhomempode
obter,eparaconsegui-lovalesacrificarqualquercoisa(inclusiveadignidade).
Esse fluxo incessante de notícias irreais alimenta nossa insegurança ao nos
exporapadrões fantasiosos impossíveisdecorresponder.Não sónos sentimos
sujeitosaproblemasinsolúveis,comonosconsideramosfracassadosporqueuma
simplespesquisanoGooglemostramilharesdepessoaslivresdessesproblemas.
A tecnologia resolveu antigosproblemas econômicosmasnos trouxenovos
problemas psicológicos.A internet nãodisponibilizou apenas informaçãopara
todos—elafezomesmocomainsegurança,aincertezaeavergonha.
M-m-mas,seeunãovouserespecialnemextraordinário,qualéagraça?
Nossa cultura absorveu a crença de que todos estamos destinados a fazer algo
extraordinário. Celebridades dizem isso.Magnatas dizem isso. Políticos dizem
isso.Até aOprahdiz isso (entãodeve ser verdade).Cadaumdenóspode ser
extraordinário.Todosmerecemosagrandeza.
O paradoxo dessa ideia — afinal de contas, se todo mundo fosse
extraordinário, então, por definição, ninguém seria — não é percebido pela
maioriadaspessoas.Emvezdequestionaroquerealmentemerecemosounão,
engolimosamensagemepedimosmais.
Ser “comum” se tornouonovopadrãode fracasso.Opior lugar emque se
podeestarénomeiodobando,notopodacurvadeGauss.Quandoopadrãode
sucessodeumaculturaé“serextraordinário”,acabasendomelhorestarnopior
extremo da curva de Gauss do que no meio, porque pelo menos ali você é
especialemereceatenção.Muitagenteescolheessaestratégia:provaparatodos
queéomaisinfeliz,omaisoprimido,omaissofrido.
Muitos têm medo de aceitar a mediocridade porque acreditam que, se o
fizerem, nunca conseguirão nada, nunca vão se desenvolver e terão uma vida
insignificante.
Éuma ideiaperigosa.Umavezquevocêaceitaapremissadequeavida só
valeapenasefornotávelegrandiosa,tambémaceitaofatodequeamaiorparte
dahumanidade(incluindovocê)éinútilesemvalor.Eessamentalidadepodese
tornar
,danosabemrápido,tantoparavocêmesmoquantoparaosoutros.
Aspoucaspessoasquesetornamverdadeiramenteexcepcionaisemalgonão
alcançaram isso porque se consideram excepcionais. Pelo contrário: elas são
incríveisporquesãoobcecadasporseaperfeiçoar.Essafixaçãoéderivadadeuma
crençaimperturbáveldeque,naverdade,nãosãolágrandecoisa.Éoinversoda
arrogância. Quem se torna excelente em alguma coisa consegue isso por
entenderquenãonasceuexcelente—émedíocre,comum—,masquepodese
tornarmuitomelhor.
Essa ladainha de que “todo mundo pode ser extraordinário e alcançar a
grandeza”ésóumapunhetagemdoego.Umamensagemgostosadeengolir,mas
quena verdadenãopassade calorias vazias quedeixamvocê emocionalmente
gordoeinchado,comoumBigMacparaocoraçãoeocérebro.
Ocaminhoparaasaúdeemocional,comoparaafísica,élegumeseverduras
—ou seja, aceitar asverdades semgraça ebanais.Como“Suasações emgeral
nãoimportamtantoassim”e“Amaiorpartedavidaétediosaeirrelevante,mas
tudobem”.Opratodelegumesvaiterumgostobemruimnocomeço.Vocênão
vaiquerercomer.
Mas, depois que engolir, seu corpo vai acordar mais potente e mais vivo.
Afinaldecontas,vocênãovaimaisestarcarregandoaconstantepressãodeser
incrível e inovador. O estresse e a ansiedade de ser sempre inadequado e de
precisar seprovarvai sedissipar.Eapercepçãoeaaceitaçãoda suaexistência
banal o libertarão para realizar o que realmente deseja, sem julgamento ou
expectativasaltasdemais.
Vocêvaiapreciarcadavezmaisascoisassimplesdavida:osprazeresdeter
amigos,decriaralgumacoisa,deajudaralguémemnecessidade,delerumbom
livro,derircomalguémdequevocêgosta.
Quechatice,não?Éporquetudoissoécomum.Mastalvezsejacomumpor
umarazão:porquesãoascoisasquerealmenteimportam.
4
Ovalordosofrimento
Nos últimosmeses de 1944, após quase uma década de guerra, amaré estava
virando contra o Japão. A economia do país passava por dificuldades, seus
exércitos se dispersavam por metade da Ásia e os territórios que havia
conquistadopeloPacíficocaíamcomodominósparaosEstadosUnidos.
Aderrotapareciainevitável.
Em26dedezembrode 1944, o segundo-tenenteHirooOnoda,doExército
ImperialJaponês,foienviadoàilhotadeLubang,nasFilipinas.Suasordenseram
desacelerar aomáximoo progresso dosEstadosUnidos, resistir e lutar a todo
custo,jamaisserender.Tantoelequantoseucomandantesabiamqueaquelaera
basicamenteumamissãosuicida.
Em fevereiro de 1945, os norte-americanos chegaram a Lubang e
conquistaramailhacomumaforçaarrebatadora.Emquestãodedias,amaioria
dossoldados japonesestinhaserendidooumorrido,masOnodaetrêsdeseus
homensconseguiramse esconderna floresta.Dali emdiante, começaramuma
campanhadeguerrilhacontraasforçasdosEstadosUnidoseapopulaçãolocal,
atacando rotas de abastecimento, atirando em soldados desacompanhados e
atrapalhandoasforçasamericanasdetodasasformasquepodiam.
Em agosto daquele ano, seis meses depois, os Estados Unidos lançaram as
bombasatômicasnascidadesdeHiroshimaeNagasaki.OJapãoserendeu,ea
guerramaismortíferadahistóriadahumanidadechegouaseudramáticofim.
Contudo,milharesdesoldadosjaponesescontinuavamespalhadospelasilhas
doPacífico,muitosdeles,assimcomoOnoda,escondidosemflorestassemsaber
queaguerraacabara.Essesgruposcontinuaramalutaresaquearcomoantes,o
que configurou um grande problema na hora de reconstruir a Ásia Oriental
depoisdaguerra.Osgovernosconcordavamquealgoprecisavaserfeito.
O Exército americano, junto com o governo japonês, jogou milhares de
panfletosemtodaaregiãodoPacífico,anunciandoqueaguerratinhaterminado
equetodomundodeveriavoltarparacasa.Onodaeseushomens,assimcomo
muitos outros, encontraram e leram esses panfletos, mas, ao contrário da
maioria, o tenente julgou que fossem falsos, uma armadilha das forças
americanas para tirar os guerrilheiros de seu esconderijo. Onoda queimou os
panfletosecontinuoualutaraoladodeseushomens.
Cincoanossepassaram.Ospanfletostinhamparadodechegar,amaiorparte
dasforçasamericanasjávoltaraparacasa,apopulaçãolocaldeLubangtentava
retomar a vida normal de agricultura e pesca,mas lá estavamHirooOnoda e
seus alegres companheiros, ainda atirando em fazendeiros, queimando as
colheitas, roubando gado ematando nativos que se embrenhassem demais na
floresta.Entãoogovernofilipinofeznovospanfletoseosespalhoujustamentelá,
nafloresta.Saiam,diziam.Aguerraacabou.Vocêsperderam.
Masessestambémforamignorados.
Em1952, o governo japonês fez umaúltima tentativa de atrair os soldados
remanescentesaindaescondidospelosterritóriosdoPacífico.Dessavez,cartase
fotosdas famíliasdossoldadosdesaparecidos foramespalhadas, juntocomum
bilhete escrito pelo próprio imperador. Mais uma vez, Onoda se recusou a
acreditarquea informação fosse real.Maisumavez, julgouserumtruquedos
americanos.Maisumavez,eleeseushomensresistiramecontinuaramalutar.
Mais alguns anos se passaram e os filipinos, fartos de serem aterrorizados,
finalmente se armaram e começaram a revidar. Em1959, umdos soldados de
Onoda havia se rendido, e outro fora morto. Então, uma década depois, seu
último companheiro, um homem chamadoKozuka,morreu em uma troca de
tiroscomapolícialocalenquantoqueimavacamposdearroz—aindaemguerra
comapopulaçãolocal,umquartodeséculoapósotérminodaSegundaGuerra!
Onoda,depoisdepassarmaisdametadedavidapelasflorestasdeLubang,se
viusozinho.
Em1972,anotíciadamortedeKozukachegouaoJapão,causandocomoção.
Os japonesesachavamqueosúltimossoldados tinhamvoltadoparacasahavia
anos. A mídia japonesa começou a se perguntar: se Kozuka permanecia em
Lubangaté1972,talvezopróprioOnoda,oúltimobastiãojaponêsdaSegunda
Guerra, ainda estivesse vivo. Naquele ano, os governos japonês e filipino
enviaramgruposdebuscaparaprocuraroenigmáticosegundo-tenente,àquela
alturapartemito,parteherói,partefantasma.
Nãoencontraramnada.
Comopassardosmeses,ahistóriadeOnodasetornouumaespéciedelenda
urbananoJapão—oheróideguerratãoinsanoquenãopodiaserreal.Muitoso
romantizavam. Outros o criticavam. Alguns achavam que fosse uma fábula
inventadaporquemaindaacreditavaemumJapãoextintohaviamuito.
FoinessaépocaqueumjovemchamadoNorioSuzukiouviufalardeOnoda.
Suzukieraaventureiro,exploradoremeiohippie.Nascidodepoisdaguerra,ele
abandonara a faculdade e passara quatro anos viajandopelaÁsia, aÁfrica e o
OrienteMédio,dormindoembancosdepraças,carrosdedesconhecidos,celas
decadeiaesobasestrelas.Suzukitrabalhavaemfazendasemtrocadecomidae
doavasangueemtrocadeabrigo.Umespíritolivre,talvezmeiodoidãotambém.
Em1972,Suzukiprecisavadeumanovaaventura.DevoltaaoJapão,achava
sufocantes as rígidas normas culturais e a hierarquia social. Detestava a
faculdade.Não parava em emprego algum.Queria pegar a estrada, voltar a se
virarsozinho.
ParaSuzuki,alendadeHirooOnodaeraasoluçãodeseusproblemas.Uma
aventura nova e digna para embarcar. Para Suzuki, ele seria a pessoa que
encontrariaOnoda.Bem,gruposdebuscaorganizadospelosgovernos japonês,
filipinoeamericanonãoconseguiramacharohomem;asforçaspoliciaislocais
faziam varreduras na floresta havia trinta anos sem resultados; milhares de
,panfletos não tinham dado em nada—mas foda-se tudo isso, porque aquele
hippieinútilquetinhalargadoafaculdadeseriaoúnicocapazdeencontrá-lo.
Desarmadoe semtreinamentomilitaroudereconhecimento,Suzukiviajou
paraLubangecomeçouavagarsozinhopelafloresta.Suaestratégiaeragritaro
nomedeOnodabemaltoedizerqueoimperadorestavapreocupadocomele.
Encontrouotenenteemquatrodias.
Suzuki passou um tempo com ele na floresta. Àquela altura, Onoda estava
sozinho havia mais de um ano e, ao se deparar com Suzuki, acolheu a
companhia,desesperadoparasaberoqueestavaacontecendonomundoexterior
porumafontejaponesaconfiável.Osdoissetornarammeioqueamigos.
Suzuki perguntou a Onoda por que ele havia permanecido e continuado a
lutar. Simples, respondeuOnoda: ele recebera a ordem de “jamais se render”,
entãoficou.Passaraquasetrintaanossimplesmenteobedecendoaumaordem.
Então Onoda perguntou a Suzuki por que um “garoto hippie” como ele foi
procurá-lo.SuzukiexplicouquetinhadeixadooJapãoembuscade trêscoisas:
“OtenenteOnoda,umpandaeoAbominávelHomemdasNeves,nessaordem.”
Os dois homens foram unidos pelas circunstâncias mais improváveis: dois
aventureiros bem-intencionados embusca de falsas visões de glória, comoum
DomQuixoteeumSanchoPançajaponeses,juntosnosconfinsúmidosdeuma
florestafilipina,ambosseconsiderandoheróismesmosozinhos,semnadaecom
objetivos vazios. Onoda já desperdiçara a maior parte da vida numa guerra
fantasma. Suzuki também desperdiçaria a dele. Depois de encontrar Hiroo
Onoda e o panda, ele morreria alguns anos mais tarde, numa avalanche,
enquantobuscavaoAbominávelHomemdasNevesnoHimalaia.
Écomumqueossereshumanosescolhamdedicargrandesperíodosdavidaa
causasaparentementeinúteisoudestrutivas.Àprimeiravista,sãosemsentido.É
difícilimaginarcomoOnodapodetersidofeliznaquelailhadurantetrintaanos
— comendo insetos e roedores, dormindo na terra, assassinando civis década
após década. Ou por que Suzuki se jogou em direção à própria morte, sem
dinheiro,semcompanhiaecomoúnicopropósitodeencontrarofictícioyeti.
Tempos depois, Onoda declarou não se arrepender de nada. Disse que se
orgulhava de suas escolhas e do tempo que passara em Lubang; que foi uma
honra dedicar parte considerável de sua vida a um império já inexistente. Se
Suzuki tivesse sobrevivido, provavelmente teria dito algo similar: que estava
fazendoexatamenteoquequeria,quenãosearrependiadenada.
Essesdoishomensescolheramcomoqueriamsofrer.HirooOnodaescolheu
fazê-lopor lealdade aum impériomorto, enquantoSuzuki escolheu sofrer em
nomedaaventura,pormaisimprudentequefosse.Paraeles,osofrimentotinha
um significado, servia a uma causa maior. E foi por esse motivo que ambos
conseguiramsuportá-lo,talvezatégostardele.
Seosofrimentoéinevitável,seosproblemasdavidatambémsão,apergunta
quedevemosfazernãoé“Comoparodesofrer?”,esim“Peloqueestousofrendo?
Comquepropósito?”.
Hiroo Onoda voltou ao Japão em 1974, onde se tornou uma celebridade.
Visitava programas de entrevistas na TV e estações de rádio; políticos faziam
questãodeapertarsuamão;publicouumlivrodememórias;ogovernoaté lhe
ofereceuumaboaquantiadedinheiroemrecompensa.
Mas o que ele encontrou quando retornou ao Japão o deixou horrorizado:
umaculturaconsumista,capitalistaesuperficial,queperderatodasastradições
dehonraesacrifíciocomasquaissuageraçãohaviasidocriada.
Onoda tentou usar sua súbita condição de celebridade para defender os
valoresdoantigoJapão,masnãoentendiaaquelanovasociedade.Eleeravisto
maiscomoumacuriosidadedoquecomoumpensadorsério—umjaponêsque
saíradeumacápsuladotempoparaodeleitedetodos,comoumarelíquianum
museu.
A maior ironia nisso tudo foi que Onoda ficou muito mais deprimido no
Japãodoquedurante todosaqueles anosna floresta.Porque lá, aomenos, sua
vida tinhaumpropósito;umsentido. Isso tornavao sofrimento tolerável e até
um pouco prazeroso.Mas, no novo Japão, que ele via como uma nação vazia
cheiadehippiesemulheresfáceisemroupasocidentais,elefoiconfrontadocom
ainevitávelverdade:sualutanãovaleranada.OJapãopeloqualviveraelutara
nãoexistiamais.Eopesodessapercepçãooatingiucomonenhumabalajamais
conseguira. Como seu sofrimento não significara nada, a conclusão se tornou
claraereal:trintaanosdesperdiçados.
Então, em 1980, Onoda fez as malas e foi para o Brasil, onde morou
praticamenteatémorrer.
Aceboladaautoconsciência
Aautoconsciênciaéumacebola:cheiadecamadas,equantomaisvocêdescasca,
maisprováveléquecomeceachoraremmomentosinadequados.
Digamosqueaprimeiracamadadaautoconsciênciaéasimplescompreensão
dasprópriasemoções.“Assimeumesintofeliz”,“Issomedeixatriste”,“Issome
dáesperança”.
Infelizmente,muita gente épéssima atémesmonessenívelmais básico. Sei
disso porque sofro desse mal. Às vezes, minha esposa e eu temos conversas
divertidasquecorremmaisoumenosassim:
ELA:Oquefoi?
EU:Nada.Nada,não.
ELA:Não,aconteceualgumacoisa.Oquefoi?
EU:Tátudobem.Juro.
ELA:Temcerteza?Vocêparecechateado.
EU:[comumarisadanervosa]Sério?Não,tátudobem,deverdade.
[Meiahoradepois…]
EU:…eéporissoqueeuestouputodavida!Elepassametadedotempo
agindocomoseeunãoexistisse.
Todosnóstemospontoscegosemocionais.Emgeral,sãoossentimentosque
aprendemosaconsiderarinapropriadosnainfância.Éprecisoanosdepráticae
esforçoparaconseguiridentificá-loseexpressarasemoçõesdeformaadequada.
Éumatarefaextremamenteimportante,quevaleoesforço.
A segunda camada da cebola da autoconsciência é a capacidade de se
perguntaroporquêdecertossentimentos.
Esses porquês são difíceis, emuitas vezes levamosmeses, ou até anos, para
chegar a uma resposta consistente e precisa. A maioria das pessoas precisa
recorreraumpsicólogoparasequerouviressasperguntaspelaprimeiravez.Tais
questionamentos são importantes porque esclarecem o que consideramos ser
sucessooufracasso.Porquevocêsenteraiva?Éporquenãoconseguiualcançar
algum objetivo? Por que se sente letárgico e sem inspiração? É porque não se
considerabomosuficiente?
Essacamadadequestionamentonosajudaaentenderaraizdasemoçõesque
nos dominam. Quando entendemos essa origem, temos a chance de tomar
algumaatitudeparamudar.
Mas existe um terceiro nível, ainda mais profundo, da cebola da
autoconsciência,eesseécheiode lágrimas.Eleé formadopelosnossosvalores
pessoais:porqueconsideroissoumsucesso/fracasso?Comoescolhomeavaliar?
Qualéopadrãoqueusocomoreferênciaparajulgaramimmesmoeaosqueme
cercam?
Essenível,querequerconstantequestionamentoeesforço,émuitodifícilde
alcançar, mas é justamente o mais importante, porque nossos valores
determinam a natureza dos nossos problemas, e a natureza dos nossos
problemas,porsuavez,determinaaqualidadedanossavida.
Osvaloressãoabasede tudoquesomose fazemos.Seoquevalorizamosé
inútil, se o que escolhemos considerar sucesso ou fracasso é equivocado,
qualquer coisa baseada nesses valores — pensamentos, emoções, sentimentos
cotidianos—seráequivocadatambém.Nofinaldascontas,tudoquepensamose
sentimossobreumasituaçãoseresumeaovalorquedamosaela.
Muitas pessoas não sabem expor esses porquês de forma exata, e
,isso as
impededeobterumconhecimentomaisprofundodeseusvalores.Elaspodem,é
claro,dizerquevalorizamahonestidadeeosamigosverdadeiros,masaí falam
mal de você pelas suas costas para se sentirem melhores. As pessoas podem
perceberquesesentemsolitárias,masquandoseperguntamporque se sentem
assim, encontram um jeito de culpar os outros— todomundo é péssimo, ou
ninguém é descolado ou inteligente o suficiente para compreendê-las — e
continuamevitandooproblemaemvezdetentarresolvê-lo.
Muita gente chama isso de autoconsciência, mas se essas pessoas
conseguissem se aprofundar e observar seus valores-base, perceberiam que só
estavam evitando a responsabilidade pelos próprios problemas em vez de
identificá-los.Perceberiamqueasprópriasdecisões sãobaseadasnabuscapela
euforia,enãoporumafelicidadeverdadeira.
Amaioriadosgurusdaautoajudatambémignoraessenívelmaisprofundode
autoconsciência.Àspessoasqueestãoinfelizesporquequeremserricas,elesdão
vários conselhos para ganhar mais dinheiro, ignorando questões importantes
baseadasemvalores:emprimeirolugar,porqueelassentemessanecessidadede
serricas?Comoestãoescolhendomedirseusucessooufracasso?Seráquearaiz
da infelicidadequesentemnãoédeterminadovalorpessoal,emvezdofatode
queaindanãoestãodirigindoumBentley?
Grandepartedosconselhosdisponíveisporaíagenonívelmaissuperficial,
tentando fazer as pessoas se sentirem bem a curto prazo, enquanto os
verdadeiros problemas a longo prazo nunca se resolvem. As percepções e
sentimentosdaspessoaspodemmudar,masosvalores-baseeaformadeavaliá-
los são sempreosmesmos.Nãoéumprogresso real.É sómaisuma formade
experimentaroutrosestadosdeeuforia.
Oautoquestionamentohonestoédifícil.Requer seperguntar coisas simples
que são difíceis de responder. Pelo que sei, quanto mais desconfortável for a
resposta,maioresaschancesdequesejaverdadeira.
Tireuminstanteparapensaremalgoqueoestejaincomodandomuito.Agora
sepergunteporque issoo incomoda.Éprovávelquea respostaenvolvaalgum
tipo de fracasso. Depois, pergunte-se por que esse fracasso lhe parece
“verdadeiro”.Eseissonãoforumfracasso?Esevocêestiveranalisandoascoisas
dojeitoerrado?
Umexemplorecentetiradodaminhavida:
“Eumeincomodoporqueomeuirmãonãorespondeàsminhasmensagens.”
Porquê?
“Porqueficoachandoqueelecagapramim.”
Eporqueissolhepareceverdade?
“Porqueseelequisesseserelacionarcomigo,tirariadezsegundosdodiapara
conversar.”
Porquevocêvêcomofracassoofatodeelenãoserelacionarcomvocê?
“Porquesomosirmãos!Devemosterumbomrelacionamento!”
Estão acontecendo duas coisas aqui: um valor que considero importante e
umamedidaqueusoparaavaliaroprogressoemdireçãoaessevalor.Meuvalor:
irmãosdevemterumbomrelacionamento.Minhamedida:mantercontatopor
telefone,mensagensoue-mail—éassimquemeçomeusucessocomoirmão.Ao
meapegaraessamedida,mesintoumfracasso,oqueàsvezesestragaminhas
manhãsdesábado.
Poderíamosiraindamaisfundo,repetindooprocesso:
Porqueirmãosdevemterumbomrelacionamento?
“Porqueirmãossãoparentes,eumafamíliadeveserpróxima!”
Porqueissolhepareceverdade?
“Porque seus familiares devem ser mais importantes do que as outras
pessoas!”
Porqueissolhepareceverdade?
“Porqueserpróximodafamíliaé‘normal’e‘saudável’eeunãotenhoisso.”
Nessaconversa,meuvalor-baseficaclaro—terumbomrelacionamentocom
omeuirmão—,masaindatenhodificuldadescomamétrica.Euarebatizeide
“proximidade”,mas continua sendo amesma: aindame julgo enquanto irmão
combasenafrequênciadocontato—e,usandoessamedida,mecomparocom
outraspessoasqueconheço.Todososoutros(oupelomenoséoquepenso)têm
um relacionamento próximo com seus familiares, e eu não. Então é claro que
devehaveralgoerradocomigo.
Mas e se eu estiver escolhendo uma medida superficial para mim e para
minhavida?Quaisoutrasverdadesnãoestouconsiderando?Bom,talvezeunão
preciseserpróximodomeuirmãopara terobomrelacionamentoquevalorizo.
Talvez só precise existir respeitomútuo (existe).Ou talvez a confiançamútua
seja o principal (idem). Talvez essasmedidas sejam formasmais eficientes de
avaliarafraternidadedoqueaquantidadedemensagensquetrocamos.
Issofazsentido;pareceverdade.Mesmoassim,ofatodemeuirmãoeeunão
sermospróximosdóipra caralho, enão existenenhuma formapositivade ver
isso.Nãoháumjeitosecretodemesentirmelhorporisso.Àsvezes,irmãos—
mesmoosque seamam—não têmumrelacionamentopróximo,e tudobem.
Nocomeço,édifícilaceitar,mastudobem.Oqueéverdadesobresuasituação
não é tão importante quanto a forma como você vê a situação, como escolhe
medi-la e valorizá-la. Os problemas podem ser inevitáveis, mas o que cada
problemavai significarnãoé.Controlamosoquenossosproblemassignificam
aoescolhermoscomoosvemoseopadrãoqueusamosparamedi-los.
Problemasderockstar
Em 1983, um jovem e talentoso guitarrista foi expulso de sua banda da pior
formapossível.Abandaacabaradeassinarumcontratoeestavaprestesagravar
oprimeirodisco,masdeuumpénabundadoguitarristaapenasdiasantesde
começarem a gravação. Sem preparação, sem discussão, sem drama: um dia
acordaramocaraelheentregaramumapassagemdeônibusparacasa.
Noônibus,voltandodeNovaYorkparaLosAngeles,oguitarristanãoparava
de se perguntar:Como isso aconteceu?O que eu fiz de errado?O que vou fazer
agora?Contratosdegravaçãonãocaemdocéu,aindamaisparabandasdemetal
barulhentaseminíciodecarreira.Seráqueeletinhaperdidosuaúnicachance?
QuandochegouaLosAngeles,oguitarristajátinhasuperadoaautopiedadee
decididoformarumanovabanda.Essanovabandaseriatãobem-sucedidaquea
antigasearrependeriaparasempredadecisãodetê-loexpulsado.Eleficariatão
famoso que os ex-colegas seriam forçados a passar décadas vendo-o na TV,
ouvindo-ono rádio, vendo-o em cartazesnas ruas e em fotos de revistas. Eles
estariam fritando hambúrgueres em alguma lanchonete ou carregando os
equipamentos nas costas depois de mais um show de merda num pé-sujo
qualquer,todosgordosebêbadosemorandoemchiqueiros,enquantoeleestaria
tocando para estádios lotados com transmissão ao vivo pela televisão. Ele se
banharianas lágrimasdostraidoresesecariacadaumadelascomumanotade
cemdólaresnovinhaemfolha.
Oguitarristapassouatrabalharcomosepossuídoporumdemôniomusical.
Passoumeses recrutandoosmelhores instrumentistasqueencontrava—todos
muitomelhores que seus ex-colegas de banda. Escreveu dezenas demúsicas e
ensaioureligiosamente.Araivaalimentousuaambição;avingançasetornousua
musa inspiradora. Empoucos anos, a nova banda também tinha assinado um
contratoe,umanodepois,ganhariaumdiscodeouro.
O guitarrista se chamavaDaveMustaine, e seu novo projeto era a lendária
banda de heavymetalMegadeth.Venderammais de vinte e cincomilhões de
discose fizeramvárias turnêsmundiais.Hoje,Mustaineéconsideradoumdos
nomesmaisbrilhanteseinfluentesdahistóriadogêneromusical.
Infelizmente,abandaqueoexpulsousechamavaMetallica,quevendeumais
decentoeoitentamilhõesdediscosemtodoomundoequemuitosconsideram
umadasmelhoresbandasderockdetodosostempos.
Por causa disso, uma rara entrevista íntima em 2003 revelou umMustaine
choroso admitindo que ainda se sentia
,um fracassado. Apesar de tudo que
conquistou,emsuamenteelesempreseriaocaraquefoiexpulsodoMetallica.
Somos animais. Nos consideramos muito sofisticados com nossos micro-
ondas e sapatos de marca, mas não passamos de um bando de animais bem
enfeitados. E, por sermos animais, instintivamente avaliamos a nósmesmos a
partirdoquevemosnosoutros,competindoporstatus.Aquestão,portanto,não
ésenossaautoavaliaçãotemcomoreferênciaoquevemosnosoutros,esimqual
referênciaéessa.
DaveMustaine,conscientedissoounão,escolheuseavaliarsegundoopadrão
“sermaisbem-sucedidooumaispopularqueoMetallica”.Foitãodolorososer
expulsodeseuantigogrupoqueeleadotouo“sucessorelativoaodoMetallica”
comomedidaparaavaliarasimesmoeaprópriacarreiramusical.
Apesarde ter transformadoumincidentedifícilemalgopositivo,aocriaro
Megadeth, a escolha de Mustaine de se ater ao sucesso do Metallica como
parâmetro de sucesso continuou a prejudicá-lo por décadas.Apesar de todo o
dinheiro,fãseelogios,eleaindaacreditavaterfracassado.
Bem,vocêeeupodemosacharcômicaasituaçãodeDaveMustaine.Olhasóo
cara,cheiodagrana,adoradoporcentenasdemilharesdepessoas,trabalhando
com o que gosta emesmo assim fica se lamentando pelos cantos porque seus
amiguinhosdevinteanosatrássãomuitomaisfamosos.
Isso é porque você e eu temos valores diferentes dos de Mustaine e nos
avaliamossegundooutrosparâmetros.Provavelmenteosnossosestãomaispara
“Quero trabalhar com um chefe que eu não odeie”, “Quero ter dinheiro para
colocarmeufilhonumaescolaboa”ou“Medouporsatisfeitoemnãoacordar
num valão”. Segundo esses parâmetros, Mustaine é extremamente bem-
sucedido.Mas,peloparâmetrodele—“Sermaispopular emaisbem-sucedido
queoMetallica”—,Mustaineéumfracassado.
Nossosvaloresdeterminamoparâmetrosegundooqualavaliamosasoutras
pessoasenósmesmos.Ovalorde lealdadedeOnodaao império japonês foio
que o sustentou em Lubang por quase trinta anos, mas esse mesmo valor o
deixouinfelizaoretornaraoJapão.OparâmetrodeMustaine,sermelhorqueo
Metallica, provavelmente o impulsionou a construir uma carreira musical
extremamentebem-sucedida,masessemesmoparâmetrootorturoumaistarde,
apesardetodooseusucesso.
Se você deseja mudar sua forma de ver os problemas, precisa mudar seus
valorese/ousuaformademedirfracassosesucessos.
Comoexemplo,vamosanalisaroutromúsicoquefoiexpulsodesuabanda.A
história dele é muito parecida com a de Dave Mustaine, embora tenha
acontecidoduasdécadasantes.
Era 1962. Uma nova banda de Liverpool, Inglaterra, estava despertando
interesse.Os integrantes tinhamcortes de cabelo engraçados e umnomemais
engraçadoainda,masamúsicaerainegavelmenteboa,eaindústriafonográfica
começavaenfimanotá-la.
Eram eles: John, vocalista e compositor; Paul, o baixista romântico com
carinhademenino;George,oguitarristarebelde;e…obaterista.
O baterista era considerado o mais bonito do grupo. Todas as garotas
enlouqueciamporele,eseurostofoioprimeiroaaparecernasrevistas.Eleera
também o mais profissional. Não usava drogas, namorava sério… Alguns
executivosachavamatéqueeledeveriaserorostodabanda,nãoJohnouPaul.
Chamava-sePeteBest.Em1962,depoisqueosBeatlesassinaramseuprimeiro
contrato de gravação, os outros três integrantes tomaram uma decisão em
segredo e exigiram que seu empresário, Brian Epstein, demitisse Pete. O
empresário sofreu para atender ao pedido e, por gostar de Pete, ficou
postergandoomomento,naesperançadequeabandamudassedeideia.
Mesesdepois, apenas três dias antes de começarema gravaçãodoprimeiro
disco, Brian Epstein finalmente chamou Pete para conversar. Sem a menor
cerimônia, mandou o baterista dar o fora e encontrar outra banda. Não deu
nenhuma explicação nem prestou condolências — só disse que os outros
queriamqueelesaíssee,bem,boasorteaí.
O substituto escolhido foi um cara esquisito com um narigão engraçado
chamado Ringo Starr. Ele concordou em adotar o mesmo cabelo ridículo de
John,PauleGeorgee insistiuemescrevermúsicas sobrepolvose submarinos.
Osoutroscarasdisseram:Claro,mandaver,porquenão?
Apenas seismesesapósademissãodePete, a febredaBeatlemaniaestavaa
toda,fazendodeJohn,Paul,GeorgeeRingoquatrodosrostosmaisfamososdo
planeta.
Enquantoisso,Petecaiunumaprofundaecompreensíveldepressãoepassou
adedicarseutempoaoquequalquerbritânicofazsetivermotivo:beber.
Orestantedosanos1960nãoforammaisgentiscomPeteBest.Antesde1965
elejáhaviaprocessadodoisdosBeatlesporcalúniaefracassadomiseravelmente
em todos os seus outros projetos musicais. Em 1968, tentou suicídio, só
desistindodedesistirgraçasàmãe.Emresumo,suavidaeraumdesastre.
PeteBestnão teveamesmahistóriaderedençãodeDaveMustaine.Nãose
tornouumastromundialnemganhoumilhões.Noentanto,Bestsedeumelhor
queMustaineemmuitasáreas.Numaentrevistade1994,eledeclarou:“Soumais
felizdoqueteriasidocomosBeatles.”
Comoassim?
PeteBestexplicouqueaexpulsãodosBeatlesfoioqueolevouaconhecera
esposa,comquemveioa ter filhos.Seusvaloresmudaram:elepassouaavaliar
suavidasegundooutrosparâmetros.Famaeglóriateriasidoótimo,éclaro,mas
Pete compreendeu a dimensão maior do que tinha conquistado: uma família
grandeeamorosa,umcasamentoestável,umavidatranquila.Elenãodeixoude
tocarbateria, fez turnêspelaEuropaegravoudiscosatéo finaldosanos2000.
Então, o que ele realmenteperdeu?Apenasmuita atenção e adulação, embora
tenhaganhadoalgomuitomaissignificativo.
Essas histórias sugerem que alguns valores e parâmetros sãomelhores que
outros.Algunsconduzemaproblemasbons(dotipofácilesimplesderesolver),
enquanto outros levam a problemas ruins (do tipo difícil e complexo de
resolver).
Valoresescrotos
Algunsvaloressófazemcriarproblemas—problemascomplexosdeseresolver.
Então,vamosavaliarbrevementealgunsdessesvaloresescrotos:
1.Prazer.Prazer éótimo,masé tambémumpéssimovalornoqualbasear sua
vida. Pergunte a qualquer viciado emdrogas aonde sua busca por prazer o
levou.Pergunteaoadúlteroqueviusuafamíliasedesintegrarequeafastouos
filhosseoprazerodeixoufeliz.Pergunteaalguémqueficouàbeiradamorte
porcausadagulaexcessivaseoprazeroajudouaresolverseusproblemas.
Oprazeréumfalsodeus.Pesquisasmostramqueconcentrarenergiaem
prazeres superficiais leva a ansiedade, instabilidade emocional e tristeza
extrema. O prazer é o meio mais superficial de se obter satisfação; por
consequência,essasatisfaçãoéamaisfácildeobter,mastambémamaisfácil
deperder.
Apesardisso,oprazerévendidovinteequatrohoraspordia,setediaspor
semana. É nele que nos fixamos. É a substância que usamos para nos
entorpecerenosdistrair.Porém,emboranecessário(empequenasdoses),o
prazernãoésuficiente.
O prazer não é causa para a felicidade: é efeito dela. Se você acertar no
restante (outros valores e parâmetros), o prazer virá naturalmente, como
consequência.
2. Sucesso material. Muitas pessoas medem seu valor pessoal com base no
dinheiroqueganham,nocarroquedirigemounumgramadomaisverdeque
odovizinho.
Pesquisasindicamque,tendonossasnecessidadesfísicasbásicas(comida,
abrigoetc.)supridas,acorrelaçãoentrefelicidadeesucessomaterialapartir
,desse ponto se aproxima rapidamente do zero. Isto é: se você passa fome e
moranasarjeta,dezmildólaresamaisporanoteriaumgrandeimpactono
seuníveldefelicidade;paraaclassemédiadeumpaísbemestruturado,dez
mil dólares a mais por ano quase não teria impacto na sua vida— o que
significaquevocêestásematandodetrabalharporbasicamentenada.
Ooutroproblemada supervalorizaçãodo sucessomaterial éoperigode
priorizá-lo acima de outros valores, como honestidade, civilidade e
compaixão. Quando as pessoas avaliam a si mesmas não por seu
comportamento,mas pelos símbolos de status atrelados a elas, estão sendo
nãosósuperficiaiscomoidiotastambém.
3. Estar sempre certo. Nosso cérebro é uma máquina falha. Estamos sempre
fazendo suposições incorretas, avaliando mal as probabilidades,
rememorando eventos de forma imperfeita, cedendo a predisposições
cognitivaseobedecendoaosnossoscaprichosemocionais.Sendohumanos,é
muitocomumnosenganarmos,por isso sea suamedidade sucessoé estar
certo,vocêvaiencontrardificuldadeemracionalizartodasessasmerdasque
alimentanasuacabeça.
O fato é: quem quer estar certo em tudo para valorizar a simesmo não
consegue aprender com os próprios erros. Pessoas que se baseiam nesse
parâmetronãotêmacapacidadedeaceitarnovasperspectivaseterempatia.
Elassefechamparainformaçõesnovaseimportantes.
Émuitomaisútil sepresumir ignorante e limitado. Issovai libertá-lode
crenças supersticiosas ou equivocadas e colocá-lo num estado constante de
aprendizagemecrescimento.
4.Otimismo implacável. Há quem avalie a vida segundo a capacidade de ser
otimista em relação a quase tudo. Perdeu o emprego? Ótimo! Uma
oportunidadedeexplorarnovaspaixões.Seumaridotraiuvocêcomsuairmã?
Bem,pelomenosvocêdescobriuoquerealmentesignificaparaaquelesquea
cercam.Seufilhoestámorrendodecâncernoesôfago?Bem,aomenosvocê
nãovaiprecisarpagarauniversidade!
Aindaqueexistavalorem“veroladobomdascoisas”,averdadeéqueàs
vezesavidaéumadrogamesmo,eaatitudemaissaudáveléadmitirisso.
Negar sentimentos negativos só os aprofunda e prolonga, levando a
problemas emocionais sérios. Positividade constante é uma forma de fuga,
nãoumasoluçãoválidaparaosproblemasdavida—sobretudoporqueesses
problemas podem revigorá-lo emotivá-lo se os valores emedidas corretos
foremaplicados.
Ésimples:coisasdãoerrado,pessoascometemerros,acidentesacontecem.
Tudo isso deixa a gente na merda. E tudo bem. Sentir-se mal é um
componente imprescindível da saúde emocional.Negar sentimentos ruins é
perpetuarproblemasemvezdesolucioná-los.
Quandose tratadeemoçõesnegativas,o truqueé:1) expressá-lasdeum
jeito socialmente aceitável e saudável e 2) expressá-las de uma forma que
esteja alinhada aos seus valores.Exemplo simples: umdosmeus valores é a
nãoviolência.Então,quandoficocomraivadealguém,possoexpressaresse
sentimento,massempretomandoocuidadodenãodarumsoconacarade
quemmeirritou.Éumaideiaradical,eusei.Masaraivanãoéoproblema.A
raivaénatural.Fazpartedavida.Araivaé,semdúvida,saudávelemmuitas
situações. (Não esqueça que as emoções são apenas um mecanismo de
resposta.)
Oproblemaseriasocaraspessoas.Araivaéapenasomensageirodomeu
punhonasuacara.Nãoculpeomensageiro.Culpemeupunho(ousuacara).
Quandonosforçamosaserotimistasotempotodo,negamosaexistência
dos problemas. E quando negamos nossos problemas, nos privamos da
chancederesolvê-losedecriarfelicidade.Osproblemasgeramumasensação
depropósitoedãosubstânciaàvida.Porisso,evitá-loséomesmoquelevar
umaexistênciasemsentido(mesmoquesupostamenteagradável).
Alongoprazo,terminarumamaratonanosdeixamaisfelizesdoquecomer
umbolodechocolate.Criarumfilhonosdeixamaisfelizesdoqueganharuma
partida de videogame. Abrir uma pequena empresa com amigos e vencer
dificuldadesfinanceirasnosdeixamaisfelizesdoquecomprarumcomputador
novo.Sãoatividadesestressantes,árduasemuitasvezesdesagradáveis,alémde
trazer consigo inúmeros problemas, mas, ao mesmo tempo, são as que nos
proporcionam os momentos mais marcantes e constituem nossas maiores
alegrias.Atividadescomoessasenvolvemdor,cansaço,raivaeatédesespero—
mas,depoisdeconcluídas,olhamosparatrásemocionados.Éoquecontaremos
aosnossosnetos.
É como Freud disse: “Um dia, quando olhar para trás, os anos de luta lhe
parecerãoosmaisbonitos.”
Issoexplicaporquenãodevemospautarnossaexistênciaemvaloresescrotos
—prazer, sucessomaterial, estar sempre certo e otimismo implacável. Alguns
dosmelhoresmomentosdavidanãosãoprazerosos,nãosãograndiosos,nãosão
reconhecidosenãosãopositivos.
O importante é ter bons valores e bons parâmetros, e o prazer e o sucesso
virão como consequências naturais. Se tomados como valores em si, trazem
apenaseuforiasvazias.
Definindovaloresbonseruins
Bons valores são 1) realistas, 2) socialmente construtivos e 3) imediatos e
controláveis.
Valoresruinssão1)supersticiosos,2)socialmentenocivose3)nãoimediatos
nemcontroláveis.
Ahonestidadeéumbomvalorporqueestásobnossototalcontrole,ébaseada
narealidadeebeneficiaoutraspessoas(mesmoqueàsvezessejadesagradável).
Já a popularidade é um valor ruim— se considerá-la como valor, sendo seu
parâmetrodesucessoserocara/agarotamaispopulardafesta,grandepartedo
queacontecernasuavidaestaráforadoseucontrole.Afinal,vocênãosabequem
mais comparecerá à festa e provavelmente não vai conhecer metade dos
convidados.Alémdomais,nãoéumvalor/parâmetroquesebaseienarealidade:
vocêpodesesentirpopularounão,masnaverdadenãotemcomosaberoqueos
outrosachamdevocê.(Observação:emgeral,aspessoasquemorremdemedo
daopinião alheia têmmedoédequepensemomesmoque elaspensamde si
mesmas.)
Alguns exemplos de valores bons e saudáveis: honestidade,
autoaprimoramento,humildade,autoconsciência,autodefesa,defesadosoutros,
autorrespeito,interessepelonovo,altruísmo,humildade,criatividade.
Algunsexemplosdevaloresruinsenãosaudáveis:alcançaropoderatravésde
manipulação ou violência, fazer sexo indiscriminado, sentir-se bem o tempo
todo,sersempreocentrodasatenções,nãoficarsozinho,seramadoportodos,
serricosópelariqueza,sacrificarpequenosanimaisaosdeusespagãos.
Reparequeosvaloresbonsesaudáveissãoalcançados internamente.Coisas
comocriatividadeouhumildadepodemaconteceragoramesmo.Bastaorientar
suamente nesse sentido. São valores imediatos, controláveis e capazes de nos
envolvercomomundocomoeleé,nãocomoqueremosqueseja.
Valores ruins geralmente dependem de eventos externos: voar de jatinho
particular,ouvirquevocêestá certoo tempo todo, terumacasanasBahamas,
comerumdelicioso cannoliduranteomelhor sexoda suavida.Valores ruins,
mesmoqueàsvezessejamdivertidosouprazerosos,estãoforadoseucontrolee
muitasvezessósãoalcançadospormeiossocialmentenocivosousupersticiosos.
TodomundoadorariacomerumbomcannoliouterumacasanasBahamas,
masvaloresrepresentamprioridades,essaéaquestão.Quaissãoosvaloresque
vocêpriorizaacimadetudoeque,portanto,influenciamsuasdecisões?
OvalormaisimportanteparaHirooOnodaeraatotallealdadeeprontidãoao
impériojaponês.Essevalor,casovocênãotenhaconcluídoaolersobreele,era
piorque sushipodre.Criouproblemas terríveis
,paraOnoda, como ficarpreso
emuma ilha remota, se alimentandode insetos e larvaspor trinta anos.Ah, e
tambémfezOnodasesentirobrigadoaassassinarcivisinocentes.Então,apesar
deseconsiderarumsucessoedecorresponderàprópriamedida,achoquetodos
concordamos que a vida de Onoda foi uma porcaria— ninguém trocaria de
lugarcomeleemsãconsciência,nemaprovariaseusatos.
DaveMustaineconseguiufamaeglóriaemesmoassimsesentiaumfracasso.
Isso porque adotou um valor muito ruim, com base em uma comparação
arbitrária com o sucesso dos outros. Esse valor gerou necessidades terríveis,
como“Euprecisovendercentoecinquentamilhõesdediscos,eaívaificartudo
às mil maravilhas” e “Na próxima turnê só faremos shows em estádios
gigantescos”—problemasque ele achavaqueprecisava resolver para ser feliz.
Nãoésurpresaquenãotenhaconseguido.
JáPeteBesttirouumcoelhodacartola.Apesardedeprimidoeabaladoaoser
expulso dos Beatles, com o passar dos anos ele aprendeu a reformular suas
prioridades, concentrando-senoque realmente importava, e a avaliar sua vida
sobumanovaperspectiva.Petesetornouumsenhorfelizesaudável,comuma
vida tranquila e uma grande família — coisas que, ironicamente, os quatro
Beatlespassariamdécadastentandoalcançaroumanter.
Quando nutrimos valores ruins, ou seja, padrões baixos estabelecidos para
nós eparaosoutros,nos importamos comcoisasquenãomerecematenção e
que no fundo tornam nossa vida pior. Quando escolhemos valores melhores,
direcionamosnossofocoparaopositivo:paraaquiloquerealmenteimporta,que
nosproporcionabem-estar,felicidade,prazeresucesso.
Tudoissoé,emsuma,aessênciado“autoaperfeiçoamento”:priorizarvalores
melhores é escolher se importar com coisasmelhores. Essas coisas nos trazem
problemasmelhores,e,comeles,avidaémelhor.
O restante deste livro é dedicado a cinco valores inusitados que acredito
seremosmaisbenéficosaseadotar.Todosseguema“leidoesforço invertido”
sobreaqualjáfalamos,nosentidodequesãovalores“negativos”.Todosexigem
quevocêenfrenteosproblemasmaisprofundosemvezdeevitá-losrecorrendoa
euforias. São cinco valores pouco convencionais e desconfortáveis, mas que
podemmudarvidas.
O primeiro, que analisaremos no próximo capítulo, é radical: assumir a
responsabilidadeportudoqueacontecenasuavida,nãoimportadequemsejaa
culpa.Osegundoéa incerteza:o reconhecimentoda ignorânciaeocultivoda
dúvida constante em relação às próprias crenças. O terceiro é o fracasso: a
disposição adescobrir suas falhas e erros, paraquepossam sermelhorados.O
quartoéarejeição:acapacidadededizereouvirnão,definindoclaramenteoque
aceitarourejeitar.Ovalorfinaléacontemplaçãodaprópriamortalidade—este
écrucial,porquesemanteratentoàprópriamortetalvezsejaaúnicamaneirade
mantertodososoutrosvaloresemperspectiva.
5
Vocêestásemprefazendoescolhas
Imagine que alguém coloque uma arma na sua cabeça e ameacematar você e
todaasuafamíliasevocênãocorrerquarentaedoisquilômetrosemmenosde
cincohoras.
Seriaterrível.
Agoraimaginequevocêtenhacompradoroupasesportivaseumbomtênis,
treinado religiosamente por meses e completado sua primeira maratona,
encontrandonalinhadechegadaparenteseamigostorcendoporvocê.
Poderiaserumdosseusgrandesmomentos,odemaiororgulhodasuavida.
Exatamente osmesmos quarenta e dois quilômetros. Exatamente amesma
pessoa correndo essa distância. Exatamente amesmador, nasmesmas pernas.
Masquandovocêescolhedeterminadodesafioporlivreeespontâneavontadee
se prepara para isso, o evento se torna ummarco glorioso na sua vida. Se é
forçado,noentanto,podeserumadasexperiênciasmaisapavorantesedolorosas
imagináveis.
Muitasvezes,aúnicadiferençaentreumeventodolorosoeumpoderosoéa
sensação de que escolhemos passar por aquilo, de que somos responsáveis pelo
nossodestino.
Sevocêestáinfeliznasituaçãoatual,éprovávelquetenhaasensaçãodequeo
problema está, ao menos em parte, fora de controle— de que você não tem
comoresolvê-lo,dequeaquilolhefoiimposto,sempossibilidadedeescolha.
Quando acreditamos ter escolhido nossos problemas, nos sentimos
empoderados.Oopostoacontecequandoachamosqueelesnosforamimpostos:
nossentimosvitimadoseinfelizes.
Aescolha
WilliamJamestinhaproblemas.Problemassérios.
Embora pertencesse a uma família rica e importante, desde o nascimento
William enfrentava complicações de saúde que ameaçavam sua sobrevivência:
umproblemaoftalmológicoqueodeixoutemporariamentecegonainfância;um
terrívelmal digestivo que lhe causava vômitos constantes e o forçou a adotar
uma dieta absurdamente específica; deficiências auditivas; espasmos tão
violentos nas costas que passava dias sem conseguir se levantar oumesmo se
sentar.
Emvirtudedasaúdefrágil,WilliamJamespassavaamaiorpartedotempoem
casa.Quasenãotinhaamigosesesaíamalnaescola.Passavaosdiaspintando.A
arte era a única atividade que lhe agradava e também a única em que se
consideravabom.
Infelizmente, só ele achava isso. Ninguém comprava seu trabalho, mesmo
quandoWilliamjáchegaraàidadeadulta.Comopassardosanos,seupai(um
empresáriorico)começouaridicularizá-lopelapreguiçaeafaltadehabilidades.
Enquanto isso, o irmão mais novo, Henry James, se tornou um escritor
reconhecido mundialmente; a irmã, Alice James, também construiu uma boa
carreiracomoescritora.Williameraoesquisitãodafamília,aovelhanegra.
Numa tentativa desesperada de salvar o futuro do jovem, o pai deWilliam
acionou seus contatos para conseguir uma vaga na faculdade de medicina de
Harvard.Erasuaúltimachance,alertouopai.Seeleestragassetudo,nãohaveria
maisesperança.
Mas William nunca se sentiu em casa nem em paz na Universidade de
Harvard.Amedicinanãooatraía.Passavaotempotodosesentindoumafraude.
Afinal,senãoconseguiasuperarosprópriosproblemasdesaúde,comopoderia
esperarterenergiaparaajudarnasaúdealheia?Certodia,depoisdevisitaruma
unidade psiquiátrica, William escreveu em seu diário que sentia ter mais em
comumcomospacientesdoquecomosmédicos.
Algunsanosdepois,novamenteparaadecepçãodopai,Williamabandonoua
faculdade.Mas,emvezdelidarcomopesodairapaterna,decidiufugir:juntou-
seaumaexpediçãoantropológicaparaaAmazônia.
Isso foi na década de 1860, quando a viagem transcontinental era difícil e
perigosa. Se você jogou Oregon Trail no computador quando era criança,
imagineacoisamaisoumenosdaquelejeito,comdisenteria,boisseafogandoe
tudoomais.
Bem, apesar de tudo, William chegou à Amazônia, onde começaria a
verdadeiraaventura.Porincrívelquepareça,suasaúdefrágilsuportouotrajeto,
mas,logonoprimeirodiadaexpedição,Williamcontraiuvaríolaequasemorreu
alimesmo,nafloresta.
Foi quando os espasmos nas costas retornaram, tão dolorosos que o
impediam de andar.Ou seja: estavamagro e desnutrido por causa da varíola,
imobilizadopeloproblemanascostaseabandonadoemplenaflorestatropical(o
restantedaexpediçãoseguirasemele),semtercomovoltar(eleprovavelmente
nãoresistiriaàjornadademesesnaqueleestado).
James acabou dando um jeito de voltar para a Nova Inglaterra, onde foi
recebidoporumpaidecepcionado(maisdoqueantes).Aessaaltura,jánãoera
maistãojovem—tinhaquasetrintaanos
,—,aindaestavadesempregado,tinha
fracassado em tudo que tentara realizar e estava preso a um corpo pouco
confiável que não tinha muitas chances de melhorar. Apesar das vantagens e
oportunidades que tivera na vida, tudo dera errado. As únicas constantes
pareciam ser o sofrimento e a decepção. William James caiu em depressão
profundaecomeçouapensaremsuicídio.
Certanoite,enquantoliaumtextodofilósofoCharlesPeirce,Williamdecidiu
fazer um pequeno experimento. No diário, escreveu que passaria um ano
acreditando ser cem por cento responsável por tudo que ocorria em sua vida,
fosseoque fosse.Durante esseperíodo, ele faria tudoque estivesse ao alcance
paramudarsuasituação,mesmoqueaschancesdedarcertoparecessemnulas.
Senadamelhorassenaquele ano, ficaria claroque ele realmente era impotente
diantedascircunstânciasdavida,e,diantedisso,WilliamJamessemataria.
O resultado?William James se tornouo pai da psicologia norte-americana.
Suaobrafoitraduzidaparaumacacetadadeidiomas,eeleéconsideradoumdos
intelectuais/filósofos/psicólogosmaisinfluentesdesuageração.Posteriormente,
ele se tornou professor deHarvard e cruzou EstadosUnidos e Europa dando
palestras. Casou-se e teve cinco filhos (um dos quais, Henry, foi um famoso
biógrafo e ganhou o Prêmio Pulitzer). William James chegou a se referir ao
pequenoexperimentocomoseu“renascimento”,acausadetudoqueconquistara
navida.
Existe uma percepção simples que permite todo tipo de melhora e
crescimento pessoal: a de que nós, individualmente, somos responsáveis por
nossavidacomoumtodo,sejamquaisforemascircunstânciasexternas.
Nemsempredáparacontrolaroqueacontececonosco,massemprepodemos
definirnossainterpretaçãodosacontecimentosenossareaçãoaeles.
Tendoounãoessaconsciência,sempresomosresponsáveispelocaminhoque
tomamos. É impossível não ser. Não interpretar conscientemente os
acontecimentosjáéumainterpretação.Nãoreagiraosacontecimentosjáéuma
reação.Mesmo que você seja atropelado por uma carrocinha de pipoca e um
monte de crianças ria da sua cara, ainda é sua responsabilidade interpretar o
significadodissoeescolhercomoreagir.
Gostemos disso ou não, estamos sempre assumindo um papel ativo no que
acontece conosco e dentro de nós. Estamos sempre atribuindo significados a
momentos e eventos. Sempre escolhemos ou reafirmamos os valores que
norteiamnossosatoseosparâmetrossegundoosquaisavaliamostudoquenos
acontece. Muitas das circunstâncias dependem unicamente do parâmetro de
avaliação,nãosendointrinsecamenteboasouruins.
Aquestãoé:estamosescolhendosempre,demodoconscienteounão.Sempre.
Issotemíntimarelaçãocomofatodequeéimpossívelnãoseimportarcom
coisa alguma. Mesmo. Não se importar com nada ainda é se importar com
algumacoisa.
Aperguntaquenoscabefazeré:euescolhomeimportarcomoquê?Escolho
basearminhasaçõesemquaisvalores?Escolhoavaliarminhavidasegundoquais
parâmetros? E será que escolhi parâmetros bons? Bons parâmetros e bons
valores?
Afaláciadaresponsabilidade/culpa
Anosatrás,quandoeuerabemmaisjovemebemmaisidiota,publiqueiumpost
nomeublogqueseencerravamaisoumenosassim:“Écomodisseumgrande
filósofo: ‘Com grandes poderes, vêm grandes responsabilidades.’” Achei que
soavalegal,marcante.Emboraeunãoconseguisselembrarquemeraoautorda
fraseeminhapesquisanoGoogletivessesidoinfrutífera,posteimesmoassim.A
fraseeraperfeitaparaopost.
Uns dez minutos depois chegou o primeiro comentário: “Acho que esse
grandefilósofoéotioBen,doHomem-Aranha.”
Comodisseoutrograndefilósofo:Putz!
“Com grandes poderes, vêm grandes responsabilidades.” São as últimas
palavrasdetioBen, logoantesdemorrerpelasmãosdeumbandidoquePeter
Parkerdeixaescapar.Benmorre,caídonomeiodaruacheiadegentepassando
praláepracá,semamenorrazãodeser.Ben,ograndefilósofo.
Todomundojáouviuessafrase.Elaémuitorepetida—emgeralcomironia,
depoisdeumassetecervejas.Umadaquelascitaçõesperfeitasqueparecemuito
inteligente,masquebasicamentesóestádizendoalgoquevocêjásabe,mesmo
quenuncatenhapensadonoassunto.
“Comgrandespoderes,vêmgrandesresponsabilidades.”
É verdade.Mas existe uma versãomelhor dessa frase, uma que é realmente
profunda.Bastatrocarossubstantivosdelugar:comgrandesresponsabilidades,
vêmgrandespoderes.
À medida que assumimos a responsabilidade por nossa vida, mais poder
adquirimosparamudá-la.Assim,aceitar-seresponsáveléoprimeiropassopara
resolverseusproblemas.
Um conhecido meu estava convencido de que não arranjava namorada
porque era baixo demais. O cara era culto, interessante e bonito— um bom
partido, em teoria —, mas estava resolutamente convencido de que era
desprezadopelasmulheresporsermuitopequeno.
E como ele se julgava baixo demais, não saíamuito. Nas poucas vezes que
criavacoragemeconversavacomalguém,ficavaatentoaosmenoresindíciosde
rejeiçãoasuaaparênciafísicaedepoisseconvenciadequeamulheremquestão
nãotinhagostadodele.Comoédeseimaginar,avidaamorosadocaraeraum
marasmo.
O que esse sujeito não percebia era que ele tinha escolhido o valor que o
prejudicava: a altura. Na cabeça dele, ser alto era imprescindível para
impressionarasmulheres.Nãotinhajeito:eleestavaferrado.
O valor que ele escolheu lhe tirava o poder e o colocava numa situação
péssima:nãoseraltoosuficientenummundofeito(navisãodele)parapessoas
altas. Ele poderia ter adotado valores muito melhores para guiar sua vida
amorosa.“Sóvousaircommulheresquegostemdemimcomoeusou”seriaum
bompontodepartida,poissebaseiaemvalorescomohonestidadeeaceitação.
Mas ele preferiu outro caminho. Provavelmente nem percebia que estava
escolhendo um valor (não sabia sequer que podia escolher). Mesmo sem
perceber,eleeraresponsávelpelosprópriosproblemas.
Mesmoassim, continuava a reclamar: “Mas eunão tenhoescolha”,dizia ao
barman.“Nãotemnadaqueeupossafazer!Asmulheressãosuperficiais,nunca
vãogostardemim!”Sim, seumcaradepensamento limitado,mergulhadona
autopiedadeequeagedeacordocomvaloresdemerdasofrerejeição,éculpade
todasasmulheres.Óbvio.
Muitagentehesitaemassumiraresponsabilidadeporseusproblemasporque
acreditaqueserresponsávelporelesésertambémculpado.
Em nossa cultura, responsabilidade e culpa costumam caminhar juntas,
emboranãosejamsinônimos.Seeubatonoseucarro,nãosótenhoculpacomo
soulegalmenteresponsávelporcompensá-lodealgumaforma.Nãoimportase
foiumacidente;continuosendoresponsávelpelasconsequências.Éassimquea
culpafuncionahojeemdia:fezmerda,entãoconserta.Eéassimquedeveser.
Ao mesmo tempo, existem problemas que são de nossa responsabilidade
mesmoqueaculpanãosejanossa.
Porexemplo:umdiavocêacordaeencontraumbebêrecém-nascidonasua
porta.Nãoéculpasuaqueeletenhasidocolocadoali,masobebêpassaaserde
suaresponsabilidade.Vocêprecisa escolheroque fazer, equalquer escolhaque
fizer(adotarobebê,selivrardele,ignorá-lo,mandá-lopegarumtáxiparacasa)
vaigerarproblemas—pelosquaisvocêtambémseráresponsável.
Osjuízesnãoescolhemoquejulgar.Quandoumcasovaiaotribunal,ojuiz
nãocometeuocrime,nãootestemunhounemfoivítima,maséresponsávelpelo
crime.Essejuizprecisaescolherasconsequênciasdaqueleato;deveidentificar
,positivasefelizesdeautoajudaqueouvimosotempotodo—
naverdadeseconcentramnoquenãotemos.Elesmiramdiretonoquejávemos
comofalhase fracassospessoais, sóparatorná-losaindapioresaosnossosolhos.
Só aprendemos asmelhoresmaneirasde ganhardinheiroporque achamosque
não temos o suficiente. Só paramos diante do espelho e repetimos para nós
mesmosquesomosbonitosporquenãonosachamosbonitos.Sóseguimosdicas
de namoros e relacionamentosporque achamos impossível sermos amados. Só
fazemosexercíciosridículosdevisualizaçãodesucessoporquenãonossentimos
bem-sucedidos.
Ironicamente,essafixaçãonopositivo,noqueémelhorousuperior,sóserve
comoumlembretedoquenãosomos,doquenosfalta,doquejádeveríamoster
conquistadomasnãoconseguimos.Afinaldecontas,nenhumapessoarealmente
felizsentenecessidadedeficarfalandoqueéfelizparasimesmanoespelho.Ela
simplesmenteé.
Háumditadoquediz:“Cãoqueladranãomorde.”Umhomemconfiantenão
precisa provar que é confiante. Uma mulher rica não tem necessidade de
convencerninguémdequeérica.Ouvocêéounãoé.Esevocêpassaotempo
todo sonhando em ser alguma coisa, está inconscientemente reforçando a
mesmarealidade:vocênãoéaquilo.
Todomundo e todos os programasdeTVqueremnos convencer de que a
felicidade depende de um emprego melhor, um carro mais potente, uma
namoradamaisbonita,umaJacuzzi,umapiscinaparaos filhos.Omundonão
cansade indicarumcaminhopara a felicidadeque se resume amais emais e
mais: compre mais, tenha mais, faça mais, transe mais, seja mais. Somos
constantemente bombardeados com a necessidade de ter tudo o tempo todo.
VocêprecisadeumaTVnova.Vocêprecisafazerumaviagemdefériasmelhor
queasdosseuscolegasdetrabalho.Vocêprecisacomprarummóvelsofisticado
parasuasala.Vocêprecisadotipocertodepaudeselfie.
Porquê?Meupalpite:porquecriarnecessidadesébomparaosnegócios.
Nada contra bons negócios, mas ter necessidades demais faz mal para sua
saúde mental. Você acaba se agarrando demais ao que é superficial e falso,
dedicandoavidaàmetadealcançarumamiragemdefelicidadeesatisfação.O
segredoparaumavidamelhornãoéprecisardemaiscoisas;éseimportarcom
menos,eapenascomoqueéverdadeiro,imediatoeimportante.
OCírculoViciosoInfernal
O cérebro humano tem uma peculiaridade traiçoeira que, se não tomarmos
cuidado,podenosenlouquecer.Vejaseistolheéfamiliar:
Você está ansioso porque precisa confrontar alguém. Essa ansiedade o
domina,evocêcomeçaaseperguntarporqueestátãoansioso.Agora,vocêestá
ansiosopormedode ficarmaisansioso.Ah,não!Ansiedadeemdosedupla!Eaí
você fica ansioso coma sua ansiedade, oque causa aindamais ansiedade.Um
uísque,rápido!
Ouentão,digamosqueoproblemasejaaraiva.Vocêse irritacomascoisas
maisidiotasetriviaisenãosabeporquê.Eessatendênciaaseirritartãofácilsó
odeixamais irritado.Eaí,emmeioaessaraivaestúpida,vocêsesentevazioe
cruelporestarsemprezangado,oqueé terrível; tão terrívelquevocê ficacom
raivadesimesmo.Olheoseuestado:vocêseirritaporseirritarcomaprópria
irritação.Quersaber?Voualisocarumaparede.
Ouvocêsepreocupatantoemfazeracoisacertaotempotodoquecomeçaa
sepreocuparcomseuníveldepreocupação.Ouseculpatantoporseuserrosque
começaaficarculpadoporcarregartantaculpa.Ousesentetristeesozinhocom
tantafrequênciaquesódepensarnissoacabatristeesozinhomaisumavez.
Bem-vindoaoCírculoViciosoInfernal.Éprovávelquevocêjátenhapassado
por isso algumas vezes. Talvez esteja nele agora mesmo: “Nossa, eu entro no
CírculoViciosoInfernaltodahora…Soumesmoumimbecil.Precisopararcom
isso.Émuitaimbecilidadeeumesmomeacharimbecil.Tenhoqueparardeme
chamardeimbecil.Ah,droga!Jáestoufazendodenovo!Viu?Souumimbecil!
Argh!”
Calma,amigo.Acrediteounão, isso fazpartedabelezadeserhumano.São
poucos os animais capazes de formar pensamentos lógicos, e nós, humanos,
temoso luxo adicional de conseguir pensar sobrenossospensamentos.Assim,
possopensaremassistiraunsvídeosdaMileyCyrusnoYouTubeelogodepois
pensar que sou um pervertido por querer assistir a vídeos daMiley Cyrus no
YouTube.Ah,omilagredaconsciência!
Oproblemaéoseguinte:asociedadeatual,atravésdasmaravilhasdacultura
do consumo e do exibicionismo de vidas incríveis nas redes sociais, produziu
umageraçãointeiraqueenxergaessessentimentosnegativos(ansiedade,medo,
culpa etc.) comoproblemas.Vejabem,quandovocê abreoFacebook, vê todo
mundochafurdandoemfelicidadeaténãopodermais.Caramba,oitopessoasse
casaram essa semana! E uma garota de dezesseis anos ganhou uma Ferrari de
aniversárionumprogramadeTV.Eummolequeacaboudefaturardoisbilhões
de dólares por ter inventado um aplicativo que resolve imediatamente o
problemaquandoopapelhigiênicoacaba.
Evocêemcasacoçandoosaco.Éinevitávelpensarquesuavidaéaindapior
doqueimaginava.
O Círculo Vicioso Infernal é praticamente uma epidemia, deixando muita
genteestressada,neuróticaeodiandoasimesma.
Nostemposdosnossosavós,quandoficavamnamerda,aspessoaspensavam:
“Puxa,estoumesentindoococôdocavalodobandido.Bom,éavida!Vouvoltar
paraaminhalavoura.”
E hoje? Hoje em dia, se você fica namerda por cincominutos que seja, é
bombardeado com trezentas e cinquenta imagens de gente absurdamente feliz
com uma vida maravilhosa da porra, e é impossível não sentir que tem algo
erradocomvocê.
Essaúltimaparteéafontedoproblema.Ficamosmalporestarmosmal;nos
culpamos por nos culparmos. Ficamos irritados com nossa irritação; ansiosos
comnossaansiedade.Qualéomeuproblema?
Daí a importânciade ligaro foda-se.É issoquevainos salvar,nos fazendo
aceitarqueomundoéumadoideiraequetudobem,porquesemprefoiassime
sempreserá.
Quando você está pouco se fodendo para seumal-estar, você faz oCírculo
ViciosoInfernalentraremcurto-circuito.“Euestounapior,masedaí?”Então,
comosefossesalpicadoporumpómágicodedesprendimento,vocêparadese
odiarporsesentirtãomal.
GeorgeOrwelldissequeenxergaroqueestádiantedonarizexigeumesforço
constante. Bom, a solução para o estresse e a ansiedade é óbvia, e não
percebemosporqueestamosocupadosvendopornôepropagandasdeaparelhos
para abdominais que não funcionam enquanto nos perguntamos por que não
temosumtanquinhoenãotransamoscommulhereslindas.
Na internet, fazemospiadassobreosproblemasdomundomoderno,masa
verdadeéquenos tornamosvítimasdonossopróprioprivilégio.Problemasde
saúde decorrentes de estresse, transtornos de ansiedade e casos de depressão
dispararamnosúltimos trintaanos,apesarde todomundoterumaTVde tela
plana e pedir comida em casa. Nossa crise não é mais material; é existencial,
espiritual.Temos tanta tralhae tantasoportunidadesquenemsabemosmaiso
querealmenteimporta.
Porqueagora,aomesmotempoquetemosinfinitosmeiosdevereaprender
coisas novas, temos também infinitos meios de descobrir que não estamos à
alturadasexpectativas,quenãosomosbonsosuficiente,quenossasituaçãonão
étãosatisfatóriaquantopoderiaser.Eissonoscorróipordentro.
Porquetemalgomuitoerradocomtodaessaladainhade“comoserfeliz”que
jáfoicompartilhadaumasoitomilhõesdevezesnoFacebooknosúltimosanos.
Oqueninguémvêemtodaessababaquiceé:
Odesejodetermais
,o
parâmetroapropriadoparaavaliá-loegarantirqueaavaliaçãosejaconsistente.
Otempotodosomosresponsabilizadosporatosdosquaisnãotemosculpa.É
avida.
Eisumaformasimplesdediferenciarmaisclaramenteosdoisconceitos:culpa
é passado, responsabilidade é presente. A culpa aponta para escolhas já feitas,
enquanto a responsabilidade aponta para escolhas sendo feitas agora, a cada
segundodecadadia.Vocêestáescolhendoleristo.Estáescolhendopensarsobre
os conceitos. Está escolhendo adotá-los ou não. Pode ser culpaminha se você
acharessasideiasridículas,masvocêéresponsávelpelassuasconclusões.Nãoé
culpasuaeuterescolhidoescreverestafrase,mascabeavocêaresponsabilidade
porescolherlê-la(ounão).
Existeumadiferençaentreculparalguémpelasuasituaçãoeessealguémser
realmenteresponsávelporaquilo.Ninguémalémdevocêéresponsávelpelasua
situação.Muitagentepodeserculpadapelasuainfelicidade,masninguémalém
devocêseráresponsávelporisso.Évocêquemescolhecomoveroquevive,como
reagiraosacontecimentoseavaliá-los.Ésemprevocêquemescolheoparâmetro
aseguiraoavaliarsuasexperiênciasdevida.
Minhaprimeiranamoradamedeuumpénabundaespetacular:elaestavame
traindo com um professor. Foi incrível. E por incrível quero dizer que senti
como se estivesse levandounsduzentos e cinquenta e três socosno estômago.
Resolvi confrontá-la, mas isso só piorou tudo, porque ela imediatamente me
trocoupeloprofessor.Trêsanosderelacionamentoforampeloralo,assim,sem
maisnemmenos.
Passeimesesinfeliz,naturalmente,earesponsabilizeiporminhainfelicidade.
O que não me levou muito longe. Pelo contrário: só me deixou ainda mais
infeliz.
Porque eu não tinha controle sobre ela, sabe? Pormais que eu telefonasse,
gritasse, implorasse para voltar, aparecesse de surpresa na casa dela e fizesse
outras coisas típicas de ex-namorados irracionais, eu jamais conseguiria
controlar as emoções e atitudes dela. No fim das contas, ainda queminha ex
fosse culpada por eume sentir um lixo, ela nunca foi responsável por isso. O
responsáveleraeu.
Em certo ponto, depois de lágrimas e álcool suficientes, meu raciocínio
começouamudareentendique,emboraelativessefeitoalgohorrívelcomigoe
fosse culpadapor isso, agora era responsabilidademinha ser felizdenovo.Ela
nuncaiavoltareconsertarminhavida.Issocaberiaamim.
Algumas coisas aconteceram a partir do momento em que adotei esse
pensamento.Primeiro,comeceiamelhorar.Volteiamalhareatercontatocom
osamigos(queeuvinhanegligenciando).Tenteiconhecergentenova.Fizuma
longaviagemaoexterioremeengajei em trabalhovoluntário.Aospoucos, fui
mesentindomelhor.
Euaindameressentiapeloqueminhaextinhafeito,maspelomenosestava
assumindoa responsabilidadepelasminhas emoções. Isto é, estava escolhendo
valoresmelhores— com o propósito deme cuidar e de aprender ame sentir
melhorcomigomesmo,nãoapenasdeconsertaroqueelatinhaestragado.
(Aliás, essa baboseira de “considerá-la responsável pelas minhas emoções”
devetersidopartedoquea levouame largar.Daquiaalgunscapítulos falarei
maissobreisso.)
Cercadeumanodepois,começouaacontecerumacoisaengraçada.Quando
eu relembrava nosso relacionamento, notava problemas que nunca tinha
percebido, problemas que eram culpa minha, que eu poderia ter resolvido.
Percebi que talvez eu não tivesse sido um namoradomuito sensacional e que
ninguém trai o outro do nada, que para isso é preciso estar infeliz por algum
motivo.
Não estou dizendo que isso redime minha ex. Nem pensar. É só que
reconhecermeus errosme ajudou a perceber que talvez eu não fosse a vítima
inocente que acreditava ser; desempenhei um papel ao permitir que um
relacionamentoproblemáticodurassetantotempo.Afinal,casaisgeralmentetêm
valores parecidos. E, se namorei alguém com valores deturpados por tanto
tempo,oqueissodiziasobremimemeusvalores?Aprendidopiorjeitopossível
queseaspessoascomquemvocêserelacionasãoegoístaseprejudicamoutras
pessoas,éprovávelquevocêtambémsejaassim,mesmoquenãosaibadisso.
Aoavaliaropassado,visinaisdealertanapersonalidadedaminhaex,sinais
que na época escolhi ignorar ou deixar pra lá. E isso foi culpaminha. Percebi
também que eu não tinha sido oMelhor Namorado doMundo. Na verdade,
muitas vezes eu era frio e arrogante com ela; outras vezes, não a valorizava, a
ignoravaeamagoava.Essasfalhastambémforamculpaminha.
Meus erros justificaram o dela? Não. No entanto, mesmo assim assumi a
responsabilidade de nunca mais cometê-los e de nunca mais negligenciar os
mesmos sinais. Tudo isso na esperança de nunca mais sofrer as mesmas
consequências. Assumi a responsabilidade de me esforçar para tornar meus
futuros relacionamentos românticosmuitomelhores. E fico feliz em informar
queconsegui.Nuncamaisfuitraído,nuncamaisleveiosduzentosecinquentae
três socosnoestômago.Assumia responsabilidadepelosmeusproblemaseos
mantive emmente para melhorar nesses aspectos. Assumi a responsabilidade
pelomeupapelnaquelerelacionamentoebusqueimelhorarnosposteriores.
E, quer saber? Esse pé na bunda, embora tenha sido uma das experiências
mais dolorosas pela qual passei, foi também uma das mais importantes e
impactantesdaminhavida.Achoqueinspiroumuitocrescimentopessoal.Esse
únicoproblemameensinoumaisdoquemuitasvitórias.
Todomundoadoraassumiraresponsabilidadepor tudodebome felizque
acontece. Muitas vezes tem até briga por esse crédito. No entanto, assumir a
responsabilidadepelosnossosproblemasémuitomaisimportante,porqueédaí
quevemoverdadeiroaprendizado.Édaíquevemoprogresso.Culparosoutros
éapenasescolhersofrer.
Reagindoàtragédia
E quanto aos eventos realmente trágicos? Muita gente pode assumir a
responsabilidade por problemas relacionados ao trabalho e talvez por ver TV
demaisquandodeveriaestarbrincandocomos filhosousendoprodutiva,mas
quando o assunto são tragédias, a reação automática é puxar a cordinha de
emergência no trem da responsabilidade e saltar logo que ele para. Algumas
coisassãosimplesmentedolorosasdemaisparaassumir.
Maspensecomigo:agravidadedoeventonãoalteraarealidadedosfatos.Por
exemplo, se você for assaltado, é claro que não é culpa sua. Ninguém jamais
escolheriapassarporisso.Porém,assimcomonahipótesedobebêdeixadoàsua
porta, você passa a ser responsável por uma situação de vida oumorte. Você
revida?Entraempânico?Ficaparalisado?Avisaàpolícia?Tentaesquecerefingir
que nunca aconteceu? Todas essas possibilidades de reações são escolhas que
vocêéresponsávelporfazerourejeitar.Vocênãoescolheuoassalto,masmesmo
assimlhecabegeriroimpactoemocionalepsicológicodaexperiência(etomar
asdevidasprovidênciaslegais).
Em2008,oTalibãassumiuocontroledoValedoSwat,umaparteremotado
nordestedoPaquistão,ondelogoimplementaramseuextremismomuçulmano.
Chega de televisão. Chega de filmes. Chega de mulheres saindo de casa sem
acompanhante.Chegademeninasnaescola.
Em 2009, uma paquistanesa de onze anos chamada Malala Yousafzai
começou a se manifestar contra a proibição de estudar. Ela continuou a
frequentaraescola local,arriscandotantoaprópriavidaquantoadopai,além
departicipardeconferênciasemcidadespróximas.“ComooTalibãse
,atrevea
tirarmeudireitoàeducação?”,escreveuelaemumapublicaçãoon-line.
Em2012,aoscatorzeanos,Malalalevouumtironorostoquandovoltavada
escola.Umsoldadotalibãmascaradoentrounoônibusarmadocomumriflee
perguntou: “Quem é Malala? Digam ou atiro em todo mundo.” Malala se
identificou(umaescolhaincrívelporsisó),eohomematirounacabeçadelana
frentedetodosospassageiros.
Malalaentrouemcomaequasemorreu.OTalibãafirmoupublicamenteque,
sesobrevivesse,seriamorta,juntocomopai.
Ameninasobreviveu.Hojeautoradeumbest-seller,Malalaaindafalasobrea
violência e a opressão contra mulheres em países muçulmanos. Em 2014,
recebeuoPrêmioNobeldaPazporseusesforços.Parecequeotironorostosó
lhe deu uma audiênciamaior emais coragem que antes. Teria sido fácil para
Malala se acomodar e dizer: “Não posso fazer nada”, ou “Não tenho escolha”.
Isso,ironicamente,tambémteriasidoumaescolha.Maselaoptoupelooposto.
Algunsanosatrás,escrevialgumasdasideiasquecontonestecapítulonomeu
blog, e um homem deixou um comentário. Ele disse que eu era vazio e
superficial,acrescentandoqueeunãotinharealcompreensãodosproblemasda
vida ou da responsabilidade humana. Disse que tinha perdido um filho havia
pouco,numacidentedecarro.Emeacusoudenãosaberoqueeraaverdadeira
dor, me rotulando de idiota por sugerir que ele era responsável pela dor de
perderumfilho.
Estavanacaraqueaquelehomemtinhapassadoporumadormuitomaiordo
queamaioriadaspessoasenfrentanavida.Elenãoescolheuamortedo filho,
nãotinhaculpaportaldesgraça.Aresponsabilidadedelidarcomaperdalhefoi
imposta,emborafosseclaraecompreensivelmenteindesejável.Eapesardetudo
issoeleera,sim,responsávelpelasprópriasemoções,crençaseações.Areação
queapresentoudiantedamortedofilhofoiumaescolhadele.Asdores,detodos
os tipos, são inevitáveis,maspodemosescolheroqueelas significamparanós.
Alegarquenão tinhaescolhaeque sóqueriao filhodevoltaé,por si só,uma
escolha:umaentreasmuitasformaspossíveisdelidarcomessetipodedor.
É claro que eu não disse nada disso a ele. Estava ocupado demais ficando
horrorizado e pensando que talvez eu realmente não tivesse autoridade nem
conhecimento para tal discurso. É um dos riscos desse tipo de trabalho. Um
problemaqueeuescolhi,eumqueeraminharesponsabilidaderesolver.
Noinício,eumesentimuitomal.Depoisdealgunsminutos,comeceiaficar
zangado.Asobjeçõesdeletinhampoucoavercomoqueeuestavadizendo,me
tranquilizei.Alémdomais,comoassim?Nãoéporquenãoperdiumfilhoqueeu
tambémnãotenhasofridomuitonessavida.
Então,useimeupróprioconselho:escolhiqualseriameuproblema.Eupodia
ficar bravo com aquele homeme discutir com ele, tentar comparar a dor dele
comasminhas,masissosónostornariaidiotaseinsensíveis.Oupodiaescolher
um problemamelhor: praticar a paciência, ser mais compreensivo commeus
leitoreseteraquelehomememmentesemprequeescrevessesobredoretrauma
apartirdeentão.Efoioquetenteifazer.
Respondiapenasquesentiamuitopelaperdadele.Oquemaiseupodiadizer?
Agenéticaaleatória
Em2013,aBBCreuniumeiadúziadeadolescentescomTranstornoObsessivo-
Compulsivo (TOC) e os acompanhou durante terapias intensivas que os
ajudariam a superar seus pensamentos indesejáveis e comportamentos
repetitivos.
Entre eles estava Imogen, uma garota de dezessete anos que tinha uma
necessidadecompulsivadetocartodasassuperfíciespelasquaispassava.Senão
fizesse isso, era dominada por pensamentos horríveis sobre a morte de sua
família. Havia também Josh, que precisava fazer tudo com os dois lados do
corpo:apertaramãodeumapessoacomamãodireitaeaesquerda,comercom
ambasasmãos,passarporumaportacomosdoispéseassimpordiante.Senão
“igualasse”os lados,elesofriagravesataquesdepânico. Já Jacktinhaaclássica
fobiadegermes,por issose recusavaa sairdecasasem luvas, ferviaáguapara
beberesenegavaacomerqualquercoisaquenãotivessesidolavadaepreparada
porelemesmo.
OTOCéumtranstornomental,quepodesercontrolado.E,comoveremos,
essecontroleseresumeaequilibrarosvaloresdoindivíduodiagnosticado.
Aprimeiracoisaqueospsiquiatrasdesseprojetofazemédizeraosjovensque
eles devem aceitar as imperfeições de seus desejos compulsivos. Por exemplo,
quando Imogen tem pensamentos horríveis sobre a morte dos familiares, ela
deveaceitarqueelespodemdefatoviramorrerequenãohánadaqueelapossa
fazerparaimpedirisso.Ouseja,Imogenéinformadadequeosacontecimentos
não são culpa sua. Josh é convencido a aceitar que, a longoprazo, “equalizar”
todososseuscomportamentosparatorná-lossimétricosprejudicasuavidamais
doqueosocasionaisataquesdepânico.EJackélembradoque,pormaisquese
esforce,osgermessempreestãopresentesesemprepodeminfectá-lo.
O objetivo é fazer esses jovens reconhecerem que seus valores não são
racionais — que, na verdade, sequer são valores deles, e sim advindos do
transtorno—eque,aosegui-los,estãoprejudicandoaprópriavida.
O passo seguinte é encorajar esses adolescentes a escolher um valor mais
importantequeoimpostopelotranstornoe,então,seconcentrarnele.ParaJosh,
isso se dá através da possibilidade de não precisar esconder seu distúrbio dos
amigosefamiliaresotempotodo,daperspectivadeterumavidasocialnormale
funcional.ParaImogen,éa ideiadeassumirocontroledeseuspensamentose
sentimentosevoltaraserfeliz.E,paraJack,éacapacidadedeficarlongedecasa
porlongosperíodossemsofrerepisódiostraumáticos.
Com esses novos valores em mente, os adolescentes começam exercícios
intensivos de dessensibilização que os obrigam a colocá-los em prática.
Acontecem ataques de pânico; lágrimas rolam; Jack soca vários objetos e
imediatamenteemseguidalavaasmãos.Mas,nofinaldodocumentário,grandes
progressosficamclaros.Imogennãoprecisamaistocartodasassuperfíciesque
vê.Eladiz:“Aindahámonstrosnofundodaminhamente,eprovavelmenteeles
sempre estarão lá, só que agora estão se acalmando.” Josh consegue passar
períodosdevinteecincoatrintaminutossem“igualar”osmovimentosdosdois
ladosdocorpo.EJack,quetalveztenhatidoamelhoramaisvisível,consegueira
restaurantes e beber de garrafas e copos sem lavá-los. Jack resume bem o que
aprendeu:“Eunãoescolhiestavida;nãoescolhiestadoençapéssima,estacoisa
horrível.Masposso escolher comoconviver comela; eupreciso escolher como
convivercomela.”
Muitasdaspessoasquenascemcomumproblemaespecífico,sejaTOC,baixa
estaturaououtracoisacompletamentediferente,achamqueestãoperdendoalgo
muito valioso. Sentem que não há nada que possam fazer, então evitam a
responsabilidade pela situação. Elas concluem: “Eu não escolhi essa genética
horrível,entãonãoéminhaculpaascoisasdaremerrado.”
Eéverdade:aculpanãoédelas.
Masaresponsabilidade,sim.
Na época da faculdade, eu tinha uma fantasiameio delirante deme tornar
jogadorprofissionaldepôquer.Ganheidinheiroe tudoomais, e foidivertido,
mas depois de quase um ano jogando a sério, desisti. Passar a noite inteira
acordadoolhandoparaumateladecomputador,ganhandomilharesdedólares
emumdiaeperdendoamaiorpartenodiaseguintenãoeraestilodevidapara
mim.Alémdisso,nãoeraomeiomaissaudávelouemocionalmenteestávelde
ganharavida.
,Por incrível que pareça, no entanto, o tempo que passei jogando pôquer
influenciouprofundamentemeujeitodeveravida.
A beleza do pôquer é que, embora a sorte esteja sempre envolvida, ela não
determina os resultados a longo prazo. Uma pessoa pode receber uma mão
horrívelevenceralguémcomumamãosensacional.Apessoaquerecebeboas
cartastemumaprobabilidademaiordeganhar,éclaro,mas,nofinaldascontas,
o vencedor é determinadopelas— sim, você adivinhou— escolhas que faz ao
longodojogo.
Eu vejo a vida damesma forma. Todos nós recebemos cartas aleatórias no
iníciodojogo,alguns,cartasmelhores.E,emborasejafácilnosfixarnoqueestá
na mão e sentir que nos ferramos, na verdade o jogo está nas escolhas que
fazemoscomessascartas,nosriscosquedecidimoscorrerenasconsequências
comasquaisescolhemosviver.Quem,demaneiraconsistente, fazasmelhores
escolhasdiantedassituaçõesqueseapresentamacabaganhandonopôquer,ena
vida.Nãonecessariamentequemtemasmelhorescartas.
Algumas pessoas sofrem psicológica e emocionalmente por causa de
deficiênciasneurológicase/ougenéticas.Masissonãomudanada.Elasherdaram
cartasruins,éclaro,masnãotêmculpa.Assimcomoocarabaixinhoquequeria
umanamorada não é culpado por ser baixo, nem a pessoa que foi assaltada é
culpada por ter seus pertences roubados, mas todos têm responsabilidade. Se
escolhemprocurar tratamentopsiquiátrico, fazer terapiaounão fazernada,no
final das contas a escolha também é deles. Há quem tenha tido uma infância
ruim.Háosqueforammaltratados,violentadosedestruídosfísica,emocionalou
financeiramente. Eles não são culpados por seus problemas e obstáculos, mas
mesmoassim são responsáveis— sempre responsáveis—por seguir em frente
apesardasdificuldadesefazerasmelhoresescolhasquepuderem,sejaqualfora
situação.
E,sejamossinceros:sejuntássemostodasaspessoasquetêmalgumdistúrbio
psiquiátrico, que lutam contra a depressão ou pensamentos suicidas, que
sofreram negligência ou abuso, que lidaram com tragédias ou amorte de um
ente querido ou que sobreviveram a graves problemas de saúde, acidentes ou
traumas…Sereuníssemostodasessaspessoas eascolocássemosnamesmasala,
provavelmenteteríamosquereunirtodaahumanidade,porqueninguémsaida
vidaincólume.
Algumas pessoas têm problemas piores que amaioria, é claro. Algumas se
tornamvítimasdosincidentesmaisterríveis.Pormaisqueissonosentristeçae
perturbe,éprecisolembrarque,nofinaldascontas,nãomudanadaemrelaçãoà
equaçãoderesponsabilidadesobrenossasituaçãoindividual.
Injustiçachique
Afaláciadaresponsabilidade/culpapermitequeaspessoastransfiramaterceiros
a responsabilidade pelos próprios problemas. Essa capacidade de aliviar a
responsabilidade através da culpa confere uma euforia temporária e um
sentimentoderetidãomoral.
Infelizmente,umdosefeitoscolateraisda internetedas redes sociais foi ter
tornadomaisfácildoquenuncaempurrararesponsabilidade—atémesmodas
infraçõesmaisínfimas—paraoutrogrupooupessoa.Naverdade,essetipode
jogo público de culpa/vergonha se tornou popular; em certos grupos, é até
atrativo, admirável. Nas redes sociais, o compartilhamento público de
“injustiças” atraimuitomais atenção e reações emocionais que amaioria dos
outros eventos, recompensando com uma quantidade crescente de atenção e
simpatiagratuitaaquelesquesesentemperpetuamentevitimados.
A“injustiçachique”estánamodaemtodososcantosdasociedadehojeem
dia,entrericosepobres.Naverdade,estapodeseraprimeiraveznahistóriada
humanidade em que todos os grupos demográficos se sentem injustamente
vitimadosaomesmotempo.Etodosaproveitamaeuforiadaindignaçãomoral
quevemjunto.
Nestemomento,qualquerumquesesintaofendidocomqualquercoisa—seja
ofatodequeumlivrosobreracismoentrounocurrículodeumafaculdade,que
árvores de Natal foram banidas do shopping local ou que os impostos sobre
fundosdeinvestimentotiveramumaumentode0,5%—achaqueestásofrendo
algum tipo de opressão e que, portanto, merece se sentir ultrajado e receber
determinadaquantidadedeatenção.
O atual ambiente da mídia tanto encoraja quanto perpetua essas reações,
porque,nofinaldascontas,dálucro.OescritorecomentaristaRyanHolidayse
refere a isso como “pornografia do ultraje”: em vez de reportar histórias e
problemas reais, a mídia acha muito mais fácil (e lucrativo) encontrar algo
levementeofensivo,transmitirocasoparaumaamplaaudiência,criarasensação
de ultraje e depois transmiti-la de um jeito que também cause ultraje a outra
parceladapopulação.Issodesencadeiaumecodeasneirasquericocheteiaentre
dois lados imaginários e aomesmo tempodistraidos verdadeirosproblemas e
injustiçasdasociedade.Nãoédeseestranharqueestejamosmaispoliticamente
polarizadosdoquenunca.
Omaiorproblemadainjustiçachiqueédesviaraatençãodasvítimasreais.É
comoumaoverdosedealarmismo.Quantomaisgente seautoproclamavítima
depequenasinfrações,maisdifíciléenxergarquemrealmentesofre.
Aspessoasseviciamemsesentirconstantementeofendidasporqueissolhes
trazeuforia:serhipócritaemoralmentesuperiorprovocabem-estar.Comodisse
ocartunistapolíticoTimKreider,emumeditorialdoTheNewYorkTimes: “O
ultrajeécomováriasoutrascoisasagradáveisquecomotemponosdevoramde
dentro para fora. E é ainda mais insidioso que a maioria dos vícios, porque
sequeroreconhecemosconscientementecomoumprazer.”
Partedoônusdeviver emuma sociedade livre edemocrática é termosque
lidarcomopiniõesepessoasdequenãonecessariamentegostamos.Éopreçoa
sepagar.Podemosatédizerqueéoobjetivodosistema.Masparecequecadavez
maisgenteestáesquecendoisso.
Devemos escolher nossas batalhas com cuidado, aomesmo tempo em que
tentamos simpatizar um pouco com o suposto inimigo. Devemos encarar as
notícias e a mídia com uma dose saudável de ceticismo e evitar ideias
preconcebidassobreosquenãoconcordamconosco.Devemospriorizarvalores
comohonestidade, fomentoà transparência e à aceitaçãodadúvidaemvezda
necessidadedeestarsemprecerto,desesentirbemesevingar.Ostrêsprimeiros
valoressão“democráticos”emaisdifíceisdemanteremmeioaoruídoconstante
de um mundo conectado, mas nem por isso devemos negligenciar nossa
responsabilidadedecultivá-los.Aestabilidadedosistemapolíticotalvezdependa
disso.
Nãoexistecaminho
Muitaspessoaspodemlertudoissoedizer:“Ok,mascomo?Euentendoqueos
meus valores são uma porcaria, que evito a responsabilidade pelos meus
problemas e que sou ummerdinha arrogante que acha que omundo gira em
tornodemim e de todas as inconveniências que passo,mas qual é o caminho
paramudar?”
Ecomorespostaeudigo,fazendominhamelhorimitaçãodeYoda:“Mude,ou
nãomude;nãoexistecaminho.”
Nós jáescolhemos, a cadamomentode cadadia, as coisas comasquaisnos
importamos. Então, para mudar, basta escolher nos importarmos com outras
coisas.
Ésimplesassim.Sóquenãoéfácil.
Nãoéfácilporquenocomeçovocêvaisesentirumfracassado,umafraude,
um idiota. Vai ficar nervoso. Vai surtar. Talvez se irrite com sua esposa, seus
amigosouseupai.Alterarseusvaloreseascoisasqueconsideraimportantestraz
essetipodeefeitoscolaterais,quesãoinevitáveis.
Ésimples,masdificílimo.
Vamosanalisaralgunsdessesefeitoscolaterais.
,Vocêvaisesentirinseguro,eu
garanto.“Devomesmodesistirdisso?Seráqueéocertoafazer?”Abrirmãode
umvalornoqualvocê se apoiouduranteanoscausarádesorientação, comose
vocênãosoubessemaisdiferenciarocertodoerrado.Édifícil,masénormal.
Em seguida, vai se sentir um fracassado. Tendo passadometade da vida se
avaliando através do valor antigo, aomudar suas prioridades emedidas, você
nãovai se reconhecer.Serácomo jogar foraalgonoqualvocêconfiava, e isso,
invariavelmente, trará um sentimento de fraude ou desvalorização. Esse
desconfortotambéménormal.
E, semdúvida, você vai enfrentar rejeições.Muitos dos relacionamentos da
suavidaforamconstruídosemtornodosvaloresescrotosquevocêtinha,então,
nomomentoemqueabremãodeles—nomomentoemquedecidequeestudar
é mais importante que se divertir; que se casar e ter uma família é mais
importante do que fazer sexo sem compromisso; que ter um trabalho no qual
vocêacreditaémais importantedoquesimplesmenteganhardinheiro—,essa
reviravoltareverberaemseusrelacionamentos.Muitosdelesacabamexplodindo
bemnasuacara.Issotambéménormal.Etambémvaiserdesconfortável.
Sãoefeitoscolateraisnecessários,emboradolorosos,deescolherse importar
com outras coisas, coisas muito mais importantes e dignas da sua energia. À
medida que for reavaliando seus valores, você enfrentará resistência interna e
externa.E,sobretudo,vaisesentirinseguroeseperguntarseoqueestáfazendoé
errado.
Comoveremos,issoébom.
6
Vocêestáerradoemtudo(eutambém)
Quinhentosanosatrás,oscartógrafosacreditavamqueaCalifórniaeraumailha.
Médicos acreditavam que abrir um corte no braço de uma pessoa (ou fazê-la
sangrarporqualquerpartedocorpo)curavadoenças.Cientistasacreditavamque
o fogoera feitodealgochamado flogisto.Asmulheresacreditavamquepassar
urina de cachorro no rosto amenizava os sinais de envelhecimento. Os
astrônomosacreditavamqueoSolgiravaemtornodaTerra.
Quandoerapequeno,achavaque“medíocre”eraumtipode legumequeeu
não queria comer. Achava que meu irmão tinha encontrado uma passagem
secretanacasadaminhaavóporqueeleconseguiairparaoquintalsemsairdo
banheiro (alerta de spoiler: era uma janela). Por algum motivo qualquer eu
também achava que, quandomeu amigo ia com a família para “Washington,
D.C.”,elestinhamconseguidovoltarnotempoparaaépocadosdinossauros.
Naadolescência,eudiziaparatodomundoquenãomeimportavacomnada,
quando na verdade me importava demais; outras pessoas governavam meu
mundo semque eu soubesse.Eu achavaque a felicidade eradeterminadapelo
destino e não pelas minhas escolhas. Achava que o amor era algo que
simplesmente acontecia, quenão exigia esforço e empenho.Eu achavaque ser
“descolado”eraalgoaseraprendidocomosoutrosequeexigiaprática,nãoque
eraumconceitocriadopornósmesmos.
Penseiqueficariaparasemprecomaminhaprimeiranamorada.Quandoesse
relacionamento acabou, achei que nunca mais amaria outra mulher. Então,
quando amei outra mulher, achei que só amor às vezes não é suficiente. Foi
quandopercebiquecadaindivíduodecideoqueé“suficiente”equeoamorpode
seroquepermitimosqueseja.
Emtodosessesmomentoseuestavaerrado.Emtodososaspectos.Passeiboa
partedavidaequivocadoemrelaçãoamimmesmo,aosoutros, à sociedade, à
cultura,aomundo,aouniverso—atudo.
Eesperocontinuarassimatémorrer.
AssimcomooMarkdeHojepodeolharparatrásevercadadefeitoeerrodo
MarkdoPassado,umdiaoMarkdoFuturovaiolharparaasideiasdoMarkde
Hoje(incluindoestelivro)eperceberfalhassemelhantes.Evaiserbom.Porque
vaiindicarquecresci.
Segundodizem,MichaelJordancertavezafirmouquefalhoumuitasvezese
queporissochegoulá.Bem,eusempreestouerradoemrelaçãoatudo,eépor
issoqueminhavidaestáemconstantemelhora.
Crescimento pessoal é um processo infinitamente repetitivo. Quando
aprendemos algo novo, não passamos de “errados” a “certos”— passamos de
“errados” a “umpoucomenos errados”.Equando aprendemos algo adicional,
passamosdeumpoucomenoserradosaumpoucomenoserradosdoqueantes
e, em seguida, a menos errados ainda, e assim por diante. Aproximar-se da
verdadeedaperfeiçãonãolevaàverdadenemàperfeição.
Nãodevemosprocurararesposta“certa”,esimtentareliminarnossoserros
dehojeparaestarmosumpoucomenoserradosamanhã.
Vistodessaperspectiva,oamadurecimentoéumprocessobastantecientífico.
Nossosvalores sãonossashipóteses: esse comportamentoébome importante;
aqueleoutro,não.Nossasaçõessãoasexperiências;asemoçõesresultanteseos
padrõesderaciocíniosãoosdadosdisponíveis.
Não há dogma correto nem ideologia perfeita. Existe apenas o que sua
experiênciademonstrousercertoparavocê—mesmoassim,provavelmenteessa
experiência também está meio errada. Uma vez que você, eu e todo mundo
temos necessidades, histórias pessoais e situações de vida diferentes,
inevitavelmentechegamosarespostas“corretas”diferentessobreosignificadoda
vidaesobrecomodevemosviver.Minharespostacorretaenvolveviajarsozinho
poranosafio,moraremlugaresobscuroserirdosmeuspeidos.Pelomenosera
essa a resposta correta até pouco tempo atrás. Certamente ela vai mudar e
evoluir, porque eu mudo e evoluo; e, conforme avanço em idade e em
experiência,voureduzindomeuserroseficandocadavezmenoserradotodosos
dias.
Tantagenteficaobcecadaporestar“certa”arespeitodavidaqueacabanão
vivendo.
Umamulherésolteiraesesentesó.Querumparceiro,masnuncasaidecasa
nemfaznadaparamudaressequadro.Umhomemtrabalhacomoloucoeacha
quemereceumapromoção,masnuncadizissoexplicitamenteaochefe.
Osoutrosdizemqueambostememofracasso,arejeição,ouvirumnão.
Não é essa a questão. A rejeição dói, ok. Fracassar é umamerda.Mas nos
apegamos commais força a algumas certezas— certezas que temosmedo de
questionarouabandonar, valoresquederamsignificadoanossavida ao longo
dosanos.Amulhernão saiparaconhecerparceirosempotencialporque seria
obrigada a confrontar as crenças que nutre sobre a própria capacidade de
atração. O homem não pede uma promoção porque teria que confrontar as
crençasquenutresobreasprópriashabilidades.
Émaisfácilperpetuaracertezadolorosadequeninguémachavocêatraente
oudequeninguémreconheceseustalentosdoquepôrissoàprovaedescobrirse
condizcomarealidade.
Crençasdessetipo—“Nãosoubonita,entãoporquemedaraotrabalho?”ou
“Meuchefeéumbabaca,entãoporquemedaraotrabalho?”—sãofeitaspara
nosproporcionarconforto imediato,hipotecandouma felicidadeeumsucesso
maioresparaofuturo.Sãopéssimasestratégiasalongoprazo,masmesmoassim
nosapegamosaelasporpresumirmosque sejamcorretas,porpresumirmos já
saberoquevirá.Emoutraspalavras,presumimossaberofimdahistória.
Acertezaéainimigadocrescimento.Nadaécertoatéacontecer—emesmo
assimnãodeixadeserquestionável.Daíanecessidadedeaceitarasimperfeições
inevitáveis dos nossos valores, pois sem isso não conseguimos crescimento
algum.
Em vez de lutar por uma vida cheia de certezas, devemos sempre buscar a
dúvida,sejaemrelaçãoanossascrenças,anossossentimentosouemrelaçãoao
queofuturonosreservasenãometermosacaraefizermosacontecer.Emvezde
tentarmosestarcertosotempotodo,quetalenxergarooposto?Quetalaceitar
queestamoserrados
,otempotodo?Porqueestamosmesmo.
Essa compreensão nos abre possibilidades de mudanças. Equívocos trazem
oportunidadesdecrescimento.Ouseja:nãovamosmaisabrirumcortenobraço
para curar um resfriado nem espirrar urina de cachorro no rosto para nos
sentirmosmaisjovens.Assimsaberemosque“medíocre”nãoéumlegumeenão
teremosmedodenosimportarmoscomoqueconsideramosvalioso.
Porqueeisalgoestranho,masverdadeiro:nãosabemosadiferençaentreuma
experiência positiva e uma negativa. Alguns dos momentos mais difíceis e
estressantes da nossa vida acabam sendo tambémos quemais nosmotivam e
auxiliam em nossa formação. Algumas das melhores e mais gratificantes
experiênciassãotambémasquemaisnosdistraemedesmotivam.Nãoconfiena
suaconcepçãodeexperiênciaspositivasounegativas.Sósabemosoquedóieo
quenãonomomento,eissonãovalemuito.
Assim como ficamos horrorizados ao imaginar como as pessoas viviam
quinhentosanosatrás,imaginoquedaquiaquinhentosanosmuitosrirãodenós
e das certezas que temoshoje.Vão rir por deixarmos o dinheiro e o emprego
definiremnossavida;vãorirdonossomedodedemonstrarapreçopelaspessoas
quemais importamenquantoendeusamosfiguraspúblicasquenadamerecem;
vão rir dos nossos rituais e superstições, das nossas preocupações e nossas
guerras. Ficarão perplexas com nossa crueldade. Estudarão nossa arte e
debaterão nossa história. Entenderão verdades sobre nós que ainda não
enxergamos.
Essaspessoasdofuturotambémestarãoerradas,massóumpoucomenosdo
queestamoshoje.
Arquitetosdenossasprópriascrenças
Façaaseguinteexperiência:pegueumapessoaqualquereacoloquenumasala
comalgunsbotõesparaapertar.Digaqueseelafizeralgoespecífico—alguma
açãoque ela precisarádescobrir—,uma luz vai se acender, indicandoque ela
ganhouumponto.Oobjetivo é somar omáximode pontos possível emmeia
hora.
Quandoumgrupodepsicólogosfezesseteste,aconteceuoqueseesperava.
As pessoas se sentavam e começavam a apertar botões ao acaso até a luz se
acender,indicandoquetinhamganhadoumponto.Éclaroquedepoisdissoelas
tentamrepetiraquelaação,sóquealuznãoseacendemais.Então,começama
tentarcombinações:apertarestebotãotrêsvezes,depoisaquelebotãoumavez,
depois esperar cinco segundos e… Tcharam! Mais um ponto. Até que, em
seguida,issotambémdeixadefuncionar.Talveznãotenhanadaavercombotões,
elaspensam.Talveztenhaavercomaminhaposiçãonacadeira.Ouoqueestou
tocando. Talvez tenha a ver commeus pés.Plim!Mais um ponto. Sim, talvez
sejamospésedepoisapertaroutrobotão.Plim!
Geralmente, cada pessoa leva de dez a quinze minutos para descobrir a
sequênciaespecíficadeaçõesparaobtermaispontos.Costumaseralgoestranho,
comoficarnumpésóouapertarumalongasequênciadebotõesporumtempo
específico,comocorpovoltadoparadeterminadadireção.
Sabe o que é mais engraçado? É tudo aleatório. Não existe sequência, não
existerelaçãocomoqueapessoafaz.Ésóumaluzqueseacendeeumapito.Eas
pessoas ficam ali na sala dando piruetas e achando que aquilo está valendo
algumacoisa.
Deixando de lado o sadismo da situação, o propósito do experimento é
mostrarcomoamentehumanaérápidaemcriareacreditaremummontede
bobagens irreais. E, ao que parece, também somos muito bons nisso. Cada
participantedo experimento saíada sala convencidodequehavia entendido a
lógica por trás daquilo e ganhado o jogo. Todos acreditavam ter descoberto a
sequência “perfeita” de botões. Só que os métodos criados eram tão únicos
quanto os indivíduos colocados à prova.Umhomem inventouuma sequência
enormedeacionamentodosbotõesquesófaziasentidoparaele.Umajovemse
convenceu de que uma das ações necessárias era bater no teto determinado
númerodevezes;saiudasalaesgotadadetantopular.
Nosso cérebro éumamáquinade gerar significado.Oque entendemospor
“significado”sãoassociaçõesmentaisentredoisoumaiseventos.Seapertamos
umbotãoevemosumaluzseacender,concluímosqueobotãofoiacausaealuz,
a consequência. Em essência, significado é isso. Botão, luz; luz, botão. Vemos
uma cadeira, notamos que é cinza. Nosso cérebro estabelece uma associação
entre a cor (cinza) e o objeto (cadeira) e elabora um significado: “A cadeira é
cinza.”
Nossamenteestásempreematividade,gerandomaisemaisassociaçõespara
nosajudaraentenderecontrolaroambientequenoscerca.Tudoquevivemos,
sejainternaouexternamente,geranovasassociaçõeseconexõesmentais.Tudo:
desde as palavras nesta página, passando pelos conceitos gramaticais que você
usaparaentenderasfrases,atéasdivagaçõesemquesuamenteseperdequando
meu texto ficachatoourepetitivo—cadaumdessespensamentos, impulsose
percepçõesécompostodemilharesdeconexõesneurológicasque,disparadasao
mesmo tempo, iluminam sua mente com um clarão de conhecimento e
compreensão.
Sótemdoisproblemas.Primeiro,océrebroéimperfeito.Confundimosoque
vemoseouvimos,esquecemosfatosefazemosinterpretaçõesincorretas.
Segundo, o cérebro tende a se apegar aos significados que criamos. Somos
tendenciososemrelaçãoaoqueassimilamose relutamosemnosdesapegardo
que nossa mente criou. Mesmo quando temos evidências que contradizem o
significadoestabelecido,preferimosignorá-lasemanternossacrença.
ComodisseocomedianteEmoPhilipscertavez:“Euachavaqueocérebroera
o órgão mais maravilhoso do meu corpo. Depois, percebi quem estava me
dizendo isso.” A triste verdade é que a maior parte do que “sabemos” e
acreditamos éprodutodas inexatidões e tendências inatasdesseórgão.Muitos
dosnossosvalores,amaioriadeles,sãoprodutodeeventosquenãorepresentam
omundocomoumtodooudeumpassadototalmentedeturpadopelamemória.
Oresultado?Grandepartedasnossascrençasé incorreta.Ou,parasermais
exato,todassão—algumasapenassãomenosqueoutras.Amentehumanaéum
amontoado de inexatidões. E, apesar de isso ser um conceito desconfortável,
aceitá-loémuitoimportante,comoveremos.
Cuidadocomsuascrenças
Em1988,duranteumasessãodeterapia,ajornalistaeescritoraMeredithMaran
teve uma revelação alarmante: na infância, ela fora abusada sexualmente pelo
próprio pai.O surgimento dessa lembrança reprimida, à qualMeredith vivera
alheiaatéentão,foiumchoqueparaela.Aostrintaeseteanos,elaconfrontouo
paiecontouàfamíliaoquehaviaacontecido.
A família inteira ficou horrorizada. O pai não hesitou em negar
categoricamente.AlgunsparentesficaramdoladodeMeredith;outros,dolado
dopai.Aárvoregenealógicarachouaomeio.Eadorquehaviamuitodefiniao
relacionamentodeMeredithcomopaicomeçouaseespalharcomobolorpelos
familiares.Arevelaçãodevastouatodos.
Em1996,Meredith teveoutrapercepçãochocante:opainão tinhaabusado
dela. (Pois é. Foi mal aí.) Meredith tinha inventado a lembrança, com a
contribuição do profissional de psicologia, ainda que bem-intencionado.
Consumidapelaculpa,elapassouanostentandosereconciliarcomopaiecom
outros membros da família, vivendo entre constantes pedidos de desculpas e
explicações,atéamortedele.Maseratardedemais.Afamílianuncamaisfoia
mesma.
Meredithnãoestásozinha.Comoconstaemsuaautobiografia,MyLie:ATrue
StoryofFalseMemory,osanos1980testemunharamdiversoscasosdemulheres
que acusaram parentes de abuso sexual e se retrataram tempos depois.
,Na
mesmaépoca,muitaspessoastambémalegavamsaberdecultossatânicosemque
seabusavadecrianças,mas,apesardeinvestigaçõesemváriascidades,apolícia
nunca encontrou evidências das práticas doidas que eram descritas pelos
acusadores. Por que de repente o pessoal cismou de inventar lembranças
horríveisdeabusoseseitas?Eporquenosanos1980?
Jábrincoude telefonesemfioquandoeracriança?Éaquelabrincadeiraem
queumapessoadizumacoisanoouvidodaoutra,depoisa frasevaipassando
porumasdez atéque aúltimaouveuma frasequenão temnada a ver coma
original.Émaisoumenosassimquenossamemóriafunciona.
Uma coisa acontece.Dias depois, nos lembramos da situação com algumas
inexatidões, como se nos tivesse sido sussurrada e mal compreendida. Se
contamosaalguémsobreoqueaconteceu,precisamospreencheraslacunasno
roteirocomnovoselementos,paraquetudofaçasentidoeninguémachequea
gente é louco. Então, começamos a acreditar na versão corrigida, e na vez
seguintequecontamosoqueaconteceu,reproduzimosnossasinvenções.Sóque,
por não corresponderem à realidade, contamos as coisas de um jeito meio
incorreto.Umanodepois,bêbados,recontamosahistóriaeamodificamosum
poucomais—ok, sejamos honestos: inventamos completamente cerca de um
terçodahistória.Nasemanaseguinte,sóbrios,nãoqueremosadmitiramentirae
porissomantemosaversãorevisadaeexpandidapeloálcool.Cincoanosdepois,
nossa história — foi exatamente assim que aconteceu, juro por Deus e pela
minhamãemortinha—é,nomáximo,cinquentaporcentoverdadeira.
Todomundo faz isso. Eu faço.Você faz. Pormais honestos e corretos que
sejamos, estamos sempre sujeitos a enganar a nósmesmos e a outros, porque
nossocérebroéprogramadoparasereficiente,nãofiel.
Nãosónossamemóriaéumadroga—apontodetestemunhosocularesnão
serem necessariamente levados a sério em um julgamento —, como nosso
cérebrotemumfuncionamentonadaimparcial.
Como?Bem,eleestásempretentandoanalisarnossasituaçãoatualcombase
noque jáacreditamose jávivemos.Toda informaçãonovaéavaliadasegundo
padrõeseconclusõesprévios.Oresultadoéumcérebrosempretendenciosoem
relaçãoaoque consideramos ser verdadeemdeterminadomomento. Se temos
um relacionamento maravilhoso com nossa irmã, por exemplo, vamos
interpretaramaiorpartedaslembrançascomelasobumaperspectivapositiva.
Quando o relacionamento azeda, é comum começarmos a ver as mesmas
lembrançassobnovaótica,reimaginando-asdeformaaexplicaraatualraivaque
sentimos.AquelepresentelindoqueelanosdeunoNatalassumeconotaçõesde
condescendência.Aquelavezemquenãofomosconvidadosparaacasadepraia
passadeerroinofensivoparatremendanegligência.
Ahistória falsadeMeredith fazmuitomais sentidoquandoentendemosos
valores que guiavam sua mente naquele momento. Em primeiro lugar, o
relacionamentoentreelaeopaisemprefoitenso.Segundo,elativeraumasérie
derelacionamentosamorososcomplicados,incluindoumcasamentodesfeito.
Assim,jádesaída,“relacionamentosíntimoscomhomens”nãoeramamaior
maravilhaparaMeredith,emtermosdevalores.
Nocomeçodosanos1980,namesmaépocaemquedescobriuofeminismo,
Meredith começou a pesquisar sobre abuso infantil. Todo dia era confrontada
comhistóriasemaishistóriasterríveisdeabusoeporanostrabalhounoapoioa
vítimas de incesto, geralmente meninas pequenas. Também escreveu muito
sobre vários estudos que foram publicados na época— estudos que, como se
descobriumais tarde,superestimavamemmuitoa incidênciademolestamento
infantil.(Omaisfamosodelesafirmavaqueumterçodasmulheresadultastinha
sidomolestadanainfância,númerodesmentidoposteriormente.)
Paracoroar,Meredithseapaixonouporumamulhersobreviventedeincesto.
O relacionamento evoluiu para uma codependência tóxica, em que Meredith
continuamentetentava“salvar”anamoradadopassadotraumáticoeaoutra,por
sua vez, o explorava como arma emocional para ganhar o afeto deMeredith.
(Falarei mais sobre isso e sobre limites no capítulo 8.) Enquanto isso, o
relacionamentodeMeredithcomopaipiorava(elenãoviadeformarespeitosao
relacionamento homossexual da filha), e ela fazia terapia com uma frequência
quaseobsessiva.Ospsicólogos,cujaatuação talvez fosseumtanto influenciada
pelosprópriosvaloresecrenças,insistiamnaideiadequenãopodiaserapenaso
trabalhoestressanteeosrelacionamentosnãosaudáveisquedeixavamMeredith
tãoinfeliz.Sópodiaseralgomais,algomaisprofundo.
Nessaépoca,umanovaformadetratamento,chamadaterapiadememórias
reprimidas, estava se popularizando. A abordagem consistia em colocar o
paciente num estado de transe, durante o qual era encorajado a desencavar e
reviver lembranças esquecidas da infância. Geralmente eram lembranças boas,
masaideiaeraacessartambémaomenosalgunstraumas.
EntãoaliestavaapobreMeredith,infeliz,lidandocomincestoeabusoinfantil
todo santo dia, sentindo raiva do pai, tendo tolerado uma vida inteira de
relacionamentosfracassadoscomhomens,eaúnicapessoaquepareciaentendê-
la e amá-la era outramulher, que realmente sofrera tal trauma. Ah, isso sem
contar as lágrimas diárias que derramava no divã de uma pessoa que exigia o
tempo todo que ela se lembrasse de algo novo que não lhe vinha de jeito
nenhum.Então,voilà,eisareceitaperfeitaparaalembrançadeumabusosexual
quenuncaaconteceu.
Quandonossamenteprocessaasexperiências,aprioridadeéinterpretá-lasde
forma que sejam coerentes com acontecimentos anteriores, assim como
sentimentosecrençasjáconhecidos,mascomfrequênciapassamosporsituações
sem correlação entre passado e presente. Em tais ocasiões, o que se passa no
momento seperdediantede tudoque tomamos comoverdadeiro e razoável a
respeito do passado. Em nome da coerência, nossa mente pode inventar
lembranças. Ao relacionar as experiências presentes com aquele passado
relembrado,conseguimosmanterosignificadoquejáestabelecemos.
Como já notamos antes, a história de Meredith não é única. Muito pelo
contrário:nosanos1980ecomeçodosanos1990,centenasdepessoasinocentes
foram acusadas injustamente de violência sexual sob circunstâncias parecidas.
Muitasforampresasporisso.
Paraaquelesinsatisfeitoscomavida,essasexplicaçõessugestivas,combinadas
com a mídia sensacionalista — havia uma epidemia real de abusos sexuais e
violência ritualística se desenrolando, e qualquer pessoa podia ser vítima —,
davamao inconscienteumincentivoparaexagerar ligeiramenteas lembranças.
Esse mecanismo fundamentaria o sofrimento do indivíduo, colocando-o no
papel de vítima e isentando-o da responsabilidade. A terapia de memórias
reprimidasagiacomoummeiodeextrairessesdesejosinconscientesemoldá-los
naformadelembrançasaparentementetangíveis.
Esse processo, e o estado de espírito resultante, se tornou tão comum que
ganhou nome: síndrome da falsa memória, e gerou mudanças nos tribunais.
Milhares de terapeutas que utilizavam esse método foram processados e
perderamalicençadetrabalho.Aterapiadamemóriareprimidafoisubstituída
pormétodosmaiscomprovados.Pesquisasrecentessóreforçamadolorosalição
daquela época: nossas crenças são maleáveis e nossa memória é bem pouco
confiável.
Clichês desagradáveis como “confiar em si mesmo” e “seguir seu coração”
estãoportodaparte.Talvezomelhorsejaconfiar
,menosemsimesmo.Afinal,se
nosso coração enossamente são tão falhos, precisamosquestionaraindamais
nossas intenções emotivações. Se está todomundo errado o tempo todo, não
seriamo ceticismo e a rigorosa objeção a nossas crenças e suposições o único
caminhológicoparaoamadurecimento?
Seiqueaideiapodeparecerassustadoraeautodestrutiva,masnaverdadeéo
contrário:nãosóémaisseguracomoélibertadora.
Osperigosdacertezaabsoluta
Erinestásentadadiantedemimàmesadorestaurantejaponêsetentaexplicar
porquenãoacreditanamorte.Jáestamosaquiháquasetrêshoras.Elacomeu
exatamentequatrorolinhosdepepinoebebeu, sozinha,umagarrafa inteirade
saquê(jáestánametadedasegunda,naverdade).Sãoquatrohorasdatardede
umaterça-feira.
Eunãoaconvidei.Elamecaçoupelainternetepegouumaviãoparavirme
encontrar.
Denovo.
Nãoéaprimeiravez.Erinestáconvencidadequepodeevitaramorte,mas
tambémdequeprecisadaminhaajudaparaisso.Sóquenãoestamosfalandode
ajudaprofissional.Seelaprecisasseapenasdoaconselhamentodeumrelações-
públicasoualgoassim,tudobem.Não,émaisdoqueisso:Erinprecisademim
comonamorado. Por quê?Depois de três horas de perguntas e uma garrafa e
meiadesaquê,aindanãoseidizer.
Aliás, minha noiva está aqui com a gente no restaurante. Erin achou
importante que ela fosse incluída na discussão, pois queria dizer que está
“dispostaamedividir”equeminhanamorada(agoraesposa)“nãoprecisavase
sentirameaçada”.
ConheciErinnumsemináriodeautoajuda,em2008.Elaparecialegal.Meio
mística,meioNewAge,haviacursadodireitonuma faculdadeda IvyLeaguee
era inegavelmente inteligente. Ela ria das minhas piadas e me achava fofo—
então,sendoeuquemsou,éclaroquetransamos.
Ummêsdepois,elameconvidouparaatravessaropaísemorarmos juntos.
Issomeassustouumpouco.Tenteiterminar,maselareagiuameaçandosematar
se eu me recusasse a ficar com ela. Ok, dessa vez me assustei muito.
Imediatamenteabloqueeinoe-maileemtodososmeusmeiosdecomunicação.
Conseguicontê-laporumtempo,masnãoconseguidetê-la.
Anosantesdenosconhecermos,Erintinhaquasemorridonumacidentede
carro. Oumelhor, ela de fato “morreu” por alguns instantes, fisiologicamente
falando — toda a sua atividade cerebral cessou —, mas, por algum milagre,
conseguiram revivê-la.Depoisque “voltou”, tudomudou, segundoela.Erin se
tornou uma pessoa muito espiritualizada e mergulhou de cabeça em cura
energética, contato com anjos, consciência universal, tarô. Ela também
acreditavatersetornadoparanormal—capazdecurareverofuturo.E,sabe-se
láporquê,aomeencontrar,chegouàconclusãodequeestávamosdestinadosa
salvaromundojuntos.A“curaramorte”.
Depois que a bloqueei, ela começou a criar novos endereços de e-mail, às
vezes me enviando uma dúzia de mensagens de ódio num único dia. Criou
contas falsas no Facebook e no Twitter, que usava para atormentar a mim e
pessoaspróximasamim.Criouumsiteidênticoaomeueescreveuváriosposts
alegando que eu era seu ex-namorado, que a traíra e mentira para ela, que
prometeramecasarequeestávamosdestinadosaficarjuntos.Quandoentreiem
contatopedindoquetirasseositedoar,Erindissequesófaria issoseeufosse
morarcomelanaCalifórnia.Essaerasuaideiadeacordo.
Ao longo de tudo isso, sua justificativa era amesma: eu estava destinado a
ficarcomela,Deushaviapredeterminadoisso,elaliteralmenteacordavanomeio
da noite com a voz dos anjos dizendo que “nossa relação especial” seria o
prenúnciodeumanovaeradepazpermanentenaTerra(juro).
No dia em que estávamos nesse restaurante japonês, já tínhamos trocado
milharesdee-mails.Seeurespondiaounão,seofaziaemtomrespeitosooucom
raiva, não fazia diferença: a psique de Erin era imune a abalos; suas crenças
nuncasealteravam.Oproblemajáseestendiahaviamaisdeseteanosnaépoca.
E foi assim, naquele pequeno restaurante japonês, com Erin entornando
saquê e tagarelandoporhoras a fio sobre ter curadoaspedrasnos rinsde seu
gato usando energia, que algo me ocorreu: Erin era viciada em
autoaperfeiçoamento. Ela gastava dezenas de milhares de dólares em livros,
seminários e cursos. E a partemais louca de tudo isso é que ela colocava em
prática perfeitamente todas as lições que aprendia. Erin tinha um sonho e
persistia para alcançá-lo; visualizava, agia, tolerava as rejeições e fracassos,
levantava-seetentavadenovo.Eraimplacavelmentepositiva.Tinhaasimesma
emaltaconta.AmulheralegavacurargatoscomoJesuscurouLázaro!
Masos valores dela eram tão escrotos quenadadisso importava.O fatode
fazertudo“certo”nãosignificavaqueelaestivessecerta.
AcertezadeErinserecusavaaceder.Elaatéjámedisseraissocomtodasas
letras:quesabiaquesuafixaçãoeracompletamenteirracionaleinsalubreeque
traziainfelicidadeparanósdois.Sóque,poralgumarazão,aquilolhepareciatão
certoqueelanãoconseguiaesquecernemparar.
Em meados da década de 1990, o psicólogo Roy Baumeister começou a
pesquisaramaldadecomoconceito,analisandopessoasquecometiamatosruins
eporqueosfaziam.
Naépoca,supunha-sequeaspessoasfaziammaldadesporquesesentiammal
consigo mesmas — ou seja, tinham baixa autoestima. Uma das primeiras
descobertas surpreendentes de Baumeister foi que muitas vezes isso não se
aplicava. Em geral, era o contrário. Alguns dos piores criminosos se sentiam
muito bem consigo mesmos, e era essa sensação boa, apesar da realidade ao
redor,quepareciajustificarseusatosdeferiredesrespeitarosoutros.
Para que indivíduos justifiquem os próprios atos terríveis, é preciso que
tenham certeza inabalável de sua retidão, suas crenças e seu merecimento.
Racistas fazemoque fazemporque têm certezade sua superioridade genética.
Fanáticos religiosos dinamitam o próprio corpo e assassinam centenas porque
têm certeza de seu lugar no céu comomártires.Homens estupram e agridem
mulheresporquetêmcertezadeseudireitosobreocorpodelas.
Pessoasmásnuncaacreditamquesãomás;elasacreditamquetodososoutros
sãomaus.
Emexperimentoscontroversos (posteriormentedenominadosExperimentos
Milgram, em homenagem ao psicólogo Stanley Milgram), pessoas “normais”
foramorientadasapunirvoluntáriospordesrespeitaremregras.Foioqueelas
fizeram,chegandoàviolênciafísicaemcertoscasos.Rarasforamasquefizeram
objeção ou pediram explicação. Muitas até pareceram gostar da sensação de
retidãomoralobtidaduranteoprocesso.
O problema é que não apenas a certeza é inatingível, como a busca pela
certezageralmenteampliaeintensificaainsegurança.
Muitagentetemconfiançaplenaemseudesempenhoprofissionalenosalário
quedeveriaganhar,masessacertezafazaspessoassesentirempior,nãomelhor.
Elas veem outros sendo promovidos e se sentem menosprezadas. Julgam-se
desvalorizadasenãoreconhecidas.
Até comportamentos simples, como dar uma olhada no celular do seu
namorado ou perguntar a um amigo o que estão falando sobre você, são
motivadosporumdesejoirresistíveldesegurança.
Vocêpodeolharasmensagensnocelulardoseunamoradoenãoencontrar
nada,masacoisanuncaparaporaí;talvezvocêcomeceaseperguntarseeletem
outroaparelho.Parajustificarterperdidoumapromoçãonotrabalho,vocêpode
concluirquefoipassadoparatrás.Aquestãoéqueissoofazdesconfiardos
,seus
colegaseduvidardetudoquelhedizem(edoquesentemporvocê),oquetorna
sua promoçãomenos provável. Você pode buscar aquela pessoa especial com
quemé“destinado”a ficar,masacadarejeiçãoenoitesolitáriavocêquestiona
maisoqueestáfazendodeerrado.
E é nesses momentos de insegurança, de profundo desespero, que nos
tornamos suscetíveis a uma arrogância insidiosa: acreditar que merecemos
trapacear um pouco para conseguir o que queremos, que as outras pessoas
merecem ser punidas, quemerecemos nos apossar do que desejamos, às vezes
usandodeviolência.
Volta o conceito da lei invertida: quanto mais tentarmos estar certos em
relaçãoaalgumacoisa,maisincertoseinsegurosnossentimos.
Mas o oposto também é verdadeiro: quantomais aceitamos a incerteza e a
ignorância,maisconfortáveisnossentimosemnãosaber.
A incerteza neutraliza os julgamentos que fazemos dos outros; previne os
estereótipos e os preconceitos que surgem quando vemos alguém na TV, no
trabalho ou na rua. Ela também nos livra do autojulgamento. Porque não
sabemos se somos agradáveis aos olhos alheios, se somos atraentes, se temos
potencial para o sucesso. A única maneira de alcançar esses objetivos é
permanecer em dúvida quanto a eles e estar aberto para descobrir a verdade
atravésdaexperiência.
Aincertezaéaraizdetodoprogressoedetodocrescimento.Comodizum
velho ditado, o homem que acha que sabe tudo não aprende nada novo. É
impossívelaprenderalgosenãoapartirdaignorância.Dessemodo,quantomais
admitimosnãosaber,maiscriamosoportunidadesdeaprender.
Nossosvaloressãoimperfeitoseincompletos.Presumiroopostoéomesmo
que vestir uma mentalidade perigosamente dogmática, caindo num
comportamento arrogante e irresponsável.Aúnicamaneirade resolvernossos
problemas é admitir que nossas ações e crenças sempre estiveram erradas e
nuncafuncionam.
Aaberturaparaestarerradoprecisaexistirsevocêquiseralgumamudançaou
crescimentoreal.
Antesdeanalisarmosnossosvaloreseprioridadesafimdetorná-losmelhores
e mais saudáveis, precisamos duvidar dos nossos valores atuais. Devemos,
racionalmente, colocá-los emperspectiva, enxergar as falhas e os preconceitos,
conferir se não se ajustam aos valores do resto do mundo, encarar nossa
ignorânciadefrenteeadmitiraderrota.Aignorânciaémaiordoquetodosnós.
ALeidaEvasãodeManson
Éprovável que você já tenhaouvido falardaLeideParkinson: “O trabalho se
expandedemodoapreencherotempodisponívelparasuaconclusão.”
SemdúvidatambémjáouviuaLeideMurphy:“Tudoquepodedarerradovai
darerrado.”
Bem, da próxima vez que estiver numa festa chique e quiser impressionar,
experimentecitaraLeidaEvasãodeManson:
Quantomaisalgumacoisaameaçasuaidentidade,maisvocêaevitará.
Ouseja:quantomaisalgumacoisaameaçamudaravisãoquevocêtemdesi
mesmo—suaautoavaliaçãodesucessooufracasso,suaautoavaliaçãoemrelação
aosprópriosvalores—,maisvocêevitaráfazê-la.
Há certo conforto em saber como a gente se encaixa nomundo.Qualquer
coisa que abale esse conforto é assustadora, mesmo que tenha o potencial de
melhorarsuavida.
A Lei de Manson se aplica a mudanças boas e mudanças ruins. Ganhar
milhões na loteria pode ameaçar sua identidade tanto quanto cair namiséria;
virar um astro da música pode ameaçar sua identidade tanto quanto ficar
desempregado. É por isso que tanta gente teme o sucesso— exatamente pelo
mesmomotivoquetemeofracasso:porqueameaçaapessoaquepensaser.
Você adia o sonhadoprojeto de aprender a tocar guitarra porquenãoquer
questionarsuaidentidadecomocorretorde imóveis.Vocêevitaconversarcom
seumaridosobresermaisousadanacamaporqueessaconversadesafiariasua
identidadedemulher“defamília”.Vocêevitadizeraoseuamigoquenãoquer
mais sair com ele porque acabar com a amizade entraria em conflito com sua
identidadedepessoaagradávelecompreensiva.
Estes são alguns exemplos de oportunidades importantes ou atitudes
importantesquerejeitamosporqueameaçammudaraformacomonosvemose
nosposicionamosnomundo.Ameaçamos valoresque escolhemosparanossa
vidaequeaprendemosaseguir.
Eutinhaumamigoquesóviviafalandoemcolocarseustrabalhosnainternet
e tentar ganhar a vida como artista profissional (oupelomenos semi). Passou
anos sonhando com isso, economizou dinheiro e até criou algunsmodelos de
sitescomseuportfólio.
Aideianuncaiaemfrente.Haviasemprealgumimpedimento:aresoluçãodo
trabalhonãoeraboaobastante,eletinhaacabadodepintaralgomelhorouainda
nãotinhatempoparasededicarosuficiente.
Anossepassarameelenuncadesistiudoseu“empregodeverdade”.Porquê?
Porqueapesarde sonharemganharavidacomarte, apossibilidade realde se
tornar um Artista De Que Ninguém Gosta era muito mais assustadora que
continuar sendo um Artista Que Ninguém Conhece. Pelo menos ele estava
confortáveleacostumadocomotítulodeArtistaQueNinguémConhece.
Tinhaumoutroamigomeuqueeramuitofesteiro,viviasaindoparabebere
conhecergentenova.Depoisdeanosemeuforia,porém,eleseviuterrivelmente
solitário,deprimidoedoente.Aídecidiumudar seuestilodevida.Falavacom
umainvejaferozdosamigosquetinhamumrelacionamentoestáveleerammais
“sossegados”.Masessecaranuncamudoudecomportamento.Manteveoritmo
por mais anos e anos, insistindo em noites vazias e garrafas após garrafas.
Semprecomalgumadesculpa.Semprecomalguma razãoparanãodiminuiro
ritmo.
Abrirmãodoseuestilodevidaameaçavademaissuaidentidade.Elesósabia
seroFanfarrão.Desistirdaquiloseriacometerumharaquiripsicológico.
Todos temos valores pessoais. Protegemos esses valores. Tentamos viver de
acordocomeles, justificá-losemantê-los.Mesmosemperceber,éassimqueo
cérebrofunciona.Comoobservadoantes,somosinjustamentetendenciososem
relaçãoaoque já sabemos, àsnossas certezas.Seeuacreditarque souumcara
legal,evitareisituaçõesquepossamviracontradizeressacrença.Seacreditarque
sou um ótimo cozinheiro, sempre buscarei oportunidades para provar isso a
mimmesmo. A crença é sempre a prioridade. Até mudarmos a forma como
enxergamosanósmesmos,oqueacreditamosserenãosomos,nãotemoscomo
superaraevasãoeaansiedade.Nãotemoscomomudar.
Nesse sentido, “conhecer a simesmo” ou “se encontrar” pode ser perigoso.
Podeprendervocê aumpapel rígido e colocar expectativasdesnecessáriasnas
suas costas. Pode fechá-lo para seu potencial interno e para oportunidades
externas.
Quersaber?Nãoseencontre.Nuncaconheçaquemvocêé.Porqueéissoque
fazvocêseempenhareviveremestadodeconstantedescoberta.Essaposturavai
forçá-loaserhumildenosjulgamentosenaaceitaçãodasdiferenças.
Semate
Segundo o budismo, a ideia do “eu” não passa de uma construção mental
arbitrária e,por isso, épreciso abandoná-la,porque ela sequer existe. Segundo
essafilosofia,amedidaarbitráriapelaqualnosdefinimosé,naverdade,algoque
nosaprisiona,e,portanto,émelhorabrirmãodela.Emcertosentido,dariapara
dizerqueobudismonosencorajaaligarofoda-se.
Essavisãodáumasensaçãode insegurança,mastrazalgumasvantagensem
termospsicológicos.Quandoabrimosmãodashistóriasquecontamossobrenós
mesmosparanósmesmos,noslibertamosparaagir(efracassar)ecrescer.
Quando alguém admite para si mesmo: “Acho que não tenho talento para
relacionamentos”,
,fica livre para agir e terminar um casamento infeliz. Essa
pessoanãoestaráprotegendosuaidentidadeaomanterumauniãoinsatisfatória
sóparaprovaralgoasimesma.
Quando um estudante admite para si mesmo: “Sabe, talvez eu não seja
rebelde; talvez só esteja commedo”, subitamente se vê livre para voltar a ser
ambicioso.Nãohámotivoparasesentirameaçadoporumpossívelfracassona
buscadeseussonhosacadêmicos.
Quandoocorretorde imóveisadmiteparasimesmo:“Sabe, talveznãohaja
nadadeúnicoouespecialnosmeussonhosounomeuemprego”,eleseliberta
parasematricularnumaaulademúsicaevernoquedá.
Eutenhoumanotíciaboaeumaruimparavocê:seusproblemassãobempouco
originaiseespeciais.Éporissoqueabrirmãodascoisasétãolibertador.
Háumaespéciede egoísmoqueacompanhaomedo, e ele ébaseadonuma
certezairracional.Quandovocêpresumequeseuaviãovaicair,queaideiadoseu
projetoéidiotaequetodomundovairirdelaouquevocêéapessoaquetodos
vãoescolherparazombarou ignorar,está implicitamentedizendoasimesmo:
“Eu sou a exceção; eu sou diferente de todos os outros; eu sou diferente e
especial.”
Issoénarcisismopuroesimples.Vocêsentequeosseusproblemasmerecem
ser tratados de forma diferente, que os seus problemas têm uma característica
únicaquenãoobedeceàsleisdouniverso.
Meuconselhoé:nãosejaespecial;nãosejaúnico.Redefina-sedeacordocom
asmedidasmais comuns e abrangentes.Escolhanão avaliar a simesmo como
umaestrelaemascensãoouumgênioemestadobruto.Escolhanãoavaliarasi
mesmocomoumavítimaouumfracassadoinfeliz.Evejaasimesmosoboviés
deidentidadesmaissimples—aluno,parceiro,amigo.
Quantomaislimitadaeraraaidentidadequevocêescolher,maisameaçador
pareceráo ambiente ao redor.Defina-sedas formasmais simples e comuns se
quiserevitarisso.
Em geral, isso significa desistir de ideias grandiosas para si: que é
extremamenteinteligente,incrivelmentetalentoso,assustadoramenteatraenteou
que enfrentou sofrimentos inimagináveis para os reles mortais. Isso significa
desistirdeumaposturaarroganteedacrençadequeomundolhedevealguma
coisa.Significaabrirmãodosuprimentodeeuforiasemocionaisqueosustentam
há anos. Como um viciado que desiste da seringa, você vai passar por uma
síndromedeabstinênciaquandocomeçaraabrirmãodessascoisas.Masnofim
vaisermuitomelhor.
Comoserumpoucomenossegurodesi
Questionarasimesmoeduvidardosprópriospensamentosecrençasestãoentre
ashabilidadesmaisdifíceisdesedesenvolver.Masépossível.Aquiestãoalgumas
perguntasparaajudá-loacriarumpoucomaisdeincertezanasuavida.
Pergunta1:Eseeuestivererrado?
Há pouco tempo, uma amiga minha ficou noiva. O cara que a pediu em
casamento é bem sério.Não bebe.Não a agride nem amaltrata. É um sujeito
simpáticoecomempregoestável.
Desdeonoivado,o irmãodela fazcríticaso tempotodoàsescolhasdevida
imaturasdairmã,avisaqueelavaisemagoarcomessecara,queestácometendo
um erro, que está sendo irresponsável. E sempre que minha amiga pergunta:
“Qualéo seuproblema?Porquemeunoivado incomoda tantovocê?”,eleage
como se não existisse problema algum, como se não se incomodasse nem um
poucoesóestivessetentandoprotegerairmãmaisnova.
Mas estána caraque tem, sim, alguma coisa o incomodando.Talvez sejam
insegurançasarespeitodainstituiçãodocasamento;talvezumarivalidadeentre
irmãos. Ciúmes, quem sabe? Ou talvez ele esteja tão envolvido na própria
vitimizaçãoquenãoconsigademonstrarfelicidadepelasalegriasalheiasemvez
detentarestragartudo.
A verdade é que somos nossos piores observadores. Os últimos a perceber
quandoestamosirritados,enciumadosoutristes.Aúnicamaneiradedescobrir
isso é enfraquecer a nossa armadura de certeza, o tempo todo considerando a
possibilidadedeengano.
Estou com ciúmes?E, se formesmo isso, por quê?Ouentão:Estou com raiva?
Seráqueelatemrazão,eeusóestouprotegendomeuego?
Perguntascomoessasprecisamsetornarumhábitomental.Emmuitoscasos,
osimplesatoderecorreràdúvidafazbrotarhumildadeecompaixão,resolvendo
muitosdosnossosproblemas.
Mas é importante notar que questionar suas ideias não faz com que você
esteja necessariamente errado. Se seumarido lhe dá uma surra por queimar a
carne e você se pergunta se está errada em achar que ele a estámaltratando...
Bem, não, você não está errada. O objetivo do que proponho aqui é
simplesmenterelativizarsuasconclusõeserefletir,nãoseodiar.
Valelembrarque,paraqualquermudançaacontecernasuavida,vocêprecisa
estar errado em alguma opinião. Se você passa seus dias olhando para o teto e
sofrendo, já está cometendo um erro crucial. Até que você seja capaz de se
questionareseproporadescobriroqueé,nadavaimudar.
Pergunta2:Oquesignificariaestarerrado?
Muitas pessoas conseguem se perguntar se estão erradas, mas poucas
conseguem dar o passo seguinte, de avaliar quais seriam as consequências de
estaremerradas.Issoporqueopotencialsignificadoportrásdosnossoserrosem
geral é doloroso. Não só nossos valores são questionados como nos vemos
obrigadosaconsiderarvivercomumvalordiferente,atéoposto.
Aristótelesescreveu:“Amarcadeumamenteinstruídaésercapazdeentreter
uma ideia sem aceitá-la.” Conseguir avaliar valores diferentes sem
necessariamenteadotá-lostalvezsejaaprincipalhabilidadeparamudaraprópria
vidadeformasignificativa.
Voltandoaoirmãodaminhaamiga,suaperguntaparasimesmodeveriaser:
Eseeuestiverenganadosobreonoivodaminhairmã?Emgeral,arespostaauma
pergunta como essa é bastante direta (algo como Talvez eu esteja sendo
egoísta/inseguro/um babaca narcisista). Se ele estiver errado, se o noivo for um
cara bacana, a única explicação para o seu comportamento envolveria
insegurançasouvaloresescrotos.Elepresumesaberoqueémelhorparaairmã,
supondoqueelanãotemcapacidadedetomardecisõesdevidaimportantespor
contaprópria;elepresumeterodireitoearesponsabilidadedetomarasdecisões
porela;eletemcertezadequeestácertoedequeosoutros,porconsequência,
estãoerrados.
Mesmo depois de descoberto, seja no irmão da minha amiga ou em nós
mesmos, esse tipo de arrogância é difícil de admitir.Doloroso. É por isso que
poucas pessoas fazem as perguntas mais profundas. O problema é que essas
perguntas são vitais para chegar ao âmago dos problemas que motivam o
comportamentobabacadele.Ouonosso.
Pergunta 3: Se eu concluísse que estou errado, criaria um problema
melhoroupiorqueoatual,tantoparamimcomoparaosoutros?
Esteéotestecrucialparadeterminarsetemosvaloressólidosousesomosuns
escrotosneuróticosqueferramcomtodomundo,inclusivenósmesmos.
O objetivo é analisar qual problema é melhor. Porque, como bem disse o
PandadaDesilusão,osproblemasdavidasãoinfinitos.
Quaissãoasopçõesdoirmãodaminhaamiga?A)Manterodramaeatensão
na família, complicando o que deveria ser um momento feliz e nutrindo a
desconfiançaeodesrespeitonarelaçãocomairmã,emfunçãodopalpite(alguns
chamariamdeintuição)dequeofuturoespososeráruimparaela.
B)Desconfiar da própria habilidadede determinar o que é certo ou errado
paraavidadairmãe,nadúvida,optarpelahumildade,confiandonacapacidade
delade tomardecisõesou,mesmoquenãoconfie,aceitandosuasescolhas
,por
amorerespeitoaela.
AopçãoAéamaispopular,por seramais fácil.Nãoexigemuita reflexão,
não desperta autoquestionamentos e permite tolerância zero às decisões que
outraspessoastomemàsuarevelia.
Tambémcriaumnívelmaiordeinfelicidadeparatodososenvolvidos.
Já a opção B é aquela que pode nutrir relacionamentos saudáveis e felizes,
construídos com confiança e respeito. É a que nos obriga a baixar a bola e
admitir nossa ignorância. É a que nos permite superar nossas inseguranças e
reconhecerquandoestamossendoimpulsivos,injustosouegoístas.
Porserdolorosa,aopçãoBcostumaserpreterida.
Oirmãodessaminhaamiga,aoprotestarcontraonoivado,entrouemuma
batalha imaginária consigomesmo. É lógico que ele acreditava estar tentando
protegerairmã,mas,comovimos,nossascrençassãoarbitrárias,ou,piorainda,
muitas vezes são definidas após determinada ação, para justificar valores e
parâmetrosqueescolhemosparanós.Nocasoqueanalisamos,averdadeéqueo
sujeitoprefereferrarseurelacionamentocomairmãaconsiderarquepodeestar
errado—emboraasegundaopçãopossaajudá-loasuperarasinsegurançasque
oinduziramaoerro.
Eutentolevarumavidabaseadaempoucasregras,masumadasqueadoteiao
longodosanosé:seforprecisoescolherentreeuestarerradooutodasasoutras
pessoasestaremerradas,émuito,masmuitomaisprovávelquesejaeuoerrado.
Digoissoporexperiênciaprópria:incontáveisvezesagideformaestúpidalevado
pelasminhasinsegurançasecertezasequivocadas.Nãoéalgobonitodesever.
Isso não quer dizer que a maioria das pessoas não esteja errada, de certa
forma.Etambémnãoquerdizerquenãoexistammomentosemquevocêestará
maiscorretoqueamaioria.
Arealidadeéalgosimples:separecequeévocêcontraomundo,éprovável
quesejasóvocêcontrasimesmo.
7
Fracassaréseguiremfrente
Estoufalandosérioquandodigoquetivesorte.
Termineiafaculdadeem2007,logoantesdocolapsofinanceiroedarecessão,
e tentei ingressar no piormercado de trabalho dos últimos oitenta anos até o
momento.
Mais oumenos namesma época, descobri que a garota que sublocava um
quarto no meu apartamento não pagava o aluguel havia três meses. Quando
confrontada,elacaiunochoroesumiudomapa,deixandoadívidaparamimeo
outro colega que morava conosco. Adeus, economias. Passei seis meses
dormindonosofádeumamigo,fazendobicosetentandoacumularomínimode
dívidaspossívelenquantocorriaatrásdeum“trabalhodeverdade”.
Digo que tive sorte porque já entrei no mundo adulto como fracassado.
Comeceiláembaixo,nosubsolo.Sendoesseomaiormedodetodomundoem
umafaseposteriordavida—nahoradeabrirumaempresa,trocardecarreira
ousairdeumempregohorrível—,foibomconhecerasensaçãologonocomeço
docaminho.Dali,ascoisassópodiammelhorar.
Por isso, sim, tive sorte. Quando você “mora” num futon fedido, precisa
contarmoedasparaalmoçarnoMcDonald’sumavezporsemanaenãorecebeu
respostaparanenhumdosvintecurrículosqueenviou,começaraescrevernum
blogeabrirumaempresaidiotanainternetnãoparecemideiasassustadoras.Se
todososprojetosqueeucomeçassedessemerrado,senenhumtextomeufosse
lido,euvoltariaaopontodepartida.Então,porquenãotentar?
Ofracassoemsiéumconceitorelativo.Semeuparâmetroparaadefiniçãode
sucesso fosse “me tornar um revolucionário anarcocomunista”, minha
incapacidade absoluta de ganhar dinheiro nos anos de 2007 e 2008 teria
significadosucessototal.Masse,comoaspessoasnormais,meuparâmetrofosse
apenas um primeiro emprego decente para pagar algumas contas depois de
formado,eufuiumfracasso.
Soude família rica.Dinheironunca foiproblema.Pelocontrário, fui criado
numafamíliaricaemqueodinheiroeramaisnecessárioparaevitarproblemas.
Eissotambémfoiumasorte,porquelogocedoaprendiqueganhardinheirosó
por ganhar era um péssimo parâmetro a seguir. Era possível ganhar muito
dinheiro e ser infeliz, assim como era possível não ter um tostão furado e ser
muitofeliz.Então,porquemebasearnodinheiroparamedirmeuvalor?
Descobriquemeuvalor eraoutro.Era liberdade, autonomia.A ideiade ser
umempreendedorsempremeatraiu,porqueeuodiavaquemedessemordense
preferia fazer as coisas domeu jeito. E a ideia de uma publicação on-lineme
atraíaporqueeupodiatrabalhardequalquerlugar,nohorárioquequisesse.
Entãomefizumaperguntasimples:“Prefiroganharbemnumempregoque
odeio ou tentar a sorte na internet, mesmo que eu fique sem grana por um
tempo?” A resposta foi clara e imediata: opção B. Em seguida, me fiz outra
pergunta: “Se eu tentar isso e não der certo, e tiver que voltar a procurar um
empregoformaldaquiaalgunsanos,tereiperdidoalgumacoisa?”Arespostafoi
não.Emvezdeumjovemdesempregadosemexperiênciaaosvinteedoisanos,
eu seria um jovem desempregado sem experiência aos vinte e cinco.Dava no
mesmo.
Com esse valor, minha ideia de fracasso deixou de se vincular à falta de
dinheiro, ao fato de dormir no sofá de amigos e parentes (o que continuei
fazendopormaisdoisanos)eaomeucurrículovazio,tornando-sesimplesmente
“nãocorreratrásdosmeusprojetos”.
Oparadoxodofracasso/sucesso
Já velho, Pablo Picasso estava num café na Espanha, desenhando num
guardanapousado.Estavadistraído,rabiscandoqualquercoisaquechamavasua
atenção no momento — mais ou menos como garotos desenham pintos nas
cabinesdosbanheiros—,sóque,sendoPicasso,seuspintosdebanheiroestavam
maisparamaravilhascubistas/impressionistasempapéismanchadosdecafé.
Enfim. A umamesa perto dele, umamulher sentada observava, admirada.
Depoisdeumtempo,Picassoterminoudetomarocaféeamassouoguardanapo
parajogarforaaosair.
Amulherodeteve.
— Espere. Posso ficar com aquele guardanapo em que você estava
desenhando?Eupago.
—Claro—respondeuPicasso.—Vintemildólares.
A cabeça da mulher foi lançada para trás como se ela tivesse levado uma
tijoladanacabeça.
—Oquê?Masvocêlevoudoisminutosparadesenharaquilo.
—Não,senhora—retrucouPicasso.—Euleveimaisdesessentaanos.
E,guardandooguardanaponobolso,elesaiu.
Aprimorar-se em uma tarefa é um processo que passa por milhares de
pequenos fracassos, eamagnitudedoseuêxitonissovai sebasearemquantas
vezesvocênãoconseguiu fazerdeterminadacoisa. Sealguémémelhordoque
você em algo, é provável que tenha cometidomais erros. Se alguémnão é tão
bomquantovocê,éprovávelquenãotenhaenfrentadotodasassuasdolorosas
experiênciasdeaprendizagem.
Considere uma criança pequena aprendendo a andar. Sabemos que ela vai
cair e se machucar centenas de vezes. Mas em nenhum momento ela para e
pensa:“Bem,achoqueandarnãoéaminha.Nãotenhotalentoparaisso.”
A aversão a fracassos e erros é adquirida posteriormente na vida. Tenho
certeza de que grande parte disso vem do nosso sistema educacional, cujas
avaliaçõessãobaseadasrigorosamentenodesempenhoecastigamosquenãose
saem bem. Outra grande parte desse problema são pais dominadores ou
excessivamente críticos. Esse tipo de criação impede que os filhos errem por
contaprópriaosuficienteeospuneportentaralgodiferenteouespontâneo,não
predeterminado. Somemos a isso os meios de comunicação de massa
apresentandocasosemaiscasosdegentebem-sucedidasemmostrarasmilhares
de horas de prática maçante e tédio necessárias
,experiênciaspositivasé,emsi,umaexperiência
negativa.E,paradoxalmente,aaceitaçãodaexperiêncianegativaé,em
si,umaexperiênciapositiva.
Issoédeenlouquecerqualquerum.Entãovoulhedarumminutoparalerde
novoeclarearseucérebro:Desejarsentimentospositivoséumsentimentonegativo;
aceitarsentimentosnegativoséumsentimentopositivo.ÉaissoqueofilósofoAlan
Watts se refere como “lei do esforço invertido”: a ideia de que quanto mais
tentamosnossentirbemotempotodo,mais insatisfeitos ficamos,poisabusca
por alguma coisa só reforça o fato de que não a temos. Quantomais você se
desesperapara ser rico,maispobree indigno se sente, sejaqual for sua renda.
Quantomaisvocêsedesesperaparaserbonitoedesejado,maisfeioseconsidera,
sejaqualforsuaaparência.Quantomaisvocêsedesesperaparaserfelizeamado,
mais sozinho e aflito fica, não importa com quem esteja. Quanto mais
espiritualizadoquerser,maisegocêntricoesuperficialsetornanoprocesso.
Écomonavezemquetomeiácido.Quantomaiseuandavaemdireçãoauma
casa,maisacasaseafastava.E,sim,useiminhasalucinaçõesdeLSDparafazer
umaconsideraçãofilosóficasobreafelicidade.Foda-se.
ComodisseoexistencialistaAlbertCamus(etenhoquasecertezadequeele
nãousavaLSD):“Vocênuncaseráfelizseinsistiremtentardescobriroqueéa
felicidade.Vocênuncaviveráverdadeiramente se estiverprocurandoo sentido
davida.”
Emresumo:
Nemtente.
Euseioquevocêestápensando:“Mark,essassuasideiassãomuitoexcitantes,
maseoCamaroparaoqualestoueconomizando?Etodaafomequepasseipara
ficar em forma? Olha, aquela academia é cara! E a casa de praia dos meus
sonhos?Seeuligarofoda-separaessascoisas…Bem,nuncavouconseguirnada.
Nãoéissoqueeuquero.”
Quebomquevocêtocounessaquestão.
Jápercebeuque,àsvezes,quandovocêse importamenoscomalgumacoisa,
acabasesaindomelhor?Jánotouquegeralmenteéapessoamenosempenhada
que acaba se dando bem? Já reparou que às vezes, quando você para de se
importartanto,tudocomeçaaentrarnoseixos?
Porqueissoacontece?
Ointeressantesobrealeidoesforçoinvertidoéqueelanãotemessenomeà
toa:ligarofoda-sefuncionaaocontrário.Sebuscaropositivoénegativo,então
buscaronegativogeraopositivo.Osofrimentoquevocêpassanaacademialhe
dámais saúde e energia.Os errosque você cometeno trabalhopermitemque
você compreenda melhor o que é preciso para ser bem-sucedido.
Paradoxalmente, lidar abertamente com suas inseguranças torna você mais
confiante e carismático. O incômodo de um confronto honesto é o que gera
maiorconfiançaerespeito.Enfrentarseusmedosesuasansiedadeséoquevai
fazervocêcriarcoragemeperseverança.
Sério, eupoderia falardissoporhoras,mas achoque jádeupara entender.
Tudoquevaleapenanavidasóéobtidoaosuperarosentimentonegativoassociado
aele.Todatentativadeescapardonegativo,deevitá-lo,suprimi-loousilenciá-lo
sai pela culatra. Evitar o sofrimento é uma forma de sofrimento. Evitar
dificuldadesé umadificuldade.Negar o fracasso é fracassar. Esconder o que é
vergonhosoé,emsi,causadevergonha.
Osofrimentoéumfioinextricávelquecompõeotecidodavida,earrancá-lo
nãosóéimpossívelcomotambémédestrutivo:tentardesmantelatodooresto.
Oesforçoparaevitarosofrimentoédaratençãodemaisaele.Emcontrapartida,
sevocêconseguirligarofoda-se,torna-seimbatível.
Eumesmojámeimporteicommuitascoisas,mastambémjáligueiofoda-se
paraváriasoutras.E,assimcomoocaminhonãopercorrido,forammeusfoda-se
quefizeramtodaadiferença.
Talvezvocêconheçaalguémque,emalgummomento,tenhaligadoofoda-se
edepoisrealizadoumfeitoincrível.Talveztenhahavidoumaépocanasuavida
emquevocê simplesmente ligouo foda-se e alcançoualgo extraordinário.Por
exemplo,medemitirdomeuempregonaáreadefinançasdepoisdeapenasseis
semanasparaabrirumaempresanainternettemumlugardehonranomeuhall
dafamadofoda-se.Omesmovaleparaaépocaemquedecidivenderquasetudo
quetinhaeirmorarnaAméricadoSul.Asconsequências?Foda-se.Fuiláefiz.
Essesmomentos emque jogamos tudoparao alto sãoosmaisdecisivosna
vida.Asmaioresguinadasnacarreira;adecisãoespontâneadelargarafaculdade
e formar uma banda de rock; a iniciativa de finalmente dar um pé na bunda
daquelenamoradoparasita.
Ligarofoda-seéencararosdesafiosmaisassustadoresemaisdifíceisdavida
eagir.
Superficialmente, ligar o foda-se pode até parecer simples,mas no fundo a
históriaéoutra.Quasetodospassamosavidaemsuplíciopornosimportarmos
demais em situações que merecem o botão do foda-se. Perdemos tempo
ruminando a grosseria do atendente emnos dar o troco emmoedas. Ficamos
loucosquandoumasériedeTVqueacompanhamosécancelada.Ficamosputos
seninguémnotrabalhoperguntacomofoiofimdesemanajustamentequando
fizemosprogramasincríveis.
Enquantoisso,ocartãodecréditoestourou,nossocachorronosodeiaenosso
filho está cheirando no banheiro, mas mesmo assim estamos irritados com
moedinhaseEverybodyLovesRaymond.
Presta atenção: você vai morrer um dia. Eu sei que é meio óbvio, mas só
queria dar uma refrescada na sua memória. Você e todo mundo que você
conheceestarãomortosembreve.E,nocurtoperíodoentreoagoraeodiada
suamorte, você só pode se importar com uma quantidade limitada de coisas.
Bem poucas, na verdade. Se sair por aí se importando com tudo e todos sem
critérioalgum,vaiacabarseferrando.
Ligarofoda-seéumaartesutil.Seiqueesseconceitopodeparecerridículoe
queeutalvezsoecomoumbabaca,masestoufalandodeaprenderadirecionare
priorizarseuspensamentosdemaneiraefetiva:escolheroqueéimportanteeo
quenãoé,combaseemseusvalorespessoais.Issoébemdifícil.Vocêvaiprecisar
deumbomtempodepráticaedisciplina,emuitasvezesnãovaiconseguir.Mas
talvezsejaahabilidadepessoalquemaisvaleoesforço.Talvezaúnica.
Issoporque,quandoofoda-senãoestáacionado—quandoseimportacom
tudo e todos—, você passa a viver como se tivesse o direito inalienável de se
sentirconfortávelefelizotempotodo,comosetudotivesseaobrigaçãodeser
exatamentedojeitoquevocêquer.Issoéumadoençaevaitecomervivo.Toda
adversidade será vista como injustiça; todo desafio, como fracasso; todo
inconveniente, como ofensa pessoal; toda divergência, como traição.Vai viver
confinado a um inferno de mesquinhez dentro da sua cabeça, ardendo em
presunção e arrogância, preso em seu Círculo Vicioso Infernal, em constante
movimentomassemchegaralugaralgum.
Asutilartedeligarofoda-se
Quando se fala em ligar o foda-se, as pessoas imaginam que seja uma serena
indiferença em relação a tudo, uma calmaria capaz de anular todas as
tempestades. Elas se imaginam e desejam ser pessoas que não se abalam com
nadaenãosesubmetemaninguém.
Existeumnomeparapessoasquenãosentemnemveemsignificadoemnada:
psicopatas.Nãofaçoideiaporquealguémiriaquererserumdeles.
Então,senãoéisso,oqueéligarofoda-se?Vamosavaliartrês“sutilezas”que
ajudarãoaesclareceressaquestão.
Sutileza no1: Ligar o foda-se não significa ser invulnerável, mas se
sentirconfortávelcomavulnerabilidade.
Quefiqueclaro:nãoexisteabsolutamentenadaadmirávelnaindiferença,nãoé
umaquestãodeautoconfiança.Pessoas indiferentes são fracas emedrosas. São
parasitas preguiçosos ou trolls da internet.
,para que chegassem a esse
patamar.
Em algum momento, acabamos com medo de falhar, instintivamente
evitandoinovarousófazeraquiloemquesomosmuitobons.
Isso é limitador e sufocante. Só podemos atingir a excelência em algo se
estivermosdispostosafalhar.Sevocêserecusaacorrerorisco,nãoestádisposto
aserbem-sucedido.
Grandepartedomedodofracassosurgeporcontadevalorespessoaismuito
ruins.Porexemplo,seeuavaliaramimmesmopeloparâmetro“seramadopor
todomundo”,aansiedadeécerta,umavezquedependerei cemporcentodos
outros.Nãoestareinocontrole.Assim,meuvalorestaráàmercêdojulgamento
deterceiros.
Se, em contrapartida, eu decidir adotar o parâmetro “ter uma vida social
melhor”,possosatisfazero idealde“manterboasrelações” independentemente
dareaçãodosoutros.Meuvalorprópriovaidependerdomeucomportamentoe
minhafelicidade.
Valores escrotos, como expliquei no capítulo 4, são aqueles que envolvem
objetivos externos, fora do nosso controle. Buscá-los provoca alto grau de
ansiedade.E,mesmoqueconsigamosalcançá-los, ficamosvaziose inertes:não
hámaisproblemasaresolver.
Valores melhores, como vimos, são focados no processo. Algo como
“honestidade ao se expressar”— um parâmetro a ser adotado em virtude do
valor “honestidade”— nunca termina; é um problema que precisa ser revisto
sempre.Todanova interação social e todonovo relacionamento trazemnovos
desafiosenovasoportunidadesparaseexpressarcomsinceridade.Esse tipode
valoréumprocessocontínuoevitalício.
Seseuparâmetroparaovalor“sucessopelospadrõescomuns”é“casaprópria
ecarrobom”evocêpassavinteanostrabalhandoparaconseguir isso,nãoterá
maisparâmetrosa seguiarquandoatingirameta.Eaí ébomdizeralôparaa
crisedameia-idade,porqueoproblemaqueomotivouavidatodalhefoitirado.
Daíemdiante,nãohaverácomocontinuarcrescendoemelhorando—sóqueé
ocrescimentoquegerafelicidade,nãoumalongalistadeconquistasarbitrárias.
Nesse sentido, os objetivos convencionalmente adotados— fazer faculdade,
comprar uma casa de praia, perder dez quilos — oferecem uma quantidade
limitadadefelicidade.Elespodemserúteisquandobuscamosbenefíciosrápidos
e de curto prazo,mas são uma droga como guias para uma trajetória de vida
numsentidomaisamplo.
Picassofoiprolíficoportodaavida.Viveumaisdenoventaanosecontinuou
a produzir praticamente até morrer. Se seu objetivo fosse “ficar famoso”,
“enriquecercomarte”ou“alcançaramarcademilquadros”,eleteriaestagnado
emalgummomento.Teria sidodominadopelaansiedadeoupela insegurança.
Provavelmentenãoteriaseaprimoradoeinovadoemsuaarte,comofezdécada
apósdécada.
OsucessodePicassoéexplicadopelamesmacoisaqueexplicaporqueele,já
velho,gostavadedesenharemguardanaposquandosentadosozinhonumcafé.
Seuvalordevidaprincipalerasimples,humildeeinterminável:“meexpressarde
formahonesta”.Porissoaqueleguardanapoeratãovalioso.
Dorfazpartedoprocesso
Na década de 1950, um psicólogo polonês chamado Kazimierz Dabrowski
estudouossobreviventesdaSegundaGuerraMundialeseusdiferentesmodosde
lidarcomasexperiênciastraumáticasquetinhamvividonaguerra.Ocenárioem
questãoeraaPolônia,entãopode imaginarunseventosbemterríveis.Aquelas
pessoashaviamsofridooutestemunhadofome,bombardeiosquetransformaram
cidadesemruínas,oHolocausto,torturadeprisioneirosdeguerra,estuproe/ou
assassinatodeparentes—senãopelosnazistas,pelossoviéticos,anosdepois.
Nesse estudo, Dabrowski notou algo surpreendente. Uma porcentagem
consideráveldossobreviventesacreditavaque,apesardedolorosaetraumática,a
guerra os tinha tornado pessoas melhores, mais responsáveis e, sim, até mais
felizes. Muitos se descreviam no pré-guerra como pessoas diferentes: sem
gratidão pelos entes queridos, preguiçosos, consumidos por problemas
insignificantes,julgando-semaismerecedoresdetudo.Apósaguerra,sentiam-se
maisconfiantes,maissegurosdesi,maisagradecidosenãosedeixavamabalar
portrivialidadesepequenosaborrecimentosdocotidiano.
Tudoaquilotinhasidohorrível,élógico,enenhumadaquelaspessoasestava
feliz por ter passado pelas tragédias da guerra. Muitos ainda sofriam com as
cicatrizesemocionais.Alguns,noentanto, tinhamconseguidocanalizá-laspara
umatransformaçãopessoalpositivaepoderosa.
E eles não estão sozinhos nessa inversão. Para muitas pessoas, as maiores
realizaçõesdecorremdasmaioresadversidades.Emgeral,nossosofrimentonos
tornamais fortes,mais resistentes,mais equilibrados.Muitos sobreviventes do
câncer, por exemplo, dizem se sentir mais fortes e gratos depois de vencer a
batalha pela vida. Muitos militares relatam uma resistência mental obtida ao
toleraroambientedeumazonadeconflito.
Dabrowskiargumentaquenemsempreomedo,aansiedadeea tristezasão
estados de espírito indesejáveis ou inúteis. Pelo contrário: com frequência
representamadornecessáriaaoamadurecimento.Negaressadorénegarnosso
potencial.Assimcomoadormuscularénecessáriaparafortalecerocorpo,ador
emocionaléimprescindívelsequisermosdesenvolverresistênciaemocional,um
sensomaisagudodeidentidade,maiscompaixãoe,emúltimainstância,teruma
vidamelhor.
Em perspectiva, as mudanças pessoais mais radicais acontecem depois das
piores experiências. Só em face a uma dor intensa nos dispomos a reavaliar
nossos valores e examinar suas falhas. Precisamos de algum tipo de crise
existencial para analisar de forma objetiva a fonte do significado que damos à
vida,esódepoisconsiderarumamudançadecurso.
Qualquerumpodechamarissode“fundodopoço”ou“criseexistencial”.Eu
prefirochamarde“tempestadedemerda”.Escolhaoqueacharmelhor.
Etalvezvocêestejadiantedessecenárionesteexatomomento.Talvezesteja
saindo agora mesmo do desafio mais importante da sua vida e se sinta
desnorteado porque tudo que considerava verdadeiro, normal e bom se
transformounooposto.
Issoébom—éopontodepartida.Repetindo:adorfazpartedoprocesso.É
importantesenti-la.Porquesevocêsócorreatrásdeeuforiasotempotodopara
encobrirador,deleita-seemarrogânciaeempensamentospositivosdelirantes,
continua abusando de substâncias químicas ou exagerando a frequência de
determinadasatividades,nuncaterámotivaçãoparamudar.
Quandoeuerajovem,semprequeminhafamíliacompravaumvideocassete
ouaparelhodesomnovo,euapertavatodososbotõesetiravaerecolocavatodos
osfiosecabossóparaveroquecadapartefazia.Comotempo,aprendicomoo
sistematodofuncionava.E,comoeusabiatodaamecânica,normalmenteerao
únicodacasaadefatousarosaparelhos.
Comoaconteceucommuitosmillennials,meuspaisachavamqueeuerauma
espéciedeprodígio.Ofatodeeuconseguirprogramarovideocassetesemolhar
omanualdeinstruçõesmetornavaareencarnaçãodeNikolaTesla.
Éfácilolharparaageraçãodosmeuspaiserirdatecnofobiaqueosacomete.
Hoje,quantomaisavançonavidaadulta,melhorperceboquecadaumagede
formasemelhanteemalgumasáreasdavida—sentamos,olhamos,balançamosa
cabeçaedizemos“Mascomo?”,quandoaverdadeémuitosimples.
Otempotodoeureceboe-mailscomperguntasnesseestilo.Pormuitosanos,
eunãosoubeoqueresponder.
Teveocasodagarotacujospaisimigranteseconomizaramavidainteirapara
queelapudesseestudarmedicina.Jánafaculdade,elaodiou,descobriuquenão
queriasermédicaeoquemaisqueriaerairemboradali.Maselasesentia
,presa.
Tanto que enviou um e-mail para um desconhecido na internet (no caso, eu)
com uma pergunta boba e óbvia: “Como faço para largar a faculdade de
medicina?”
Teve também um cara apaixonado por sua orientadora na faculdade. Ele
sofriaacadasuspiro,acadarisada,acadasorrisodela,acadabrechanaconversa
quelhespermitissesairdeassuntosacadêmicosecontarcasosdescontraídos.Ele
me enviou por e-mail um arquivo de vinte e oito páginas contando toda essa
novelaeconcluíacomapergunta:“Comoeuachamoparasair?”Eaindaamãe
solteira cujos filhos terminaram a faculdade e agora ficamo dia todo em casa
coçandoosaco,comendoacomidadela,gastandoodinheirodela,semrespeitar
oespaçonemodesejodeprivacidadedela.Essamulherquerqueelestoquema
vida.Elaquerseguircomaprópriavida,masmorredemedodeafastarosfilhos,
porissomeperguntapore-mail:“Comoeupeçoqueelessaiamdecasa?”
São perguntas videocassete. Para quem está de fora, a resposta é simples:
respirafundoesejoga.
Paraquemestána situação,daperspectivadecadaumadessaspessoas, são
perguntas extremamente complexas — charadas existenciais embrulhadas em
desafioslógicosejogadasnumbaldecheiodecubosmágicos.
Dúvidas videocassete são engraçadas, porque a resposta é difícil para quem
estácomadúvidaefacílimaparatodoorestodomundo.
Oproblemaéador.Preencherapapeladanecessáriaparaabandonarocurso
demedicina é uma açãodireta e óbvia; lidar comodesapontamentodospais,
não.Convidaraorientadoraparasairésimples,bastaumafrase;assumirorisco
de intenso constrangimento e rejeição émuitomais complicado. Pedir que as
pessoasarranjemumacasaparamoraréumcaminhoobjetivo; sentirqueestá
abandonandoosfilhosébemdiferente.
Eu lutei contra a ansiedade social ao longo da maior parte da minha
adolescência e juventude. Passava os dias jogando videogame e as noites
sufocando a inquietude com álcool e cigarro.Durantemuitos anos, achei que
fosseimpossívelfalarcomumdesconhecido—aindamaisseessedesconhecido
fossemuitobonitooumuitointeressanteoumuitopopularoumuitointeligente.
Foramanosdemesmiceeestupor,repetindoasmesmasperguntasvideocassete:
Como?Comoéqueeusimplesmentevouláefalocomalguém?Comoaspessoas
fazemisso?
Eumantinhatodotipodecrençaequivocadasobreoassunto,comoaideiade
que era proibido puxar assunto com alguém a menos que houvesse algum
motivo real para isso, oude que asmulheresme veriam comoum estuprador
simplesmenteseeudissesseum“oi”.
Oproblemaresidiaemdeixarminhasemoçõesdefiniremarealidade.Como
eusentiaqueaspessoasnãoqueriamfalarcomigo,passeiaacreditarnisso.Daí
veiominhaperguntavideocassete: “Comoéqueeu simplesmentevou láe falo
comalguém?”
Pornãoconseguirseparar sentimentoderealidade, euera incapazdemudar
minhaperspectivaeveromundocomoumlugarondeduaspessoaspodemse
aproximaraqualquermomentoeconversar.
Diante de algum tipo de dor, raiva ou tristeza,muita gente larga tudo e se
concentra em entorpecer o sentimento ruim. O objetivo é voltar a “se sentir
bem”omais rápidopossível,mesmoquepara isso precise usar algum tipode
droga,seiludirouretomarvaloresescrotos.
Aprendaasuportaradorquevocêescolheu.Aoescolherumnovovalor,você
tambémestáoptandoporintroduzirumnovotipodedoremsuavida.Portanto,
aproveite-a.Experimente-a.Receba-adebraçosabertos.Depois,continueagindo
apesardaexistênciadessador.
Nãovoumentir:nocomeçovaisermuitodifícilevocêvaisesentirperdido,
semsaberoquefazer.Masjáfalamossobreisso,não?Vocêrealmentenãosabe.
Nãosabenada.Mesmoquandoachaquesabe,naverdadevocênãofazamenor
ideiadoqueestáacontecendo.Então,convenhamos,oqueháaperder?
Avidaseresumeanãosabernadaeagirmesmoassim.Tudonavidasegue
essadinâmicainalterável.Issonãomudanunca.Mesmoquandovocêestáfeliz,
mesmo quando está vomitando arco-íris. Mesmo se você ganhar na loteria e
comprarumapequenafrotadejetskis,asensaçãodenãoteramenorideiado
queestáfazendopermanecerá.Nuncaesqueçaisso.Enunca,jamais,tenhamedo
disso.
Oprincípiodo“Façaalgumacoisa”
Em2008,depoisdememanternumempregoporincríveisseissemanas,larguei
devezessaideiaeresolvifazeralgumacoisanainternet.Naépoca,eunãotinhaa
menorideiadoqueestavafazendo,masconcluíque,seeraparacontinuarpobre
einfeliz,aomenosseriatrabalhandoparamimmesmo.Aomesmotempo,eusó
me importavacommulheres.Então, ligueio foda-seecrieiumblogpara falar
sobreasdoideirasdaminhavidaamorosa.
Logonaprimeiramanhãemqueacordeicomomeuprópriopatrãooterror
meconsumiu.Sentadodiantedolaptop,pelaprimeiravezmedeicontadeque
eu era totalmente responsável por todas asminhas decisões, assim como pelas
consequências. Cabia a mim o webdesign, o marketing, a otimização de
mecanismosdebuscaeoutrosassuntosobscuros.Estavatudonasminhascostas.
Tomeiaatitudequequalquerpessoadevinteequatroanosqueacaboudelargar
oempregoenãotemamenorideiadoqueestáfazendotomaria:baixeialguns
jogosefugidotrabalhocomoquemfogedovírusEbola.
Conforme as semanas se passavam eminha conta bancáriamergulhava no
vermelho, foi ficandoclaroque euprecisavapensar emalgumaestratégiapara
meforçaratrabalharasdozeoucatorzehoraspordianecessáriasparafazerum
empreendimentodecolar.Oplanoveiodeumlugarinesperado.
Umprofessordematemáticaquetivenoensinomédio,sr.Packwood,dizia:
“Se você está empacado num problema, não fique parado pensando; comece.
Mesmo que não saiba o que está fazendo, o simples ato de entrar em ação e
tentarsolucionaroproblemavaiacabarfazendoas ideiascertasapareceremna
suacabeça.”
Nos primórdios daquela rotina de trabalho autônomo— quando o esforço
eradiário,eunãotinhaumcaminhodefinidoaseguireestavaapavoradocomos
resultados (ou a ausência deles) —, o conselho do sr. Packwood começou a
acenarparamimládofundodaminhamente.Ressoavacomoummantra.
Nãofiqueaíparado.Façaalgumacoisa.Asrespostasvirãonocaminho.
Ao aplicar o conselho do sr. Packwood, aprendi uma grande lição sobre
motivação.Leveiunsoitoanosparaabsorvê-laporcompleto,masoquedescobri
durante aquele longo e exaustivo período de lançamentos fracassados de
produtos,textosdeaconselhamentorisíveis,noitesdesconfortáveisnosmesmos
sofásde amigos, rombosna contabancária e centenasdemilharesdepalavras
escritas(amaiorianãolida),talvezestatenhasidoacoisamaisimportanteque
aprendinavida:
Aaçãonãoéapenasconsequênciadamotivação;étambémacausa.
Amaioriadaspessoassóagequandosesentemotivadaemcertonível,esó
nos sentimos motivados quando temos inspiração emocional suficiente.
Presumimosqueessespassosocorremnumaespéciedereaçãoemcadeia:
Inspiraçãoemocional→Motivação→Açãodesejada
Sevocêquerrealizaralgumacoisaenãosesentemotivadoouinspirado,você
achaquejáera,ferrou.Nãohánadaquepossafazer.Oimpulsoparasairdosofá
eagirsóacontecediantedealgumgrandeeventoemocional.
Aquestãoéqueamotivaçãonão seestruturanumacadeiade trêspartes, e
simnummoto-contínuo:
Ações levam a novas reações emocionais e, portanto, novas doses de
inspiração, que por sua vez motivam ações futuras. Com base nessa ideia,
podemosremodelarnossaconcepçãodaseguintemaneira:
Ação→Inspiração→Motivação
Se você não estámotivado para
,realizar determinadamudança importante,
faça alguma coisa, qualquer coisa. Depois, aproveite o efeito da ação como
combustívelparasemotivar.
Eu chamo isso de princípio do Faça Alguma Coisa. Depois de usá-lo para
realizarmeu projeto, comecei a ensiná-lo para os leitores queme procuravam
com suas dúvidas videocassete: “Como faço para me candidatar a esse
emprego?”,ou“Comodigoaessecaraqueestouafimdele?”ecoisasdotipo.
Trabalheisozinhonosprimeirosanos.Semanasinteirassepassavamsemuma
produçãosólida,simplesmenteporqueeumesentiaansiosoeestressadocomo
queprecisava fazereera fácildemaisadiar tudo.Mas logoaprendique,aome
forçar a fazeralgumacoisa,mesmo amais insignificante das tarefas, as tarefas
maiorespareciammuitomaisfáceis.Seeuprecisavareconstruirositeinteiro,era
sóme forçar a sentar e dizer amimmesmo: “Ok, vou só refazer o cabeçalho
agora.” Depois do cabeçalho pronto, eu naturalmente passava para outras
pendências.Atéque,quandomedavaconta,estavaenvolvidocomotrabalhoe
cheiodeenergia.
TimFerriss, tambémeleautorprolífico,contaumahistóriaqueouviucerta
vez sobre um escritor com setenta livros publicados até então. Alguém
perguntouao sujeito comoele conseguia semanter inspirado emotivadopara
escrevertanto.Elerespondeu:“Duzentaspalavrasruinspordia,sóisso.”Aideia
eraque,aoseforçaraescreverduzentaspalavrasdojeitoquefosse,certamenteo
puroatodeescreveroinspiraria,e,quandovia,eletinhamilharesdepalavras.
Se seguirmos o princípio do Faça Alguma Coisa, o peso do fracasso é
reduzido.Quandooparâmetrodesucessoémeramenteaação—quando todo
resultado possível é considerado um progresso e tem seu valor, quando a
inspiração é vista como uma recompensa e não um pré-requisito —, somos
impulsionados à frente. Nos sentimos livres para fracassar, e até mesmo o
fracassonosmovimenta.
O princípio do Faça Alguma Coisa não apenas ajuda a superar a
procrastinaçãocomocontribuiparaaincorporaçãodenovosvalores.Seestáno
meio de uma tempestade existencial e nada faz sentido — se todos os seus
mecanismosdeautoavaliaçãoodeixaramnamãoevocênãosabeoqueesperar,
se sabe que tem feito mal a si mesmo perseguindo sonhos falsos ou que sua
autoavaliaçãopoderiaalcançarumparâmetromelhorquevocêdesconhece—,a
respostaéamesma:
Façaalgumacoisa.
Podeseramenoraçãoviávelnomomento.Podeserqualquercoisa.
Você reconhece que foi um escroto arrogante em todos os seus
relacionamentos e quer desenvolver mais compaixão? Faça alguma coisa.
Comececomalgosimples,comoouviroproblemadealguémedoarumpouco
do seu tempo para ajudar essa pessoa. Uma vez basta. Ou comprometa-se a
reconheceremsimesmoaraizdosseusproblemasnapróximavezemqueficar
chateado.Apenasexperimenteaideiaevejacomosesente.
Geralmente, issobastacomoempurrãozinhoparaaboladenevecomeçara
rolar, como inspiração para se motivar a seguir em frente. Qualquer pessoa,
inclusivevocê,pode ser suaprópria fontede inspiraçãoemotivação.Agir está
sempre ao alcance. E, se você adotar o fazer alguma coisa como parâmetro de
sucesso...Bem,nessecaso,atéofracassovailhedarumnovoimpulso.
8
Aimportânciadedizernão
Em 2009, vendi tudo que eu tinha, devolvi o apartamento alugado em que
morava e fui para a América Latina. Àquela altura, meu humilde blog de
conselhos amorosos vinha recebendo uma quantidade razoável de visitas e eu
ganhavaumdinheirinhomodestovendendolivrosdigitaisecursoson-line.Meu
plano era passar alguns anos morando no exterior, tendo contato com novas
culturas e aproveitandoobaixo custodevida empaísesdaÁsia edaAmérica
Latinaparainvestireimpulsionarmeunegócio.Eraosonhodonômadedigital,
e, sendoumaventureirodevinte e cincoanos, exatamenteoqueeuqueriada
vida.
Vale observar que, apesar de a ideia soar sedutora e ousada, nem todos os
valoresquemeatraíramparaesseestilodevidanômadeeramsaudáveis.Alguns
eram admiráveis — sede de ver o mundo, curiosidade por povos e culturas
diferentes,espíritoaventureiroàmodaantiga—,mastambémexistiaumpouco
de vergonha sob tudo aquilo.Na época, eumal notava,mas, se fosse honesto
comigomesmo,sabiaquehaviaumvalorerradoàespreita.Nãoenxergava,mas
emmomentos de tranquilidade, se me permitisse ser completamente sincero,
tinhaumasensação.
Junto com a arrogância dos vinte e poucos anos, as coisas “traumatizantes
paracacete”daminha juventude tinhammedeixadocomváriosproblemasde
comprometimento.Eupassaraosúltimosanoscompensandoainadequaçãoea
ansiedade social da adolescência. Como resultado, me sentia capaz de me
aproximar de quem eu quisesse, ser amigo de quem eu quisesse, conquistar
qualquermulher, transar comquem eu bem entendesse— então, por queme
comprometercomumasópessoa,oumesmocomumúnicogruposocial,uma
únicacidade,umsópaísoucultura?Seeupodiavivertudo,eraoqueeudeveria
fazer,certo?
Armadocomessegrandiososensodeconexãocomomundo,fiqueisaltando
de país em país, cruzando oceanos, continentes, em um jogo de amarelinha
global que durou mais de cinco anos. Visitei cinquenta e cinco nações, fiz
dezenasdeamigosemevinosbraçosdeváriasmulheres—todasrapidamente
substituíveis,algumasapagadasdamemóriajánovooparaopaísseguinte.
Eraumavidaestranha, repletadeexperiências fantásticasqueescancararam
meushorizontes,cheiadeeuforiassuperficiais,perfeitasparaadormecerminha
dor subjacente.Eu tinha a sensaçãode estar vivendoummomentoque era ao
mesmotempomuitoprofundoemuitovazio.Ainda tenho,aliás.Algumasdas
maiores liçõesqueaprendinavidaealgunsdosmomentosquemaisdefiniram
meucaráteraconteceramduranteesseperíodonaestrada.Poroutrolado,alguns
dosmeusmaioresdesperdíciosdetempoeenergiatambém.
MoroemNovaYorkatualmente.Tenhoumacasamobiliada,contasnomeu
nomeeumaesposa.Nadadissoémuitoglamourosoouempolgante.Eeugosto
quesejaassim.Depoisdetantosanosintensos,amaiorliçãoquetireidaminha
aventurafoiquealiberdadeabsoluta,porsisó,nãosignificanada.
A liberdadenosdáaoportunidadedeencontrarumsignificadomaior,mas
ela em si não temnecessariamentenadade significativo.No fimdas contas, a
únicamaneiradeencontrar significadoepropósitoé rejeitaralternativas,num
processo que constitui um estreitamento da liberdade, ao escolher formar
vínculos e assumir compromissos com um lugar, uma crença ou (ai!) uma
pessoa.
Essapercepçãomeocorreulentamente,durantemeusanosdeviagem.Como
acontececomamaioriadosexcessosquecometemos, épreciso seafogarneles
para perceber que não nos fazem feliz. Foi assim comigo. Enquanto eu me
afogava no meu quinquagésimo terceiro, quinquagésimo quarto e
quinquagésimo quinto países, comecei a entender que, de todas aquelas
experiências empolgantes e incríveis, poucas teriam algum significado
duradouro. Enquanto meus amigos nos Estados Unidos estavam se casando,
comprando casas e dedicando seu tempo a empresas interessantes ou causas
políticas,euflutuavadeumaeuforiaaoutra.
Em2011,fuiaSãoPetersburgo,naRússia.Acomidaeraumadroga.Oclima
estavaumadroga.(Neveemmaio?Estavamdesacanagemcomaminhacara?)
Meu apartamento na cidade era uma droga. Nada deu certo. Tudo eramuito
caro.Aspessoaseramgrosseirasetinhamumcheiro
,estranho.Ninguémsorriae
todo mundo bebia demais. Mas eu adorei. Foi uma das minhas viagens
preferidas.
A cultura russa tem uma aspereza que costuma desagradar os ocidentais.
Ficamparatrásasfalsassimpatiaseascortesiasverbais.Ninguémalisorripara
desconhecidos nem finge gostar de alguma coisa por educação. Na Rússia, se
alguma coisa é ridícula, você diz que é ridícula. Se alguém está sendo babaca,
vocêdizqueestá sendobabaca.Sevocêgostadealguéme se sentemuito feliz
quandoestácomessapessoa,vocêdizaelaquegostamuitodelaequesesente
muitofelizquandoestácomela.Mesmoqueapessoaemquestãosejaumamigo,
umestranhooualguémquevocêconheceuhácincominutosnarua.
Na primeira semana, achei tudo isso muito desconfortável. Fui tomar café
comumagarotarussa,etrêsminutosdepoisdenossentarmoselameolhoude
umjeitoestranhoefalouqueoqueeutinhaacabadodedizereraumaidiotice.
Quaseengasguei.Nãohavianenhumtraçodeagressividadeemsuavoz;elafalou
comoquemcontaumfatotrivial—oclimanaquelediaouquantoelacalçava—,
masmesmo assim fiquei chocado. Afinal de contas, noOcidente esse tipo de
franqueza é considerado altamente ofensivo, sobretudo vindo de alguém que
vocêacaboudeconhecer.Mastodosagiamassim.Todomundopareciagrosseiro
o tempo todo, e, como resultado, minha mente ocidental mimada se sentia
atacadaportodososlados.Insegurançasresistentescomeçaramaviràtonaem
situaçõesemquenãoapareciamhaviaanos.
Fuimeacostumandoàfranquezacomopassardassemanas,bemcomoaosol
dameia-noiteeàvodcaquedesciacomoáguagelada.Depoiscomeceiaapreciá-
la pelo que realmente era: expressão pura. Honestidade no sentido mais
verdadeiro da palavra. Comunicação sem cláusulas de condições, sem
parcialidadevelada,semsegundasintenções,semdesesperoporagradar.
Apósanosdeviagem,foiali,nolugarmenosamericanodetodos,queconheci
uma liberdade nova: poder dizer o que eu pensava e sentia, sem medo da
repercussão.Aceitara rejeiçãoeraumaestranha formade libertação.E,por ter
desejadoaexpressãodiretaduranteamaiorpartedavida—primeiroporcausa
de um ambiente familiar cheio de repressão emocional e, depois, pela falsa
segurançaquepasseiademonstrardeummodoconstruídometiculosamente—,
eume embriaguei naquilo como se fosse amelhor vodca já produzida.Omês
que passei em São Petersburgo passou voando, e no final eu não queria ir
embora.
Viajar éuma ferramenta fantásticadedesenvolvimentopessoal, porquenos
afastadosvaloresdanossaculturaedemonstraqueoutrasociedadepodeviver
comvaloresdiferenteseaindafuncionarsemseodiar.Essaexposiçãoavalorese
parâmetrosdiferentesnos faz reexaminaroquepareceóbvio e considerarque
nossa forma de viver pode não ser necessariamente a melhor. Nesse caso, a
Rússiamefezreexaminarafalsacomunicaçãocalcadaemsimpatia,tãocomum
na cultura ocidental, emeperguntar se issonãonos deixamais inseguros nas
nossasrelaçõesemenosaptosàintimidade.
Eumelembrodeterdiscutidoessadinâmicacommeuprofessorderussoum
dia,eelemecontouuma teoria interessante.Vivendosoboregimecomunista
por tantas gerações, com poucas oportunidades econômicas e imersa numa
atmosferademedo, a sociedade russadescobriu que amoedamais valiosa é a
confiança. E, para criar confiança, é preciso sinceridade— isto é, se as coisas
estão uma merda, você diz isso abertamente e sem se desculpar. Essas
desagradáveisdemonstraçõesdehonestidadeeramrecompensadaspelosimples
fatodeseremnecessáriasparaasobrevivência:aspessoasprecisavamsaberem
quempodiamounãoconfiar,eprecisavamsaberrápido.
Enquantoisso,noOcidente“livre”,continuoumeuprofessorderusso,havia
uma abundância de oportunidades econômicas— tantas que se tornoumuito
maisvalioso secomportardamaneiraX,mesmoque fosse falsa,doque serde
fato damaneira X. A confiança perdeu o valor. As aparências e o carisma se
tornaramformasdeexpressãomaisvantajosas.Conhecermuitagentedeforma
superficialvaliamaisapenadoqueconhecerpoucagentecomintimidade.
Éporissoquenasculturasocidentaispassamosaseguiranormadesorrire
dizercoisaseducadas,mesmoquandonãoestamoscomvontade,alémdecontar
mentirinhas bobas e fingir concordarmesmo quando discordamos. É por isso
queaspessoasaprendemafingirquesãoamigasdegentedequemnãogostam,a
comprarprodutosquenãodesejam.Osistemaeconômicopromoveessafarsa.
Adesvantageméque,noOcidente,vocênuncasabesepodeconfiarnapessoa
comquemestáfalando,eissoaconteceatéentreamigosíntimosouparentes.No
Ocidente, a pressão para ser agradável é tão forte que muitas vezes
reconfiguramos nossa personalidade inteira para se adequar melhor ao
interlocutor.
Rejeiçãofazbem
Como extensão da nossa cultura positivista/consumista,muitas pessoas foram
“doutrinadas” na crença de que devem tentar concordar e aceitar o máximo
possível.Esteéumdospilaresdemuitosdos livrosquepregamopensamento
positivo:abra-separaasoportunidades,aceite,digasimatudoeatodos,eporaí
vai.
Masalgumacoisaagentetemquerejeitar.Docontrário,nãosomosnada.Se
umacoisanãoformelhoroumaisdesejáveldoqueoutra,somosvaziosenossa
vida não tem sentido. Deixamos de ter valores e, portanto, vivemos sem
propósito.
Evitar rejeitar e ser rejeitadoéuma ideiavendida comoumamaneirade se
sentir melhor. Evitar a rejeição proporciona um prazer breve, mas nos deixa
desorientadosporumbomtempo.
Para realmente apreciar algo, é preciso se limitar.Há umnível de alegria e
significadoquesópodeseralcançadodepoisdedécadasinvestindoemumúnico
relacionamento,umaúnicahabilidade,umaúnicacarreira.Éimpossívelalcançar
taiscoisassemrejeitarasalternativas.
Oatodeescolherumvalorimplicarejeitaroutros.Seeuescolhotornarmeu
casamento a coisamais importante daminha vida, estou também escolhendo
não considerar importanteorgias regadas a cocaína. Se escolhome julgar com
base na minha capacidade de ter amizades honestas e tolerantes, ao mesmo
tempo estou rejeitando falar mal dos meus amigos pelas costas. São decisões
saudáveis,masmesmoestastrazemembutidaalgumarejeição.
A questão é a seguinte: todomundo precisa se importar com alguma coisa
paravalorizar alguma coisa.E, para valorizar alguma coisa, precisamos rejeitar
seuoposto.ParavalorizarX,precisamosrejeitaronãoX.
Essa rejeição é uma parte inerente e necessária damanutenção dos nossos
valorese,portanto,danossa identidade.Somosdefinidospeloqueescolhemos
rejeitar.Esenãorejeitamosnada(talvezpormedodenosrejeitarem),nãotemos
identidade.
Odesejodeevitararejeiçãoatodocusto,deevitaroconfrontoeoconflito,o
desejodetentaraceitartudoigualmenteedetornartudocoerenteeharmônico,
éuma formaprofundae sutildearrogância.Pessoasquepensamassimacham
quemerecem se sentir bem o tempo todo, aceitando tudo porque rejeitar algo
pode causar desconforto a elas mesmas ou a outra pessoa. E como elas se
recusamarejeitarqualquercoisa,levamumavidasemvalores,egoístaevoltada
paraoprazer.Tudoqueimportaaessesindivíduosésustentaressaeuforiamais
um pouco, evitar os fracassos inevitáveis da vida, fingir que não existe
sofrimento.
Saber dizer “não” é crucial.Ninguémquer ficar preso num relacionamento
infeliz.Ninguémquerficarpresonumempregoruim,fazendo
,umtrabalhoem
quenãoacredita.Ninguémquersesentirimpedidodesersincero.
Masagenteescolheessascoisas.Otempotodo.
Ahonestidade éumdesejonaturaldahumanidade,masumde seus efeitos
colateraisénosobrigaraouviredizer“não”.Dessemodo,arejeiçãoaprimora
nossosrelacionamentosetornaavidaemocionalmaissaudável.
Limites
Era uma vez dois jovens, um garoto e uma garota. A família de um odiava a
famíliadeoutro.Umdia,ogarotoentroudepenetranuma festade famíliada
garota,porqueeleerameiobabaca.Quandoviuogaroto,agarotasentiuqueos
anjoscantavamumamelodiamuitodoceparasuaspartesíntimaseseapaixonou
porelenahora.Semmaisnemmenos.Então,eleseesgueirouparaojardimda
casadelaealiosdoisdecidiramsecasarnodiaseguinte,porque,claro,issoéuma
ótima decisão, ainda mais quando seus pais querem assassinar seus futuros
sogros.Avancemos algunsdias.As famílias descobremo casamento e têmum
chilique.Mercúciomorre.Agarotaficatãochateadaquetomaumapoçãopara
dormirpordoisdias.Mas,infelizmente,ojovemcasalaindanãotinhaaprendido
asmanhasdeumaboacomunicaçãoconjugal,eajovemsimplesmenteesquece
decontarquefezissoaomarido.Entãoojovemconfundeocomadaesposacom
suicídio,perdecompletamentealinhaesemata,achandoquevaificarcomela
no alémou coisa assim.Mas aí ela acordado coma e, quandodescobrequeo
maridosesuicidou,resolvesematartambém.Fim.
Hojeemdia,RomeueJulietaésinônimode“romance”nanossacultura,visto
comoagrandehistóriadeamornaculturadelínguainglesa,umidealemocional
a igualar.Mas, se prestarmos atenção ao que acontece na história, vemos que
aquelesgarotosestavamsurtados.Provadissoéquesemataram.
Muitos estudiosos suspeitamque Shakespeare tenha escritoRomeu e Julieta
nãocomoumahistóriaquecelebrariaoromance,mascomosátira,comoforma
demostrarqueoamoréinsano.Elenãoqueriaqueapeçafosseumaglorificação
doamor.Apeçaé justamenteocontrário:umagrandeplacadeneonpiscando
MANTENHADISTÂNCIAecercadaporumafitadapolíciaavisandoNÃOULTRAPASSE.
Duranteamaiorpartedahistóriadahumanidade,oamorromânticonãofoi
celebradocomoéhojeemdia.Naverdade,atémeadosdoséculoXIX,eravisto
como um impedimento psicológico desnecessário e potencialmente perigoso
para as coisas realmente importantes da vida — cuidar bem da fazenda, por
exemplo,e/ousecasarcomumcaraquetivesseummontedeovelhas.Emgeral,
os jovens eram afastados à força de suas paixões românticas em favor de
casamentosque lhes trouxessemvantagenseconômicaspráticas,quepudessem
proporcionarestabilidadetantoparaocasalquantoparaasfamílias.
Hoje, no entanto, todo mundo se derrete por esse amor ensandecido. Ele
predomina em nossa cultura. E quanto mais dramático, melhor — seja Ben
Affleck tentando destruir um asteroide e salvar a Terra para impressionar a
garotaqueama,MelGibsonassassinandocentenasdeinglesesetendofantasias
com sua esposa estuprada e assassinada enquanto está sendo torturado até a
morte,ouaquelaelfaqueabremãodaimortalidadeparaficarcomAragornem
Osenhordosanéis, alémdecomédias românticas idiotasemque JimmyFallon
desiste de assistir à final do Red Sox porque Drew Barrymore tem, tipo,
necessidadesoualgoassim.
Seessetipodeamorromânticofossecocaína,todosseríamos,emtermosde
cultura,TonyMontana,deScarface:enterrandoacaranumamontanhadeamor
românticoegritando:Sayhellotomylittlefriend!
Estamosdescobrindoqueoamorromânticoémesmo equivalenteacocaína.
Sério, é assustadoramente parecido. Ambos estimulam exatamente asmesmas
partesdocérebro,deixamousuárioeufóricoesesentindobemporumtempo,
mascriamamesmaquantidadedeproblemasquesolucionam.Iguaizinhos.
A maioria dos elementos que buscamos no amor romântico — exibições
dramáticas e desconcertantes de afeto, altos e baixos turbulentos — não são
demonstraçõesgenuínasesaudáveisdeamor.Muitasvezesnãopassamdemais
umaformadearrogância,sóquenessecasosemanifestandonorelacionamento.
Eu sei, estou dando uma de estraga-prazeres. Sério, que tipo de pessoa fala
maldoamorromântico?Masprestasóatenção:
Existem formas saudáveis e formas não saudáveis de amar. O amor não
saudável é o que une duas pessoas que estão usando aquele sentimento como
meiodeescapardeseusproblemas,ouseja,umusaooutrocomofuga.Oamor
saudável é o que une duas pessoas capazes de reconhecer e enfrentar seus
problemascomoapoioumdooutro.
Duas coisas diferenciam uma relação saudável de uma não saudável: 1) se
ambos sabemaceitar responsabilidades e2) se estãodispostosa rejeitarumao
outroeserrejeitadosumpelooutro.
Emqualquerrelaçãoinsalubreoutóxica,emambososladoshaveráumsenso
deresponsabilidadefracoeumaincapacidadederejeitareserrejeitado.Emuma
relaçãosaudável,haverálimitesclarosentreasduaspessoaseseusvalores,além
deumaaberturapararejeitareserrejeitadoquandonecessário.
Por “limites”, entenda-se a distinção da responsabilidade pelos problemas
individuais. Pessoas em um relacionamento saudável, com limites fortes,
assumirãoaresponsabilidadeporseusprópriosvaloreseproblemasenãopelos
doparceiro.Pessoasemumarelaçãotóxica,comlimites fracosouinexistentes,
sempre evitarão a responsabilidade por seus problemas e/ou assumirão a
responsabilidadepelosdoparceiro.
Comoidentificarlimitesfracos?Eisalgunsexemplos:
“Vocênãopodesaircomseusamigossemmim.Vocêsabequeeuficocom
ciúme.Fiqueemcasacomigo.”
“Meuscolegasdetrabalhosãounsidiotas;sempremefazemchegaratrasado
parareuniõesporqueprecisoficarexplicandocomodevemfazeropróprio
trabalho.”
“Não acredito que você me fez de idiota para minha irmã. Nunca mais
discordedemimnafrentedela!”
“EuadorariaaceitaresseempregoemMilwaukee,masminhamãenuncame
perdoariaseeufossemorartãolonge.”
“Agentepodenamorar,mas seráquevocêpodenãocomentarnadacoma
minhaamiga?ÉqueaCindyficamuitoinseguraquandoestounamorando
eela,não.”
Nessescenários,apessoaestáassumindoaresponsabilidadeporproblemase
emoçõesquenão sãodela, ou exigindoque alguémassumaa responsabilidade
porseusproblemaseemoções.
Em geral, pessoas arrogantes caem em uma dessas duas armadilhas nos
relacionamentos:ouesperamqueoutrosassumamaresponsabilidadepelosseus
problemas — “Eu queria passar um fim de semana relaxante em casa. Você
deveria saber e cancelar seusplanos”—,ouassumemresponsabilidadedemais
pelosproblemasdosoutros—“Elafoidemitidadenovo,masdevetersidoculpa
minha, porque não dei o apoio que ela precisava. Vou ajudá-la a atualizar o
currículoamanhã.”
Pessoasarrogantesadotamessasestratégiasnosrelacionamentos,assimcomo
em relação a tudo o mais, a fim de evitar a responsabilidade pelos próprios
problemas.Comoresultado, têmrelacionamentos frágeis e superficiais,porque
evitam a dor em vez de promover uma verdadeira apreciação e adoração do
parceiro.
A propósito, isso não vale só para relacionamentos românticos, serve
tambémpararelacionamentosfamiliareseamizades.Umamãedominadora,por
exemplo,assumearesponsabilidadeportodososproblemasquesurgemnavida
dos filhos. A arrogância dela incentiva a arrogância nos filhos, que crescem
acreditandoqueoutraspessoasdevemseresponsabilizarpelosproblemasdeles.
(É por isso que os problemas de relacionamento de um casal são
,assustadoramente semelhantes aos problemas de relacionamento dos pais de
cadaparceiro.)
Quando a responsabilidade por suas emoções e ações está indefinida —
quandonãoestáclaroqueméresponsávelpeloquê,queméculpadodequê,por
que você está fazendo o que está fazendo —, você nunca desenvolve valores
fortesparasimesmo.Seuúnicovalorsetornafazeroparceirofeliz.Ouseuúnico
valorsetornaesperarqueoparceiroofaçafeliz.
Isso é autodestrutivo, é claro. E os relacionamentos com essa característica
costumam despencar como o Hindenburg, com todo o drama a que se tem
direito,fogosdeartifícioetudo.
Ninguémpoderesolverosseusproblemasparavocê.Enemdeveriamtentar,
porque isso não vai fazê-lo feliz. Da mesma forma, você não pode resolver
problemas alheios, porque isso não vai ajudar a fazê-los felizes. Um
relacionamento não saudável é quando duas pessoas tentam resolver os
problemasumdooutroparasesentirbemconsigomesmas.Umrelacionamento
saudável é aquele em que cada um resolve seus problemas para se sentir bem
comooutro.
Definir limitesadequadosnãosignificaquevocênãopodeajudarouapoiar
seu parceiro ou receber ajuda e apoio. Os dois devem se apoiarmutuamente.
Mas que seja por escolha própria, não por se sentirem obrigados a isso ou no
direitodeexigir.
Pessoasarrogantesqueculpamosoutrospelossentimentosruinsepeloque
fazemdeerradoagemassimporacreditarqueopapeldevítimavaiemalgum
momentoatrairalguémparasalvá-las,eassimelasreceberãooamorquesempre
desejaram.
Pessoasarrogantesqueassumemaculpapeloqueooutrosentederuimeo
queooutrofazdeerradoagemassimporacreditarque,ao“consertar”e“salvar”
oparceiro,receberãooamoreoreconhecimentoquesempredesejaram.
Essessãooyineoyangdequalquerrelaçãotóxica:avítimaeosalvador,oque
causa incêndios porque se sente importante fazendo isso e o que apaga os
incêndiosporquesesenteimportantefazendoisso.
Esses dois tipos de pessoas são atraídos fortemente um para o outro e
geralmente acabam juntos. Suas patologias combinam à perfeição. Em geral,
esses indivíduos têm pais que também apresentam uma dessas características.
Dessemodo,seumodelodeumrelacionamento“feliz”ébaseadoemarrogância
elimitesfracos.
Infelizmente, nenhumdos dois consegue satisfazer as necessidades reais do
outro.Naverdade,opadrãoexageradodeculpaeaceitaçãodaculpaqueosdois
adotamperpetuaaarrogânciaeosvaloresrasos,oque,porsuavez,osimpedede
ter suas necessidades satisfeitas. A vítima cria cada vez mais problemas para
seremresolvidos—nãoporquesurjamnovosproblemasreais,masporqueassim
ela ganha atenção e afeto. E o salvador só resolve e resolve sem parar— não
porque realmente se importe com os problemas, mas porque acredita que
fazendo isso vai ganhar atenção e afeto. Ambos os comportamentos têm
motivações egoístas e condicionais e, portanto, são autossabotagem. Nesses
cenários,poucosevivenciaoamorgenuíno.
Se a vítima amassemesmo o salvador, diria: “Olha, este problema émeu e
vocênãoprecisa resolvê-loparamim.Sóprecisoquevocêmeapoie enquanto
vou resolvendo.” Essa seria uma verdadeira demonstração de amor: assumir a
responsabilidadepelosprópriosproblemasenãojogararesponsabilidadeparao
parceiro.
Se o salvador realmente quisesse salvar a vítima, diria: “Olha, você está
culpando os outros pelos seus problemas. Você é quem deve resolvê-los.” E,
embora pareça estranho, essa seria uma verdadeira declaração de amor. Seria
ajudaralguémaseresolver.
Em vez disso, porém, vítimas e salvadores usam um ao outro para obter
euforiasemocionais.Écomoumvícioquesatisfazemmutuamente.Oirônicoé
que, quando se deparam com parceiros emocionalmente saudáveis, em geral
essesindivíduossesentementediadosoualegamnãoter“química”.Odescarte
de indivíduos emocionalmente saudáveis e seguros se dá porque os limites
sólidos desses parceiros não são “empolgantes” o suficiente para estimular
constanteseuforiasnapessoaarrogante.
Para as vítimas, a coisa mais difícil de se fazer neste mundo é se
responsabilizarpor seusproblemas.Elaspassaramavida todaacreditandoque
seu destino está nas mãos dos outros. O primeiro passo para assumir a
responsabilidadeporsimesmaséapavorante.
Para os salvadores, a coisamais difícil de se fazer nestemundo é parar de
tomarproblemasalheiosparasi.Elespassaramavidatodasendovalorizadose
amados quando ajudavam alguém, e abrir mão dessa necessidade de ser
recompensadosporboasaçõestambéméassustador.
Sevocê fazumsacrifíciopor alguémdequemgosta, issodeve ser feitopor
vontadeprópria,nãoporobrigaçãoouportemerasconsequênciasdenãofazê-
lo.Seseuparceirofazumsacrifícioemseunome,quesejaumgestoaltruísta,e
não porque vocêmanipulou o sacrifício pormeio de raiva ou culpa. Atos de
amorsósãoválidosselivresdecondiçõesouexpectativas.
Pode ser difícil reconhecer a diferença entre fazer algo por obrigação ou
voluntariamente.Então,eisumtesteparaosalvador.Pergunteasimesmo:“Se
eume recusasse a fazer esse gesto, o quemudaria no nosso relacionamento?”
Para a vítima, a pergunta seria: “Semeuparceiro se recusasse a fazer algopor
mim,oquemudarianonossorelacionamento?”
Se a resposta é que a recusa causaria uma explosão de drama e pratos
quebrados, émau sinal. Isso sugere que seu relacionamento é condicional, ou
seja, baseado em uma troca de benefícios superficiais, não em uma aceitação
incondicionalmútua(oqueincluiaceitarosproblemasumdooutro).
Pessoascomlimitesfortesnãotêmmedodechiliques,discussõesoutristeza.
Pessoascomlimitesfracosmorremdemedodessascoisasesempremoldarãoo
próprio comportamentopara se adequar aos altos ebaixosdamontanha-russa
emocionaldorelacionamento.
Pessoas com limites fortes entendem que não é razoável esperar que duas
pessoascedamcemporcentoesatisfaçamtodasasnecessidadesumadaoutra.
Pessoascomlimitesfortesentendemqueàsvezespodemferirossentimentosde
alguém,masque,nofimdascontas,nãopodemdeterminarcomoosoutrosse
sentem.Pessoascom limites fortes entendemqueumrelacionamento saudável
nãosebaseiaemumcontrolarasemoçõesdooutro,masemumapoiarooutro
emseucrescimentoindividualenaresoluçãodeseusprópriosproblemas.
Nãosetratadeseimportarcomtudoqueimportaparaseuparceiro,esimde
seimportarcomseuparceiro.Issoéamorincondicional,queridos.
Comoconstruirconfiança
Minha esposa é daquelas que ficam uma eternidade na frente do espelho. Ela
adoraficarlinda,eeutambémadoroqueelafiquelinda(éclaro).
Antes de sairmos à noite, ela emerge do banheiro depois de uma sessão de
umahorademaquiagem/cabelo/roupasetudoomaisqueasmulheresfazemlá
dentro, emepergunta se está bonita. Emgeral, está deslumbrante.De vez em
quando,não.Talvez tenha tentado fazeralgonovonocabelooudecididousar
uma bota que algum designer de moda escandaloso de Milão achou
vanguardista.Sejaqualforomotivo,algumascoisasnãofuncionam.
Quandodigoisso,elaficairritada.Voltaparaoclosetouparaobanheiropara
refazertudoenosatrasarmaismeiahora,soltandoummontedepalavrõeseàs
vezesatédirecionaalgunsparamim.
O estereótipo masculino nessas situações é mentir para deixar a
namorada/esposa feliz. Mas eu não faço isso. Por
,quê? Porque, no meu
relacionamento,honestidadeémaisimportantedoquemesentirbemotempo
todo.Aúltimapessoacomquemeudeveriaterquecensurarminhasopiniõeséa
mulherqueeuamo.
Porsorte,soucasadocomumapessoaqueconcordacomissoeestádispostaa
ouvir o que penso sem censura. Ela também chama atenção para as minhas
babaquices, é claro, umdos traçosmais importantes que elame oferece como
parceira.Meuegoé feridoàs vezes?Sim.Eu reclamoe tentoargumentar,mas
algumashorasdepoisvoltoamuadoeadmitoqueelaestavacerta.E,cara,essa
mulhermetornaumapessoamelhor,mesmoquenahoraeuodeieouviroque
elatemadizer.
Quando a nossa maior prioridade é nos sentirmos bem o tempo todo, ou
semprefazercomqueonossoparceirosesintabem,nofimdascontasninguém
sesentebem.Earelaçãodesmoronasemninguémperceber.
Semconflito,nãopodehaverconfiança.Elesexistemparanosmostrarquem
estáaonosso lado incondicionalmenteequemsóquerosbenefícios.Ninguém
confiaemalguémquesódizsim.SeoPandadaDesilusãoestivesseaqui,elediria
queadordosnossosrelacionamentosénecessáriaparaconsolidaraconfiançae
produzirumaintimidademaior.
Para que um relacionamento seja saudável, ambas as partes devem estar
dispostasesercapazesdedizereouvirnão.Semessanegação,semessaocasional
rejeição,oslimitessequebrameosproblemasevaloresdeumdominamosdo
outro.Portanto,oconflitonãosóénormalcomoabsolutamentenecessárioparaa
manutençãodeumarelaçãosaudável.Seduaspessoaspróximasnãoconseguem
demonstrar suas diferenças de forma aberta e franca, a relação é baseada em
manipulaçãoedistorçãoelogosetornarátóxica.
A confiança é o ingrediente mais importante em um relacionamento, pela
simplesrazãodequesemelaorelacionamentonãosignificanada.Umapessoa
podedizerqueamavocê,quequer ficarcomvocê,que largaria tudoporvocê,
mas se você não confia nela, não se beneficia dessas declarações.Você não se
sente verdadeiramente amado até confiar que esse amor não virá com alguma
condiçãoespecialnembagagemagregada.
Esseéofatormaisdestrutivonatraição.Nãoésóosexo,masaconfiançaque
foi destruída com ele. Sem confiança, o relacionamento não tem mais como
funcionar.Nessepontoéprecisoreconstruí-laoudizeradeus.
Sempre receboe-mailsdegenteque foi traídapelapessoaamada,masquer
continuarcomoparceiroeestáseperguntandocomovoltaraconfiarnele.Sem
confiança,dizemessaspessoas,orelacionamentocomeçouaparecerumfardo,
umaameaçaquedevesermonitoradaequestionada,enãodesfrutada.
Oproblemaéqueamaioriadaspessoasqueépegatraindopededesculpa,usa
o famoso “isso nuncamais vai acontecer” e pronto. É como se órgãos sexuais
estivessem sempre se chocando por acidente. Muitos traídos aceitam essa
resposta logo de cara e não questionam os valores e o que realmente importa
paraseuparceiro;nãoseperguntamseessesfatoresfazemvalerapenaficarcom
ele. Estão tão preocupadas emmanter o relacionamento que não reconhecem
queelesetornouumburaconegroqueconsomeseuamor-próprio.
Seaspessoastraeméporquealgoalémdorelacionamentoémaisimportante
paraelas.Podeseropoderqueexercemsobreosoutros.Podeseranecessidade
deauto-afirmaçãoatravésdosexo.Podeseraentregaaosprópriosimpulsos.Seja
oquefor,éevidentequeosvaloresdequemtrainãoestãoalinhadosdeformaa
sustentarumrelacionamentosaudável.Seotraidornãoadmiteouaceitaisso,se
só dá a velha resposta “não sei o que eu tinha na cabeça”, ele não tem a
autoconsciêncianecessáriapararesolverqualquerproblemadorelacionamento.
Os traidores precisam, portanto, começar a descascar a cebola da
autoconsciência e descobrir quais valores escrotos os levaram a quebrar a
confiança do relacionamento (e se realmente ainda valorizam essa relação).
Precisamsercapazesdedizer:“Eusouegoísta.Eumepreocupomaiscomigodo
que com o meu parceiro; para ser sincero, eu nem respeito muito esse
relacionamento.”Seostraidoresnãoconseguemexpressarseusvaloresdemerda
emostrarqueossuperaram,nãohámotivoparaacreditarquesãoconfiáveis.E
senãosãoconfiáveis,orelacionamentonãovaimelhorarnemmudar.
Outro fatorqueajudaarecuperaraconfiançaébemprático:ohistórico.Se
alguémtrai,aspalavrasquediránasequênciasoarãoagradáveis;masépreciso
enxergar se há um histórico consistente de melhoria no comportamento. Só
então é possível ter certeza de que os valores do traidor estão alinhados
corretamenteequeelerealmentemudará.
Infelizmente,construirumhistóricodeconfiançalevatempo—semdúvida
muito mais que o necessário para quebrá-la. Durante esse período de
reconstruçãodaconfiançaéprovávelqueascoisasfiquemumamerda.Ambasas
partesdevemestarconscientesdabatalhaqueestãoescolhendoencarar.
Eu usei o exemplo da traição em um relacionamento romântico, mas esse
processo se aplica a violações emqualquer relação. Só é possível reconstruir a
confiança se as duas etapas seguintes acontecerem: 1) quem traiu admite os
valoresverdadeirosquecausaramarupturaeosassume,e2)quemtraiuconstrói
um histórico sólido de comportamento melhor ao longo do tempo. Sem o
primeiropasso,nãodevenemhaverumatentativadereconciliação.
A confiança é como um prato de porcelana.Uma vez quebrado, é possível
reconstruí-lo, com algum cuidado e atenção.Duas vezes quebrado, partirá em
maiscacoseconsertá-lolevarámuitomaistempo.Seaoutrapessoacontinuara
quebrá-lo, em algum momento será impossível restaurá-lo. Haverá cacos e
poeirademais.
Aliberdadeatravésdocompromisso
Aculturaconsumista sabemuitobemnos fazerquerermais,mais emais. Sob
todoohypeemarketingestáasugestãodequemaisésempremelhor.Euaceitei
essa ideiadurantemuitos anos.Ganhemaisdinheiro, visitemaispaíses, tenha
maisexperiências,fiquecommaismulheres.
Masnemsempremaisémelhor.Naverdade,oopostoéverdadeiro.Emgeral
ficamos mais felizes com menos. Quando somos sobrecarregados por
oportunidadeseopções,sofremosoqueospsicólogoschamamdeparadoxoda
escolha. Basicamente, quanto mais variáveis, menos satisfeitos ficamos com o
queescolhemos,porquetemosconsciênciadequeperdemosváriasopções.
Então,sevocêescolherumentredois lugaresparamorar,provavelmentese
sentiráconfortáveleconfiantedequefezaescolhacerta.Ficarásatisfeitocoma
suadecisão.
Massetiverumlequedevinteeoitoopçõeseescolheruma,oparadoxoda
escolha diz que provavelmente você passará anos sofrendo e duvidando de si
mesmo, se perguntando se tomou a decisão “correta”, e se está mesmo
maximizandoasuafelicidade.Eessaansiedade,essedesejoporcerteza,perfeição
esucessotraráinfelicidade.
Então,comoagimos?Bem,sevocêforcomoeucostumavaser,evitaescolher
qualquer coisa. Tenta manter suas opções em aberto o máximo de tempo
possível.Evitasecomprometer.
Masemborainvestirprofundamenteemumapessoa,umlugar,umemprego
ouumaatividadepossanosnegaraamplitudedeexperiênciasquegostaríamos,
buscarumaamplitudedeexperiênciasnosnegaaoportunidadedevivenciaras
recompensasdasexperiênciasmaisprofundas.Existemalgumasexperiênciasque
vocêsópodeterdepoisdemorarnomesmolugarporcincoanos,deficarcoma
mesma pessoa por mais de uma década, de passar metade da vida fazendo o
mesmo trabalho. Agora que já passei dos trinta, finalmente reconheço que o
comprometimento, à
,sua maneira, oferece uma gama muito rica de
oportunidades e experiências que nunca estariam disponíveis para mim, não
importaaondeeufosseouoquefizesse.
Quando você tenta ter uma amplitude muito grande de experiências, o
retornoécadavezmenoracadanovaaventura,acadanovapessoaoucoisa.Se
você nunca saiu do seu país, o primeiro país que visita inspira uma imensa
mudança de perspectiva, porque você tem uma base de experiências muito
pequena.Masquandojáesteveemvinte,ovigésimoprimeiroacrescentapouco.
E quando esteve em cinquenta, o quinquagésimo primeiro adiciona ainda
menos.
Omesmovaleparaosbensmateriais,dinheiro,hobbies,empregos,amigose
parceirosromânticos/sexuais—todosvaloresruinsesuperficiaisqueaspessoas
escolhem para si mesmas. Quanto mais velhos ficamos, mais experiência
obtemosemenoscadanovaexperiêncianosafeta.Aprimeiravezemquebebi
emumafestafoiempolgante.Acentésimafoidivertida.Aquingentésimafoisó
umfimdesemananormal.Eamilésimafoichataesemimportância.
Pessoalmente, a grande questão para mim ao longo dos últimos anos foi
minhacapacidadedeaceitarocomprometimento.Escolhi rejeitar tudo,menos
as melhores pessoas, experiências e valores da minha vida. Eliminei todos os
outros projetos profissionais paralelos e decidi me concentrar apenas em
escrever.Desde então,meu site se tornoumaispopulardoque eu jamais teria
imaginado.Eumecomprometiaficarcomumasómulheralongoprazoe,para
aminhasurpresa,acheiissomaisrecompensadorquequalquerumdoscasinhos,
encontrosenoitesdesexocasualquetivenopassado.Assumiumcompromisso
com uma única cidade e passei a cuidarmelhor dasminhas poucas amizades
importantes,genuínasesaudáveis.
Comissodescobrialgoimprovável:existeumaliberdadeeumalibertaçãono
compromisso. Encontrei mais oportunidades e aspectos positivos ao rejeitar
alternativasedistraçõesefavoreceroquemeimportadeverdade.
Ocompromisso libertaporquedeixamosde lado asdistrações comoque é
insignificanteefrívolo.Libertaporquefocanossaatenção,nosdirecionandoao
queémaiseficienteemnos tornar saudáveise felizes.Ocompromisso tornaa
tomadadedecisõesmaisfácileeliminaomedodesairperdendo;sabendoqueo
quevocêjátemébomosuficiente,porqueseestressarbuscandomais,maise
mais? O comprometimento permite que nos concentremos em objetivos
importanteseobtenhamosmaissucessodoqueseriapossívelsemele.
Arejeiçãodasalternativasnosliberta—abrimosmãodaconstantebuscada
amplitude sem profundidade e do que não se alinha aos nossos valores mais
importanteseàsmedidasqueescolhemos.
Sim, é provável que a amplitude de experiências seja necessária e desejável
quandosomosjovens—afinal,precisamosexploraromundoedescobrirnoque
valeapenainvestir.Masaprofundidadeéondeoverdadeirotesouroestá.Para
trazê-loàtonaéprecisocavarfundoeassumirumcompromissocomoquequer
queseja.Issovalepararelacionamentos,carreiraeparaaconstruçãodeumbom
estilodevida—valeparatudo.
9
…Eaívocêmorre
“Busqueaverdadeporsimesmo,eteencontrolá.”
FoiaúltimacoisaqueJoshmedisse.Elefaloucomironia,tentandoparecer
profundo enquanto zombava das pessoas que faziam isso a sério. Ele estava
bêbadoechapado.Eeleeraumbomamigo.
Omomentomais transformadordaminhavidaaconteceuquandoeu tinha
dezenove anos. Josh,meu amigo, tinhame levado a uma festa emum lago ao
norte deDallas, Texas.Havia um condomínio com piscina ao pé da colina, e
depoisdapiscina,umpenhascoencimandoo lago.Eraumpenhascomodesto,
devia terunsdezmetros—altoo suficientepara fazervocêpensarduasvezes
antesdepular,masbaixoobastanteparaacombinaçãocertadeálcoolepressão
dosamigosdissiparessadúvida.
Logo depois de chegar à festa, eu e Josh nos sentamos na beira da piscina,
bebendo cerveja e conversando como garotos revoltados fazem. Falamos de
bebida, garotas e de todas as coisas legais que Josh tinha feito naquele verão
depoisdelargaraescolademúsica.Falamosdetocarjuntosemumabandaede
nosmudarmosparaNovaYork—umsonhoimpossívelnaépoca.
Éramosgarotos.
—Dáparapulardali?—pergunteidepoisdeum tempo,apontandocoma
cabeçaparaopenhascodolago.
—Dá—disseJosh.—Aspessoassemprefazemisso.
—Vocêvaipular?
Eledeudeombros.
—Talvez.Vamosver.
Maistarde,nosseparamosnafesta.Eutinhamedistraídocomumaasiática
lindaquegostavadevideogames,oqueparamim,adolescentenerd,eraquase
comoganharnaloteria.Elanãoestavainteressadaemmim,maseralegaleme
deixoufalar,entãofoiissoqueeufiz.Depoisdealgumascervejas,reunicoragem
paraconvidá-laparairatéacasacomigoecomeralgumacoisa.Elaaceitou.
Nós subimos a colina e esbarramos com Josh, que vinha descendo. Eu
pergunteiseelequeriacomer,maselerecusou.Pergunteiondeeleestavaindo.
—Busqueaverdadeporsimesmo,eteencontrolá!—disseele,sorrindo.
Euassentiefizumacaraséria.
—Ok,tevejolá—respondi,comosetodomundosoubesseexatamenteonde
averdadeestavaecomochegaratéela.
Rindo,Joshfoidescendoacolinaemdireçãoaopenhasco.Euriecontinuei
subindoparacasa.
Nãoseiquantotempofiqueiládentro.Sólembroque,quandoagarotaeeu
saímos, todomundo tinha sumido e havia sirenes. A piscina estava vazia. As
pessoasdesciamacolinacorrendoemdireçãoàmargemsobopenhasco.Muita
gentejáestavapertodaágua.Vialgunscarasnadando.Estavaescuroeeradifícil
enxergar.Amúsicacontinuavatocando,masninguémprestavaatenção.
Ainda sem entender o que tinha acontecido, eu corri para a margem,
comendomeusanduíche,curiosoparasaberoquetodomundoestavaolhando.
—Achoqueaconteceualgumatragédia—disseaasiáticabonita,nametade
docaminho.
Quandochegueiaopédacolina,pergunteiporJosh.Ninguémfaloucomigo
ounotouminhapresença.Todomundoolhavaparaaágua.Pergunteidenovo,e
umagarotacomeçouachorardescontroladamente.
Foiquandoafichacaiu.
Osmergulhadores levaramtrêshorasparaencontrarocorpodeleno fundo
dolago.Maistarde,aautópsiarevelariaqueeleteveumacãibranaspernaspor
causadadesidrataçãocausadapeloálcool,assimcomopeloimpactodosaltode
cimadopenhasco.EstavaescuroquandoJoshpulou,aáguasefundindoànoite,
pretosobrepreto.Ninguémconseguiuidentificardeondevinhamosgritospor
socorro. Sódavaparaouvirumbarulho.Apenas sons.Temposdepois,ospais
delemecontaramqueJoshnadavamuitomal.Eunãofaziaideia.
Leveidozehorasparamepermitirchorar.Estavanocarro,voltandoparacasa
emAustinnamanhãseguinte.Telefoneiparameupaiedissequeaindaestava
perto de Dallas e que ia faltar ao trabalho. (Eu estava trabalhando para ele
naqueleverão.)
—Porquê?—perguntouele.—Oqueaconteceu?Estátudobem?
Efoiaíquecomeçou:ochoro.Urros,gritosemucoescorrendo.Pareiocarro
noacostamento,agarreiocelularechoreicomoummenininhochoranocolodo
pai.
Entrei em depressão profunda naquele verão. Eu achava que já estivera
deprimido antes, mas aquele era um nível completamente novo de falta de
significado — uma tristeza tão profunda que causava dor física. As pessoas
vinham me visitar na esperança de animar a situação, mas eu simplesmente
ficavalásentadoeasouvia,dizendoefazendotodasascoisascertas.Agradecia
portudo,dizendoquetinhasidomuitolegaldapartedelasteremvindo,fingia
um sorriso,mentia e dizia que estavamelhorando,mas por dentro
,não sentia
nada.
Durantealgunsmeses,eusonheicomJosh.Nessessonhos,eueeletínhamos
longasconversassobreavidaeamorte,etambémsobrecoisasaleatóriasinúteis.
Atéaquelepontodaminhavida,eutinhasidoumtípicogarotomaconheirode
classe média: preguiçoso, irresponsável, socialmente ansioso e profundamente
inseguro.Josh,emváriossentidos,eraalguémqueeuadmirava.Eramaisvelho,
maisconfiante,maisexperienteemais toleranteeabertoparaomundoaoseu
redor.Emumdosmeusúltimossonhoscomele,nósestávamosemumaJacuzzi
(eu sei, estranho), e faleialgodo tipo: “Sintomuitoporvocê termorrido.”Ele
riu. Não me lembro exatamente quais foram as palavras, mas ele falou algo
como:“Porquevocêseimportaporeutermorridoseaindatemtantomedode
viver?”Acordeichorando.
Euestavasentadonosofádaminhamãenaqueleverão,olhandoparaonada,
contemplando o interminável e incompreensível vazio onde antes ficava a
amizade com Josh, quando tive a chocante percepção de que, se não havia
motivo para fazer qualquer coisa, também não havia motivo para não fazer.
Percebiqueem faceda inevitabilidadedamortenãoexistemotivoalgumpara
cederaomedo,aoconstrangimentoouàvergonha,jáquetudoissonãopassade
ummontedenadas.Aopassaramaiorpartedaminhacurtavidaevitandooque
eradolorosoedesconfortável,eutinhaessencialmenteevitadoestarvivo.
Naqueleverão, largueiamaconha,oscigarroseosvideogames.Deixeipara
trásasfantasiasidiotasdeserumastrodorock,abandoneiaescolademúsicae
mecandidateiaalgumasuniversidades.Comeceiamalhareemagrecimuito.Fiz
novosamigos.Comeceianamorar.Pelaprimeiraveznavidaeuestudavaparaas
aulas, notando, surpreso, que conseguia tirar boas notas seme esforçasse. No
verão seguinte, me desafiei a ler cinquenta livros de não ficção em cinquenta
dias, e consegui. No ano seguinte, pedi transferência para uma excelente
universidadedooutroladodopaís,ondemedestaqueipelaprimeiravez,tanto
acadêmicaquantosocialmente.
A morte de Josh marca o ponto antes/depois mais claro que consigo
identificarnaminhavida.Antesdessaperdaeuerainibido,nãotinhaambição,
estavasempreobcecadoecontroladopeloqueimaginavaqueomundopensava
demim.Depoisda tragédia,me torneiumanovapessoa: responsável, curioso,
trabalhador. Eu ainda tinha minhas inseguranças e trazia comigo bagagem
emocional—comotodos—,maspasseialigarparaalgomaisimportantedoque
as minhas inseguranças e meu passado. E isso fez toda a diferença. Por mais
estranho que pareça, foi amorte de outra pessoa queme deu permissão para
finalmenteviver.Etalvezopiormomentodaminhavidatambémtenhasidoo
maistransformador.
Amorteassusta.Éporissoqueevitamospensarnela,falardela,àsvezesaté
reconhecê-la,mesmoquandoacontececomalguémpróximo.
Sóque,deumamaneirabizarraeinvertida,amorteéaluzpelaqualasombra
detodoosignificadodavidaémensurada.Semamorte,nadateriaimportância,
todas as experiências seriam arbitrárias, todas as medidas e valores seriam
reduzidosazeronuminstante.
Algoalémdenós
ErnestBeckereraumacadêmicomarginalizado.Em1960,obteveseuPh.D.em
antropologia; sua tese de doutorado comparou as práticas estranhas e pouco
convencionaisdozen-budismoedapsicanálise.Naépoca,obudismoeravisto
como algo para hippies e viciados em drogas, e a psicanálise freudiana era
consideradaumaformacharlatãdepsicologiadaIdadedaPedra.
Emseuprimeirotrabalhocomoprofessor-assistente,Beckerlogoentroupara
umgrupoquedenunciavaapráticadapsiquiatriacomoumaformadefascismo.
Elesaviamcomoumaabordagemleigadeopressãocontraosfracoseindefesos.
OproblemaeraqueochefedeBeckererapsiquiatra.Então, foimeiocomo
entrarnoseuprimeiroempregoeorgulhosamentecompararoseuchefeaHitler.
Comovocêpodeimaginar,Beckerfoidemitido.
O jeito foi levar suas ideias radicais para onde seriam aceitas: Berkeley,
Califórnia.Masissotambémnãoduroumuito.
Porquenãoeramapenasas tendênciasdissidentesquecausavamproblemas
para Becker, mas também o seu método de ensino peculiar. Ele usava
Shakespeareparaensinarpsicologia, livrosdidáticosdepsicologiaparaensinar
antropologiaedadosantropológicosparaensinarsociologia.Elesefantasiavade
rei Lear e simulava lutas de espadas em sala de aula, fazia longos discursos
políticosquetinhampoucoavercomoplanodeaula.Seusalunosoadoravam.
Ocorpodocentesentiaooposto.Menosdeumanodepois,elefoidemitidode
novo.
Então Becker chegou à Universidade Estadual de São Francisco, onde
manteve o cargo por mais de um ano. Quando começaram os protestos
estudantis contra a Guerra do Vietnã, no entanto, a universidade convocou a
GuardaNacionaleascoisasficaramviolentas.QuandoBeckertomouopartido
dosalunosecondenoupublicamenteasaçõesdoreitor (denovoseuchefeera
umaespéciedeHitlercoisaetal),elefoimaisumavezdemitido.
Becker mudou de emprego quatro vezes em seis anos. E, antes que fosse
demitidodoquinto,tevecâncercolorretal.Oprognósticoeraruim.Elepassouos
anos seguintes na cama, com poucas chances de sobreviver. Então decidiu
escreverumlivro.Falariasobreamorte.
Beckermorreuem1974.Anegaçãodamorte ganhouoPrêmioPulitzer e se
tornou uma das obras intelectuais mais influentes do século XX, abalando os
campos da psicologia e da antropologia, aomesmo tempo fazendo profundas
afirmaçõesfilosóficasquecontinuamrelevanteshojeemdia.
Anegaçãodamortedefendedoispontos:
1.Ossereshumanossãoosúnicosanimaiscapazesdeformarconceitosepensar
sobre simesmosdemaneira abstrata.Cachorrosnão ficam sepreocupando
com a carreira. Gatos não pensam em seus erros do passado nem se
perguntam o que teria acontecido se tivessem feito algo diferente.Macacos
nãodiscutemaspossibilidadesdofuturo,assimcomopeixesnãoficamporaí
questionando se os outros peixes gostariam mais deles caso tivessem
barbatanasmaislongas.
Nós,humanos,somosabençoadoscomacapacidadedenos imaginarem
situações hipotéticas, contemplar tanto passado quanto futuro, imaginar
outras realidadesousituaçõesemqueascoisaspoderiamserdiferentes.Eé
porcausadessahabilidadementalúnica,dizBecker,quetodosnós,emalgum
momento, tomamos conhecimento da inevitabilidade da própria morte.
Comosomoscapazesde imaginarversõesalternativasdarealidade, também
somos a única espécie que consegue imaginar uma realidade da qual não
fazemosparte.
Essa percepção causa o que Becker chama de “pavor da morte”, uma
profundaansiedadeexistencialque servedebasepara tudo quepensamos e
fazemos.
2.OsegundopontodeBeckercomeçacomapremissadequetemosdois“eus”.
O primeiro é o eu físico— aquele que come, dorme, ronca e faz cocô. O
segundoéoeuconceitual—anossaidentidade,ouaformacomonosvemos.
O argumento de Becker é o seguinte: todos sabemos que o eu físico vai
acabar morrendo e que a morte é inevitável, e essa inevitabilidade — em
algumnível inconsciente—nosmatademedo.Portanto,paracompensaro
medodainevitávelperdadoeufísico, tentamosconstruirumeuconceitual,
que viverá para sempre. É por isso que as pessoas se esforçam tanto para
colocar seunomeemprédios, estátuas e lombadasde livros.Épor issoque
nos sentimos impelidos a dedicar tanto tempo aos outros, especialmente às
crianças, na esperança de que a nossa influência
,— nosso eu conceitual—
dure muito mais que o físico; na esperança de que seremos lembrados,
reverenciados e idolatrados muito depois que o nosso eu físico deixar de
existir.
Becker chamou esses esforços de nossos “projetos de imortalidade”,
aqueles que permitem que o eu conceitual continue vivo muito depois da
nossa morte física. Toda a civilização humana, diz ele, é basicamente o
resultadodeinúmerosprojetosdeimortalidade:cidades,governos,estruturas
eautoridadesqueexistemhojejáforamprojetosdeimortalidadedemulheres
ehomensquevieramantesdenós.Sãooquerestoudeseresconceituaisque
nãomorreram.NomescomoJesus,Maomé,NapoleãoeShakespearesãotão
poderososhojequantoeramquandoessaspessoasestavamvivas,senãomais.
Eesseéoobjetivoprincipal.Sejaaodominarumaformadearte,conquistar
uma nova terra, obter riquezas ou simplesmente ter uma família grande e
amorosa que continuará a existir por gerações, todo o significado da vida
humanaémoldadoporessedesejoinatodenuncamorrer.
Religião, política, esportes, arte e inovações tecnológicas são o resultado
dos projetos de imortalidade das pessoas. Becker argumenta que guerras,
revoluçõesegenocídiosocorremquandoosprojetosde imortalidadedeum
grupo de pessoas colidem com os de outro. Séculos de opressão e o
derramamento de sangue de milhões de pessoas foram justificados como
sendoumadefesadoprojetodeimortalidadedeumgrupoemdetrimentode
outro.
Mas quando os nossos projetos de imortalidade fracassam, quando o
significado se perde, quando a perspectiva de que o nosso eu conceitual
sobrevivaaofísiconãoparecemaispossívelouprovável,opavordamorte—
essaansiedadehorríveledeprimente—volta.Issopodesercausadoporum
trauma ou por vergonha e ridicularização social. E também, como assinala
Becker,porumadoençamental.
Caso ainda não tenha percebido, nossos projetos de imortalidade são os
valores.Elessãoobarômetrodosignificadoedovalordavida.Quandoesses
valoresfalham,nóstambémfalhamos,emtermospsicológicos.OqueBecker
diz,emresumo,équeomedoimpulsionaaspessoasaseimportaremdemais,
porque se importar com alguma coisa é a única forma de se distrair da
realidadeimplacáveldamorte.Eestarpoucosefodendoparatudoéalcançar
umestadoquaseespiritualdeaceitaçãodaefemeridadedaprópriaexistência.
Nessacondiçãoémuitomenosprovávelserdominadoporvárias formasde
arrogância.
Mais tarde, em seu leito de morte, Becker teve uma percepção
surpreendente:osprojetosdeimortalidadedaspessoaseramoproblema,não
asolução;emvezdetentarimpor,muitasvezesàforça,seueuconceitualao
mundo,aspessoasdeveriamquestionaresseeuesesentirmaisàvontadecom
arealidadedamorte.Beckerchamouissode“oantídotoamargo”,etentouele
mesmoaceitá-loenquantocontemplavaopróprio fim.Emboraamorteseja
ruim,elaéinevitável.Então,nãodevemosevitaressaverdade,esimaceitá-la
damelhor formaquepudermos.Porque,quandonos sentimosconfortáveis
comofatodequevamosmorrer—oterroressencialeaansiedadesubjacente
quemotivamtodasasambiçõesfrívolasdavida—,podemosescolhernossos
valoresmaislivremente,semasrestriçõescausadasporumabuscailógicapela
imortalidade,ficandoassimliberadosdeperigosasvisõesdogmáticas.
Oladobomdamorte
Avançode pedra empedra, subindo compassos firmes, comosmúsculos das
pernas tensos e doloridos. Naquele estado de quase transe derivado de um
esforço físico lento e repetitivo, vou chegando ao topo.O céuparece grande e
profundo. Estou sozinho agora. Meus amigos estão muito abaixo de mim,
tirandofotosdomar.
Finalmente, ultrapasso uma rocha e a vista se abre. Dá para ver até o
horizonteinfinito.Écomoseeuestivessenabordadaterra,ondeaáguaencosta
nocéu,azulsobreazul.Oventosopraforteemminhapele.Euolhoparacima.É
claro.Élindo.
EstounoCabodaBoaEsperança,naÁfricadoSul,antesconsideradoaponta
meridionaldaÁfricaeopontomaisasuldomundo.Éumlugarviolento,cheio
detempestadeseáguastraiçoeiras.Umlugarqueviuséculosdetráfico,comércio
eesforçohumanos.Umlugar,ironicamente,deesperançasperdidas.
Quando dizemos que alguém está dobrando o Cabo da Boa Esperança,
ironicamenteissosignificaqueavidadessapessoaestáemsuafasefinal,queela
nãotemmaiscomorealizarnada.
Euultrapassoaspedrasemdireçãoaoazul,deixandoavastidãoengolfarmeu
campodevisão.Estousuando,massintofrio.Empolgado,masnervoso.Éisso?
O vento bate contra osmeus ouvidos.Não escuto nada,mas vejo a borda:
ondeapedraencontraonada.Paroeficoaliporuminstante,aváriosmetrosde
distância.Vejoomarláembaixo,batendoeespumandocontraospenhascosque
se estendemporquilômetrosde ambosos lados.Asmarés se chocam furiosas
contra as paredes impenetráveis. Bem à frente, a queda é de no mínimo
cinquentametrosatéaágua.
Láembaixo,àminhadireita,turistaspontilhamapaisagem,tirandofotosese
juntandoemformaçõesquasecomoumformigueiro.Àminhaesquerdaestáa
Ásia.Diantedemim,océu,eatrásestátudooquejásonheietrouxecomigo.
Eseforisso?Eseissofortudooqueexiste?
Eu olho em volta. Estou sozinho. Dou o primeiro passo em direção ao
penhasco.
O corpohumanoparece vir equipado comum radarnatural para situações
queenvolvemriscodemorte.Porexemplo,noinstanteemquevocêchegaauns
três metros da borda de um penhasco sem proteção, certa tensão começa a
percorrer seu corpo. Suas costas se enrijecem. Sua pele se arrepia. Seus olhos
ficamhiperfocadosemcadadetalhedoambiente.Parecequeseuspéssãofeitos
de pedra. É como se houvesse umgrande ímã invisível puxando seu corpode
voltaparaasegurança.
Maseulutocontraoímã.Arrastomeuspéspesadosparamaispertodaborda.
Aummetroemeiodedistância,amentesejuntaàfesta.Agoradáparaver
nãosóabordadopenhasco,masoprópriopenhasco,oqueinduztodotipode
visualizaçõesindesejadasdetropeçõesequedaedeseprecipitarparaumamorte
catastrófica.Éaltoparacacete,suamenteressalta.Tipo,altoparacacetemesmo.
Cara,oquevocêestáfazendo?Pare.Volte.
Mandomeucérebrocalarabocaecontinuoavançando.
Amenosdeummetro,seucorpoentraemalertavermelhototal.Agorabasta
umtropeçonocadarçoparadarfimàsuavida.Parecequeumarajadadevento
forte pode jogá-lo naquela eternidade azul bipartida. As pernas tremem. As
mãos.Avoz,casovocêprecisarlembrarasimesmoemaltoebomsomdeque
nãoestáapontodecairparaamorte.
A distância de um metro é o limite absoluto da maioria das pessoas. É
próximoosuficienteparaseinclinarparaafrenteeverabase,masaindalongeo
bastanteparasentirquevocênãocorrenenhumriscorealdesematar.Ficartão
pertodabordadeumpenhasco,mesmoum tão lindoe fascinante comoodo
Cabo da Boa Esperança, causa uma sensação de vertigem e de que você vai
regurgitarqualquerrefeiçãorecente.
Éisso?Issoétudoqueexiste?Jáseitudoquevousaber?
Dououtromicropasso,emaisoutro.Agorasãosessentacentímetros.
Minha perna treme quando apoia o peso do corpo. Eu me arrasto para a
frente. Contra o ímã. Contra minha mente. Contra meus instintos de
sobrevivência.
Faltamtrintacentímetros.Agoraolhodiretamenteparaa facedopenhasco.
Sintoumavontaderepentinadechorar.Meucorpoinstintivamenteseencolhe,
protegendo-se de algo imaginário e inexplicável. O vento émais forte do que
nunca.Ospensamentos
,Na verdade, pessoas indiferentes
cultivamaindiferençaporquenãosabemligarofoda-se.Elasseimportamtanto
comoqueosoutrosachamdoseucabeloquenuncasedãoaotrabalhodelavá-
loepenteá-lo; se importam tantocomoqueaspessoaspensamde suas ideias
queseescondematrásdosarcasmoesecomportamcomoasdonasdaverdade.
Têmmedodedeixarosoutrosseaproximarem,entãoseconvencemdequesão
floquinhosdeneveespeciaiseúnicos,comproblemasqueninguémentenderia.
Pessoasindiferentestêmmedodomundoedarepercussãodesuasescolhas.É
por isso que não tomam decisões importantes. Escondem-se no apático poço
cinzentodeegocentrismoeautopiedadequecriaram,distraindo-seeternamente
dessacoisainsuportávelchamadavida,queexigetantotempoeenergia.
Porqueexisteumaverdadesecretasobreavida:é impossível ligaro foda-se
paraela.Comalgumacoisaagentetemqueseimportar.Épartedanossanatureza
seimportarcomascoisase,portanto,nãorecorreraofoda-se.
Sendo assim, a pergunta é: com o que se importar? Como escolher o que
importa?Ecomoligarofoda-separatodooresto?
Há pouco tempo, um amigo da minha mãe roubou uma boa quantia de
dinheirodela.Seeufosseindiferente,teriadadodeombros,tomadoumgoledo
meucappuccinoebaixadomaisumatemporadadeTheWire.Quepena,mãe.
Mas não; eu fiquei indignado. Fiquei furioso. Eu falei: “Vamos atrás dele e
meterumprocessonessefilhodaputa.Comoassimporquê?Quesefoda!Vou
acabarcomavidadessecaraseforpreciso.”
Essasituaçãoilustraaprimeirasutilezadofoda-se.Quandodizemos:“Nossa,
cuidado, oMarkManson está pouco se fodendo”, não estamos dizendo que o
MarkMansonnãoligaparanada.Pelocontrário:estamosdizendoqueoMark
Mansonnãoestánemaíparaosobstáculosqueoseparamdeseusobjetivos,não
quer saber se vai irritar algumas pessoas para fazer o que considera certo,
importanteounobre.EstamosfalandoqueoMarkMansonéotipodecaraque
escreve sobre si mesmo na terceira pessoa só porque quer. Ele está pouco se
fodendo.
Issoéomaisadmirável.Não,nãoeu, seu tonto—oconceitodesuperaras
adversidadeseadisposiçãodeserdiferente,excluído,umpária,tudoemnome
dos valores pessoais. A capacidade de encarar o fracasso de peito aberto. É
admirávelquemligaofoda-separaosproblemas,paraasderrotas,paraorisco
de fazer papel de bobo ou de se darmal algumas vezes.Quem ri do perigo e
segue em frente. Porque sabe que é certo. Sabe que émais importante que si
mesmo, mais importante que seus sentimentos, seu orgulho e seu ego. Essas
pessoasnãodizem“foda-se”paratudonavida,esimparatudoqueédispensável
navida.Elasguardamsuapreocupaçãoparaoquerealmenteimporta.Amigos.
Família.Objetivos.Pizza.Eumprocessojudicialdevezemquando.(Eporisso,
porelasreservaremseus“foda-se”paraoquenãoimporta,osoutrospassamase
importarcomelas.)
Porqueeisoutraverdadesecretasobreavida:nãotemcomoserimportantee
transformadorparaalgumaspessoassemserumapiadaeumconstrangimento
paraoutras.Éimpossível,porquenãoexisteausênciadeadversidade.Nãoexiste
epronto.Dizemque,aondequerquevocêvá,háumatoneladadeadversidadese
fracassos esperando.Essenãoéoproblema.A ideianãoé fugirdasmerdas.É
descobrircomqualtipodemerdavocêpreferelidar.
Sutilezano2:Sequiserligarofoda-separaasadversidades,primeiro
vocêprecisaseimportarcomalgomaisimportantequeelas.
Imaginequevocêestánosupermercadoevêumasenhorinhagritarcomocaixa,
reclamando que tinha visto um produto na promoção por trinta centavos a
menos.Porqueseimportarcomisso?Sãosótrintacentavos.
Vouexplicar:aquelasenhoranãodeve ternadamelhorpara fazercomseus
diasalémdeficaremcasacatandopromoçõesnojornal.Elaévelhaesolitária.
Osfilhossãounsescrotosquenuncaavisitam.Elanãotransahámaisdetrinta
anos. Não consegue peidar sem sentir uma dor horrorosa na lombar. Sua
aposentadoria não dá para nada, e ela provavelmente vai morrer de fralda
achandoqueestánaTerradasFadas.
Então, ela coleciona promoções. É tudo que essa senhora tem. Só ela e os
encartesdepromoções.Ésócomissoqueelaseimporta,porquenãoexistemais
nada com que se importar. Assim, quando aquele caixa entediado se recusa a
validarapromoção,quandodefendeapurezadesuacaixaregistradoracomoos
cavaleirosmedievais defendiam a virgindade das donzelas, pode apostar que a
vovóvaientraremerupção.Oitentaanosdefrustraçãovãodesmoronardeuma
vez, uma furiosa tempestade de “Na minha época” e “Ninguém mais tem
respeito”.
O problema das pessoas que se agarram a qualquer banalidade como se
daquilodependessesuamalditavidaéqueelasnãotêmmaisnadainteressante
comqueseimportar.
Se você estiver sempre dando importância demais para tudo quanto é
coisinha (a nova foto que seu ex postou, as pilhas do controle remoto que
acabaram de novo, a promoção de sabonete líquido que você perdeu), é bem
possívelque suavida estejaummarasmoe vocênão tenhanada legítimocom
queseimportar.Esseéseuverdadeiroproblema.Nãoosabonetelíquido.Nãoo
controleremoto.
Umavez,ouviumartistadizerquequandoumapessoanãotemproblemasa
menteautomaticamenteencontraumjeitodeinventaralguns.Ameuver,oque
algumas pessoas— sobretudo gente branca, culta emal-acostumada de classe
média — consideram “problemas da vida” são na verdade apenas efeitos
colateraisdenãoternadamaisimportantecomquesepreocupar.
Daí seconcluiqueencontraralgo importantee significativoparaa suavida
talvezsejaousomaisprodutivodeseutempoesuaenergia.Porque,sevocênão
encontrar algo relevante de verdade, vai se importar com causas frívolas que
mereciamumgrandefoda-se.
Sutilezano3:Percebavocêounão,estamos sempreescolhendooque
realmenteimporta.
Não nascemos com o botão do foda-se ligado. Na verdade, nascemos com o
botão funcionando ao contrário: nos importando com tudo. Nunca viu uma
criançasedescabelandodechorarporqueotênisédotomerradodeazul?Poisé.
Foda-seessacriança.
Quando somos jovens, tudo é novo e empolgante, e tudo parece
absurdamentesignificativo.Aídamosimportânciaatudo.Ligamosparatudoe
todos: o que estão falando de nós, ou se aquele garoto ou garota vai ligar, se
estamos usando meias do mesmo par, de que cor são nossos balões de
aniversário.
Conforme envelhecemos, com o benefício da experiência (e depois de ver
tanto tempo passar), começamos a notar que grande parte dessas coisas não
interfere em nada em nossa vida.Nem convivemosmais com aquelas pessoas
quetantotentávamosimpressionar.Rejeiçõesdolorosassemostrarampositivas
depois. Percebemos que mal reparam em nossos detalhes superficiais, então
decidimosnãopensardemaisneles.
Basicamente,nossadisposiçãoemocionalsetornamaisseletiva.Issosechama
maturidade.Élegal.Vocêdeveriaexperimentarqualquerdiadesses.Maturidade
éoqueacontecequandoaprendemosa só ligarparaoquevaleapena.Como
disseBunkMorelandparaoparceiro,odetetiveMcNulty,emTheWire(queeu
baixeimesmo, foda-se): “É issooquevocêganhapor se importarquandonão
estavanasuavez.”
Então, quando envelhecemos e chegamos à meia-idade, outra mudança
acontece. O nível de energia cai. A identidade se consolida. Sabemos quem
somosenosaceitamos,mesmooquenãoélámuitobacana.
E,pormaisestranhoquepareça, issoélibertador.Não
,sãocruzadosdedireitanomeiodacara.
Atrintacentímetros,vocêsesenteflutuar.Senãoolharparabaixo,pareceque
fazpartedocéu.Aessaaltura,vocêesperacair.
Ficoaliagachadoporummomento,recuperandoofôlego,organizandomeus
pensamentos.Eume forçoaolharparaaáguabatendonaspedras láembaixo.
Entãoolhooutravezparaadireita,paraasformiguinhasandando,tirandofotos,
correndoparaônibusturísticos,pensandonachanceimprováveldequealguém
me veja. Esse desejo por atenção é completamente irracional,mas tudo o que
estou passando também é. É impossível que alguémme veja aqui em cima, é
claro. E, mesmo que não fosse, aquelas pessoas distantes não poderiam dizer
nemfazernada.
Sóouçoovento.
Éisso?
Meucorpoestremece,omedosetornaeuforiaeofuscação.Eumeconcentro
e esvazio amente, em uma espécie demeditação.Nada nos deixa presentes e
conscientes como estar a poucos centímetros damorte. Eume endireito, olho
paraafrenteoutravezemepegosorrindo.Lembroamimmesmoquemorrer
nãoéumproblema.
***
Essainteraçãointencionaleatéexuberantecomaprópriamortalidadetemraízes
antigas. Os estoicos da Grécia e da Roma antigas imploravam às pessoas que
tivessem amorte sempre emmente, de forma a apreciar a vida e permanecer
humildes diante das adversidades. Em várias formas de budismo, a prática da
meditação é ensinada como um meio de se preparar para a morte em vida.
Dissolveroegoemumgrandenada—alcançaroestadoiluminadodonirvana
—évistocomoumtesteparaapassagemaooutrolado.AtéMarkTwain,aquele
malucocabeludoquechegouefoiemboranoCometaHalley,disse:“Omedoda
mortevemdomedodavida.Umhomemqueviveplenamenteestápreparado
paramorreraqualquermomento.”
***
Devoltaaopenhasco,eumeabaixoemeinclinoparatrás.Colocoasmãosno
chãoatrásdemimemesento lentamente.Depoispassoumapernapelaborda
dopenhasco.Háumapequenaprotuberâncianalateral.Apoioopénela.Então
passoooutropépelabordaeoapoionamesmapedra.Ficoalisentadoporum
tempo,apoiadonaspalmasdasmãos,oventobagunçandoomeucabelo.Agora
aansiedadeésuportável,desdequeeupermaneçafocadonohorizonte.
Entãomeendireitoeolhooprecipíciodenovo.Omedodisparapelaminha
coluna,eletrizandobraçosepernasefazendomeucérebrofocarnascoordenadas
exatas de cada centímetro do meu corpo. Em dados momentos o medo é
sufocante.Mas,cadavezqueissoacontece,esvazioamente,concentroaatenção
no fundo do penhasco, me forço a olhar para a minha potencial morte e
simplesmentereconheçoasuaexistência.
Euestavasentadoàbeiradomundo,napontamaismeridionaldaesperança,
naportade entradaparaoOriente.Uma sensação incrível. Sinto a adrenalina
pulsar pelo meu corpo. Ficar tão quieto, tão consciente, nunca foi tão
emocionante.Escutoovento,observoomareolhoparaosconfinsdaterra—
entãorioporcausadaluz,etudoqueelatocaébom.
***
Enfrentararealidadedanossamortalidadeéimportanteporqueeliminatodosos
valoresruins,frágeisesuperficiaisdavida.Enquantoamaioriadaspessoaspassa
os dias buscando um poucomais de dinheiro, ou um poucomais de fama e
atençãoouumpoucomaisdecertezadequeestácertaouéamada,amortenos
confronta com uma questão muito mais dolorosa e importante: qual é o seu
legado?
Quemarcavocêdeixaráaopartir?Terátornadoomundodiferenteemelhor?
Qual influência terá causado?Dizemqueobaterde asasdeumaborboletana
ÁfricapodecausarumfuracãonaFlórida;poisbem,quefuracãosuapassagem
pelomundocausará?
ComoBeckerdestacou,estaéaúnicaquestãoverdadeiramenteimportanteda
vida,mas evitamos pensar nela. Primeiro, porque é difícil. Segundo, porque é
assustador.Eterceiro,porquenãosabemosoqueestamosfazendo.
E quando evitamos essa questão, deixamos valores triviais e odiosos
dominaremnossocérebroeassumiremocontroledenossosdesejoseambições.
Se não reconhecemos o olhar sempre presente da morte, o superficial parece
importante e o importante parece superficial. A morte é nossa única certeza.
Portanto, deve ser a bússola pela qual orientamos todos os nossos valores e
decisões.Amorteéarespostacertaparatodasasperguntasquedevemosfazer,
masnuncafazemos.Oúnicojeitodesesentirconfortávelcomelaésevercomo
algo maior que você mesmo; escolher valores que não servem só aos seus
interesses, valores que sejam simples, imediatos, controláveis e tolerantes ao
mundo caótico que o rodeia. Esta é a raiz da felicidade. Esteja você dando
ouvidos ao que diz Aristóteles, os psicólogos de Harvard, Jesus Cristo ou os
Beatles,todospregamqueafelicidadeadvémdamesmacoisa:seimportarcom
algomaiordoquevocê,acreditarquevocêéumcomponentequecontribuipara
umcontextomuitomaior,queasuavidanãopassadepartedoprocessodeuma
grande produção ininteligível. É para ter essa sensação que as pessoas vão à
igreja;éporissoquelutamemguerras;éporelaquecriamfamílias,economizam
aposentadorias,constroemponteseinventamcelulares:poressasensaçãofugaz
defazerpartedealgomaioremaismisteriosodoqueelas.
Aarrogânciatiraissodenós.Agravidadedessaposturaatraitodaaatenção
para dentro, para nósmesmos, fazendo parecer quenós estamos no centro de
todososproblemasdouniverso,quenós somososúnicosque sofrem todas as
injustiças,quesomosnósquemerecemosagrandeza,enãoosoutros.
Por mais atraente que seja, a arrogância nos isola. A nossa curiosidade e
empolgaçãopelomundoseviracontrasimesmaerefletenossospreconceitose
projeções em todas as pessoas que conhecemos, em todos os eventos que
vivenciamos. Isso é sexy e sedutor. Pode ser agradável por um tempo e vende
muitosingressos,maséumvenenoespiritual.
São essas dinâmicas que nos afligem hoje em dia. Estamos muito bem no
planomaterial,mastambém,deinúmerasmaneirasbaixasesuperficiais,muito
atormentados no psicológico. As pessoas renunciam a todas as
responsabilidades, exigindo que a sociedade cuide dos seus sentimentos e
sensibilidades.Aspessoasseapegamacertezasarbitráriasetentamimpô-lasaos
outros,muitasvezescomviolência,emnomedealgumacausajustaimaginária.
Eufóricasporumasensaçãodefalsasuperioridade,aspessoascaemnainérciae
naletargiapormedodetentarefracassaremalgoquevalhaapena.
A mente moderna, mimada, resultou em indivíduos que se sentem
merecedores de algo sem se esforçar, que sentem ter direito a algo sem se
sacrificar. As pessoas se declaram especialistas, empresários, inventores,
inovadoresetreinadoressemqualquerexperiênciarealdevida.Nãofazemisso
porque realmente seachammelhores que os outros; fazemporque achamque
precisam ser incríveis para serem aceitos em um mundo que só divulga o
extraordinário.
Anossaculturaatualconfundeatençãocomsucesso,presumindoquesãoa
mesmacoisa.Masnãosão.
Vocêjáéincrível,percebavocêounão.Mesmoqueosoutrosnãopercebam.
Não porque lançou um aplicativo para iPhone, terminou a faculdade um ano
antesoucomprouumbarcosensacional.Essascoisasnãodefinemagrandeza.
Vocêjáéincrívelporquemesmodiantedaconfusãoinfinitaedamortecerta,
continuaaescolhercomoqueseimportaounão.Essesimplesfato,essasimples
maneiradeescolherquaisserãoseusvaloresnavida,jáfazdevocêumindivíduo
lindo, já o torna bem-sucedido, e já o torna amado. Mesmo que você não
perceba.Mesmoqueesteja
,dormindonasarjetaemorrendodefome.
Vocêtambémvaimorrer,massóporqueteveasortedeviver.Podenãosentir
isso agora,mas experimente ficarnabeiradeumpenhasco algumdia e talvez
consiga.
Bukowski escreveu: “Todos vamos morrer, todos nós. Que circo! Só isso
deveria nos fazer amaruns aos outros,masnão. Ficamos apavorados e somos
esmagadospelastrivialidadesdavida;somosconsumidospelonada.”
Relembro aquela noite no lago, quando vi o corpo domeu amigo Josh ser
tiradodaáguapelosparamédicos.LembroqueolheiparaanoitepretadoTexas
evimeuego sedissolver lentamentenela.Amortede Joshmeensinoumuito
maisdoquepercebiaprincípio.Sim,meajudouaaproveitarodia,aassumira
responsabilidade pelas minhas escolhas e a buscar meus sonhos com menos
vergonhaeinibição.
Masessas foramconsequênciasdeuma liçãomaisprofundae fundamental.
Que foi a seguinte: não há nada a temer. Nunca. E pensar naminha própria
morteaolongodosanos—sejaatravésdameditação,lendofilosofiaoufazendo
umaloucuracomoficarnabeiradeumpenhasconaÁfricadoSul—foiaúnica
coisaquemeajudouamanter essa liçãoemmente.Essaaceitaçãoda finitude,
essa compreensão da minha própria fragilidade tornou tudo mais fácil.
Esclarecer a origemdosmeus vícios, identificar e enfrentarminha arrogância,
aceitar a responsabilidade pelos meus problemas, vencer meus medos e
incertezas, admitirmeus fracassos e aceitar rejeições: tudo ficoumais leve por
causadaminhaclarezasobreamorte.Quantomaisolhoparaaescuridão,mais
clara a vida fica, quanto mais quieto o mundo se torna, menos resistência
inconscientesintoemrelaçãoa…tudo.
***
Fico ali sentado no Cabo por alguns minutos, absorvendo tudo. Quando
finalmente decido me levantar, coloco as mãos para trás e me arrasto.
Lentamentelevanto.Verificoochãoaoredorembuscadequalquerpedrasolta
prontaparamesabotar.Reconhecendoqueestouseguro,começoavoltarparaa
realidade—ummetro, ummetro emeio—,meu corpo vai se restaurando a
cadapasso.Meuspésficammaisleves.Deixooímãdavidamepuxar.
Quandopassoporcimadealgumaspedras,devoltaàtrilhaprincipal,ergoo
rostoevejoumhomemmeolhando.Euparoeoencaro.
—Hum.Euvivocêsentadolánaborda—dizele.
Sotaqueaustraliano.EleapontaparaaAntártica.
—É.Avistaémaravilhosa,nãoé?
Eusorrio.Ele,não.Estácomumacaraséria.
Limpo as mãos na bermuda, ainda com o corpo vibrando por causa da
entregaquetinhaacabadodevivenciar.Faz-seumsilêncioconstrangedor.
O australiano fica ali paradopor um instante, perplexo, aindameolhando.
Depoisdeummomento,eleachaaspalavras:
—Estátudobem?Comovocêestá?
Façoumapausa,aindasorrindo.
—Vivo.Muitovivo.
Oceticismodeleenfimcedeeabrecaminhoparaumsorriso.Eleassentede
leveecomeçaapercorrera trilha.Fico láemcima,olhandoavista,esperando
meusamigoschegaremaotopo.
Agradecimentos
Estelivroestavaumabagunçanoinícioeprecisavademaisqueapenasminhas
mãosparaviraralgocompreensível.
Antes de tudo, agradeço a minha brilhante e linda esposa, Fernanda, que
nuncahesitaemmedizer“não”quandomaispreciso.Alémdemetornaruma
pessoa melhor, seu amor incondicional e seu feedback constante durante o
processodeescritaforamindispensáveis.
Ameuspais,poraturaremminhaspalhaçadastodosessesanosecontinuarem
ameamarmesmoassim.Achoquesómetorneicompletamenteadultodepois
queentendiváriosconceitosdestelivro.Nessesentido,foiumaalegriaconhecer
vocês na condição de adulto nos últimos anos. Meu irmão também: nunca
duvidodoamoredorespeitomútuosqueexistementrenós,mesmoqueàsvezes
eufiquetristeporvocênãoresponderàsminhasmensagens.
APhilipKempereDrewBirnie,doiscérebros incríveisqueconspirampara
fazer o meu parecer muito melhor do que é na verdade. O empenho e a
inteligênciadevocêssempremedeixamperplexo.
AMichaelCovell,portestarmeuslimitesintelectuais,principalmentequando
oassuntoéentenderpesquisasnocampodapsicologia,eporsempreconfrontar
as minhas suposições. A meu editor, Luke Dempsey, por aprimorar minha
escrita de forma implacável e por, talvez, falar aindamais palavrões que eu.A
minha agente,MollieGlick, porme ajudar a definir o conceito do livro e por
levá-loa lugaresmuitomaisdistantesdoque imaginei.ATaylorPearson,Dan
Andrews e Jodi Ettenburg, por seu apoio durante todo o processo; vocês três
mantiveramminhasanidadeeresponsabilidade,asduasúnicascoisasdequeum
escritorprecisa.
E,finalmente,aosmilhõesdepessoasque,seja láporquê,decidiramlerum
idiotadesbocadodeBostonqueescrevesobreavidaemumblog.Aenxurradade
e-mailsquerecebidealgunsdevocês,dispostosaabriroscantosmaisíntimosda
suavidaparamim,umcompletodesconhecido,éaomesmotempoumahonrae
uma inspiração. A esta altura da vida, já passei milhares de horas lendo e
estudando esses assuntos,mas vocês continuam sendominha verdadeira fonte
deaprendizado.Obrigado.
Sobreoautor
©FernandaNeute
MARKMANSONnãotemmeandrosoumeiaspalavras.Comumestilohonesto,
divertido e incrivelmente perspicaz, ele se tornou popular escrevendo em seu
blogoqueaspessoasrealmenteprecisamouvir,poissó issofuncionaparanos
fazer evoluir pessoal e profissionalmente. O autor mora em Nova York, nos
EstadosUnidos.
markmanson.net
https://markmanson.net/
Leiatambém
Oegoéseuinimigo
RyanHoliday
Alinha
KeriSmith
http://www.intrinseca.com.br/catalogo
http://www.intrinseca.com.br/catalogo
Comonãoserumbabaca
MeghanDoherty
Alucinadamentefeliz
JennyLawson
http://www.intrinseca.com.br/catalogo
http://www.intrinseca.com.br/catalogo
Capa
Folha de rosto
Créditos
Mídias sociais
Sumário
CAPÍTULO 1: Nem tente
O Círculo Vicioso Infernal
A sutil arte de ligar o foda-se
Mas então, Mark, para que serve essa droga de livro, afinal?
CAPÍTULO 2: A felicidade é um problema
As desventuras do Panda da Desilusão
Felicidade é resolver problemas
Sentimentos não são tudo isso que você pensa
Escolha suas batalhas
CAPÍTULO 3: Você não é especial
Um dia a casa cai
A tirania do excepcionalismo
M-m-mas, se eu não vou ser especial nem extraordinário, qual é a graça?
CAPÍTULO 4: O valor do sofrimento
A cebola da autoconsciência
Problemas de rockstar
Valores escrotos
Definindo valores bons e ruins
CAPÍTULO 5: Você está sempre fazendo escolhas
A escolha
A falácia da responsabilidade/culpa
Reagindo à tragédia
A genética aleatória
Injustiça chique
Não existe caminho
CAPÍTULO 6: Você está errado em tudo (eu também)
Arquitetos de nossas próprias crenças
Cuidado com suas crenças
Os perigos da certeza absoluta
A Lei da Evasão de Manson
Se mate
Como ser um pouco menos seguro de si
CAPÍTULO 7: Fracassar é seguir em frente
O paradoxo do fracasso/sucesso
Dor faz parte do processo
O princípio do “Faça alguma coisa”
CAPÍTULO 8: A importância de dizer não
Rejeição faz bem
Limites
Como construir confiança
A liberdade através do compromisso
CAPÍTULO 9: … E aí você morre
Algo além de nós
O lado bom da morte
Agradecimentos
Sobre o autor
Leia também
,precisamosmaisnos
importar com tudo. A vida é assim. E nós a aceitamos, com defeitos e tudo.
Percebemosquenuncavamosdesenvolveracuraparaocâncer,nuncairemosà
Lua nem sairemos com a Jennifer Aniston. E tudo bem. Vida que segue.
Passamosareservarnossapreocupaçãocadavezmaisescassaaoquerealmente
merece atenção: família, melhores amigos, pontuação no golfe. E, para nossa
perplexidade, isso basta. Na verdade, ficamos felizes pra cacete depois dessa
simplificação, e por umbom tempo. E começamos a pensar que talvez aquele
bêbadomalucodoBukowskisoubessedoqueestavafalando.Nemtente.
Masentão,Mark,paraqueserveessadrogadelivro,afinal?
Estelivrovaiajudarvocêapensarumpoucomaisclaramentesobreoqueelege
comoimportantenasuavidaeoqueconsiderainsignificante.
Acreditoqueestamosenfrentandoumaepidemiadecegueirapsicológicaque
fazaspessoasnãoenxergaremqueénormalascoisasdaremerradodevezem
quando. Sei que parece ser simplesmente preguiça intelectual,mas juro que é
quaseumaquestãodevidaoumorte.
Porque,quandoacreditamosquenadadeveriadarerrado,inconscientemente
começamosanosculpar.Começamosadesconfiarquetemalgumacoisaerrada
comagente,oquenoslevaatodotipodeabsurdonatentativadereverterisso,
como comprar quarenta pares de sapatos, tomar calmante com vodca numa
noitedeterça-feiraouatirarnumônibusescolarcheiodecriancinhas.
Essacrençadequenãoconseguirumacoisaououtraéumproblemaacaba
alimentando o crescente Círculo Vicioso Infernal, que ameaça dominar nossa
cultura.
Aideiadeligarofoda-seéumjeitosimplesdereorientarnossasexpectativas
e descobrir o que é ou não importante na vida. Quando desenvolvemos essa
habilidade, experimentamos o que considero uma espécie de “iluminação
prática”.
Não,nãoaquela iluminaçãobabaca e idealistadoêxtase eternoedo fimde
toda a dor. Eu vejo a iluminação prática como a possibilidade de se sentir
confortávelcomaideiadequeumpoucodesofrimentoésempreinevitável—
que, por mais que nos esforcemos, a vida é feita de fracassos, perdas,
arrependimentos e atémorte. Quando você passa a se sentir confortável com
todaamerdaqueavida joganasuacara(eaindavairolarmuitamerda,pode
acreditar), você se torna invencível, num sentido levemente (bem levemente)
espiritual.Afinaldecontas,oúnicojeitodesuperaradoréaprenderasuportá-
la.
Este livroestápoucose fodendoparaoalíviodosseusproblemasoudasua
dor,eéexatamenteporissoquevocêvaiperceberqueoqueestáescritoaquié
verdade.Estelivronãoéumguiaparaagrandeza—nãopoderiaser,porquea
grandezaéapenasuma ilusãocriadapelanossamente,umdestino fictícioque
nosobrigamosabuscar,nossaAtlântidapsicológica.
Esse método vai transformar sua dor numa ferramenta; seu trauma, em
poder; seus problemas, em problemas ligeiramentemenores. Isso já é alguma
coisa.Pensenestelivrocomoumguiaparaosofrimento,queensinaasofrerda
melhorforma,commaissignificado,maiscompaixãoemaishumildade.Aideia
équevocêtenhaumavidamaisleveapesardosfardosquecarrega,queconviva
melhorcomseusmaioresmedoseriadaslágrimasenquantochora.
Estelivronãovaiensiná-loasubirnavidaoualcançarseusobjetivos,esima
errareperdersemsedestruirporisso.Vaiensiná-loafazeruminventáriodesua
vida, identificar os itens mais importantes e então eliminar todo o resto. Vai
ensiná-loafecharosolhoseconfiarqueépossívelescorregarenãosofrernada
grave. Vai ensiná-lo a direcionar sua atenção para evitar desperdiçá-la. Vai
ensiná-loanemtentar.
2
Afelicidadeéumproblema
Háunsdoismilequinhentosanos,numpaláciolocalizadonosopéhimalaiodo
atual Nepal, vivia um rei que seria pai. O rei tinha um objetivo bastante
grandiosoparaofilho:tornaravidadacriançaperfeita.Omeninonãopassaria
por um único momento de dor, todas as suas necessidades e todos os seus
desejosseriamatendidosprontamente.
Oreimandouqueconstruíssemmurosaltosaoredordopalácio,paraqueo
príncipejamaisconhecesseomundoláfora.Elemimavaomenino,cobrindo-o
de comida e presentes, cercando-o de servos que atendiam a todos os seus
caprichos. Como planejado, a criança cresceu alheia à crueldade habitual da
existênciahumana.
Toda a infância do menino foi assim. Mas, apesar do luxo e opulência
infinitos, o príncipe se tornou um jovem meio estressado. Em pouco tempo,
todas as experiências lhe pareciam vazias e sem valor. Pormais que o pai lhe
desse,nadaerasuficienteenuncasignificavanada.
Até que, certa madrugada, o príncipe saiu do palácio às escondidas, para
descobriroquehaviaalémdosmuros.Eleordenouqueumcriadooconduzisse
pelovilarejolocal,eoqueviudeixouorapazhorrorizado.
Pela primeira vez na vida, o príncipe conheceu o sofrimento. Viu doentes,
velhos,desabrigados,sofredoreseatémortes.
Opríncipevoltouaopalácioeentrounumaespéciedecriseexistencial.Sem
sabercomolidarcomoquetinhavisto, ficoutodoemoereclamão.E,comoé
típicodosjovens,acabouculpandoopaiexatamenteportudoqueoreitentara
fazerporele.Asriquezas,concluiuopríncipe,eramoqueotinhamdeixadotão
infeliz,impedindo-odeencontrarsentidonavida.Eledecidiufugir.
Opríncipesónãocontavaquefossetãoparecidocomopai:eletambémtinha
ideias grandiosas. Assim, decidiu não só fugir como também abrir mão da
nobreza, da família e de todas as posses para viver nas ruas, dormindo na
imundíciecomoumanimal.Nas ruas, elepassaria fome, sofreriaemendigaria
porcomidapelorestodavida.
Nanoite seguinte,opríncipe saiuescondidodenovo,destavezparanunca
mais voltar. Durante anos ele viveu como mendigo, um refugo descartado e
esquecido da sociedade, o cocô de cachorro grudado no sapato da hierarquia
social. E, como planejado, o príncipe sofreumuito. Enfrentou doenças, fome,
dor,solidãoefraqueza.Ficouàbeiradamorte,muitasvezessobrevivendoodia
inteirocomumaúnicanoz.
Alguns anos se passaram. E mais outros. Até que… nada aconteceu. O
príncipe percebeu que aquela vida de provações não era aquilo tudo que
prometia.Nãolevavaasuadesejadailuminação.Nãorevelavanenhummistério
maisprofundoarespeitodomundooudopropósitodavida.
Emoutraspalavras,opríncipepercebeuoquetodomundomeioquejásabia:
sofreréumamerda,enãonecessariamentesetraduzemalgosignificativo.Seja
na riqueza ou na pobreza, não existe valor no sofrimento quando não há um
propósito.Daífoiumpuloparaopríncipechegaràconclusãodequesuaideia
tãograndiosa,assimcomoadopai,eraumabelabosta,edequeeledeveriafazer
outracoisadavida.
Muitoconfuso,opríncipeselimpoue,encontrandoumagrandeárvoreperto
dorio,decidiusesentaràsombraesóse levantarquandotivesseoutragrande
ideia.
Rezaa lendaqueopríncipeconfusoficoudebaixodaárvoreporquarentae
novedias.Nãovamosentrarnaquestãodaviabilidadebiológicadeficarsentado
nomesmolugarporquarentaenovedias;digamosqueduranteesseperíodoo
príncipefoitocadopordiversasverdadesmuitoprofundas.
Umadelasfoiaseguinte:avidaemsijáéumaformadesofrimento.Osricos
sofremporseremricos.Ospobressofremporserempobres.Pessoassemfamília
sofrempornãoteremfamília.Pessoascomfamíliasofremporcausadafamília.
Pessoas que buscam os prazeres mundanos sofrem por causa dos prazeres
mundanos. Pessoas que se abstêm dos
,prazeres mundanos sofrem por se
absterem.
Issonãosignificaquetodosofrimentosejaigual.Semdúvida,algunssãomais
dolorososqueoutros,masmesmoassimtodossofremos.
Anos depois, o príncipe formularia toda uma nova filosofia de vida e a
transmitiriaaomundo,eesteseriaoprincípiocentral:devemosparardetentar
resistir à dor e à perda, pois são inevitáveis.O príncipe se tornaria conhecido
como Buda. E, se você nunca ouviu falar dele, saiba que Buda não foi pouca
coisa.
Existe uma premissa básica emmuitas de nossas conjecturas e crenças. Ela
postula que a felicidade é algorítmica, que pode ser buscada, merecida e
alcançadacomoseestivéssemosentrandonafaculdadededireitooumontando
um complicado conjunto de Lego. Se eu conseguirX, serei feliz. Se eu tiver a
aparênciaY,sereifeliz.SeeuconquistarumapessoacomoZ,sereifeliz.
Essa premissa é oproblema. A felicidade não é uma equação que possa ser
solucionada.A insatisfação e a inquietude são inerentes à natureza humana e,
como veremos, componentes necessários para se criar uma felicidade
consistente. Buda sustentou isso a partir de uma perspectiva teológica e
filosófica. Vou defender o mesmo argumento neste capítulo, mas de uma
perspectivabiológica,compandas.
AsdesventurasdoPandadaDesilusão
Seeupudesse inventarumsuper-herói, seriaoPandadaDesilusão.Comuma
máscaracafonanosolhoseumacamisetaquenãocobririasuaenormebarriga
de panda, ele teria o superpoder de dizer às pessoas duras verdades sobre si
mesmas.Verdadesqueelasprecisamouvir,masnãoqueremaceitar.
OPandadaDesilusãoiriadeportaemportacomoumvendedordeBíblias,
tocandoacampainhaedizendocoisascomo“Claro,ganharmuitodinheirofaz
vocêsesentirbem,masnãovaiconquistaroamordosseusfilhos”,ou“Sevocê
precisapensarantesderesponderseconfianasuaesposa,éporquenãoconfia”,
ou “O seu conceito de ‘amizade’ não passa de constantes tentativas de
impressionar os outros”. Em seguida, ele desejaria um bom-dia a quem o
atendeueseguiriamuitopimpãoparaacasaseguinte.
Seriaincrível.Edoentio.Etriste.Einspirador.Enecessário.Afinaldecontas,
asmaioresverdadesdavidasãoasmaisdesagradáveisdeseouvir.
OPandadaDesilusãoseriaoheróiqueninguémdeseja,masdequemuitos
precisam. Ele seria a salada verbal no fast-food da nossa alimentação mental.
Tornarianossavidamelhor,apesardenosdeixardeprimidosporumtempo.Ele
nosdeixariamaisfortesaonosdestroçar,iluminarianossofuturoaonosmostrar
aescuridão.OuviroqueoPandatemadizerseriacomoverumfilmeemqueo
protagonista morre no final: apesar das lágrimas, você adora, porque é
verossímil.
Então,jáqueestamosaqui,permita-mecolocarminhamáscaradePandada
Desilusãoejogarmaisumaverdadedesagradávelnasuacara:
Sofremospelosimplesfatodequesofrerébiologicamenteútil.Osofrimentoé
oagentepreferidodanaturezaparainspirarmudanças.Aevoluçãonosfezviver
constantementecomcertograudeinsatisfaçãoeinsegurança,porqueéacriatura
levemente insatisfeita e insegura que faz o máximo para inovar e sobreviver.
Somosprogramadospelanaturezaparaficarinsatisfeitoscomtudoquetemose
desejarapenasoquenãotemos.Essainsatisfaçãopermanentefaznossaespécie
seguirlutandoeprogredindo,construindoeconquistando.Então,não:nossador
etristezanãosãoumafalhadaevoluçãohumana.Pelocontrário:sãoumrecurso
essencialdela.
A dor, em todas as suas formas, é omeiomais efetivo de que nosso corpo
dispõeparageraração.Imaginealgosimples,comodarumatopadacomodedão
do pé. Se você for como eu, sua reação é gritar tantos palavrões que fariam o
papa Francisco chorar. Ou você culpa o pobre objeto inanimado pelo seu
sofrimento.“Mesaescrota”,diz.Outalvezchegueaopontodequestionartodaa
sua visão sobre design de interiores combase no dedo latejante: “Que tipo de
idiotacolocaumamesaaqui?”
Masvoltemos.Aqueladorhorrívelnodedo,queeu,vocêeopapaodiamos
tanto, tem ummotivo importante para existir. A dor física é um produto do
sistema nervoso, um mecanismo de resposta que nos permite desenvolver a
noçãoespacialdenossasproporçõesfísicas—aondepodemosounãopodemos
ir,oquepodemosounãotocar.Quandoexcedemosesseslimites,nossosistema
nervosonospuneparaqueagentepresteatençãoenuncamaisrepitaoerro.
Essador,pormaisqueaodiemos,éútil.Éelaquenosensinanoquedevemos
prestaratençãoquandosomospequenosouquandoestamosdistraídos.Elanos
ajuda a descobrir o que faz bem e o que faz mal. Ajuda a entender e aceitar
nossas limitações. Ensina a não brincar perto de um fogão aceso nem enfiar
objetosdemetalemtomadas.Sendoassim,nemsempreébenéficoevitaradore
buscarapenasoprazer, jáqueàsvezesador tem importânciavitalparanosso
bem-estar.
E não existe apenas a dor física. Como qualquer um que já tenha sido
obrigado a assistir aoEpisódio I deStarWars pode confirmar, nós, humanos,
tambémsomoscapazesdesofrerextremadorpsicológica.Naverdade,pesquisas
descobriramqueocérebronãoregistramuitadiferençaentreadorpsicológicae
a física, então, quando digo que senti meu coração ser atravessado lenta e
repetidamenteporumaadagaquandominhaprimeiranamoradametraiueme
largou,éporquedoeutantoquedarianomesmosetivessemrealmentecravado
umaadagalentaerepetidamentenomeucoração.
Assim como a dor física, a dor psicológica indica que há umdesequilíbrio,
quealgumlimitefoiexcedido.E, tambémcomoadorfísica,apsicológicanem
sempre é indesejável ou de todo ruim. Em certos casos, passar por dores
emocionaisoupsicológicaspodesersaudáveloumesmonecessário.Assimcomo
bater o dedão nos treina para esbarrar menos em mesas, a dor emocional
provocada por rejeição ou fracasso nos ensina a evitar os mesmos erros no
futuro.
Oquenos leva adeduzirumdosgrandesperigosdeuma sociedadeque se
esquivacadavezmaisdosinevitáveisdesconfortosdavida:perdemosobenefício
da passagem por doses saudáveis de dor, e essa perda nos desconecta da
realidade.
Vocêpodeficarcomáguanabocaaoimaginarumavidalivredeproblemas,
repletadefelicidadeecompaixãoeternas,masaquinomundorealosproblemas
nuncacessam.Sério,elesnãoacabam.OPandadaDesilusãoacaboudepassar
aqui.Elemecontoutudoenquantotomávamosmargaritas:
Osproblemasnuncasomem,elessódiminuem.
Warren Buffett tem problemas financeiros; o mendigo bêbado que fica à
espreita na frente do supermercado também tem. Buffett simplesmente tem
problemasfinanceirosmenoresqueosdomendigo.Tudonavidaéassim.
— A vida é basicamente uma série interminável de problemas, Mark —
afirmou o Panda. Ele tomou mais um gole do drinque e ajeitou o guarda-
chuvinha cor-de-rosa que adornava o copo. — A solução de um problema é
apenasoiníciodopróximo.
Depois de um tempo, eume perguntei de onde aquele panda falante tinha
saído.Aliás,quemfoiquepreparouessasmargaritas?
—Não espere poruma vida semproblemas—continuouoPanda.— Isso
nãoexiste.Emvezdisso,torçaporumavidacheiadeproblemaspequenos.
E, dizendo isso, ele pousou o copo, ajeitou o guarda-chuvinha nele e saiu
caminhandoalegrementerumoaohorizonte.
Felicidadeéresolverproblemas
Problemassãoumaconstantenavida.Quandovocêresolveseusproblemasde
saúdefrequentandoumaacademia,estácriandonovosproblemas,comoterque
acordar
,cedoparanãoseatrasar,passarmeiahorasuandoquenemumporcona
esteira, depois ter que tomar banho antes do trabalho para não empestear o
escritório inteiro com o seu fedor. Quando você resolve o problema de não
passar tempo suficiente com seu parceiro, decidindo que vão sair juntos toda
quarta-feira, está gerandonovos problemas, comopensar em algo que os dois
não odeiem para fazer toda quarta, conferir se têm dinheiro para ir a bons
restaurantes, redescobrir a química e a chama que sentem ter perdido e
desvendar a logística de transar em uma banheira minúscula com espuma
demais.
Osproblemasnuncaacabam;elesapenassãosubstituídose/ouatualizados.
A felicidade está em resolver problemas. Repare que a palavra-chave é
“resolver”. Se você evita os problemas ou acha que não tem nenhum, está no
caminho da infelicidade. Se acha que não consegue resolver seus problemas,
estaránomesmocaminho.Osegredoestáemresolverosproblemas, enãoem
nãoterproblemas.
Paraserfeliz,éprecisoteralgopararesolver.Assim,afelicidadeéumaforma
de ação; é uma atividade, não algo que você recebe de forma passiva, que
descobre magicamente numa lista do Buzzfeed ou com algum guru. Ela não
surge quando você finalmente ganha o suficiente para construir mais um
cômodona suacasa.Elanãoestáesperandoporvocêemalgum lugar, alguma
ideia,algumemprego…nemnumlivro,aliás.
Felicidade é um exercício constante, porque resolver problemas é um
exercício constante— as soluções para os problemas de hoje serão a base dos
problemas de amanhã, e assim por diante. A verdadeira felicidade só se dá
quandovocêdescobrequaisproblemasgostadeterederesolver.
Às vezes são problemas simples: comer bem, viajar, zerar o jogo que você
acaboudecomprar.Outrasvezes,porém,sãoproblemasabstratosecomplexos:
manterumbomrelacionamentocomsuamãe,encontrarumacarreiraemquese
sintaconfortável,criarumcírculodeamigosfiéis.
Sejamquais forem seusproblemas, o conceito é omesmo: resolva-os e seja
feliz. Infelizmente, para muitas pessoas a vida não é tão simples assim. Isso
porqueelasestragamtudofazendoalgumadestasmerdas:
1. Negação. Algumas pessoas negam que os problemas sequer existam. E,
comonegamarealidade,precisamseiludiresealienarotempotodo.Isso
pode fazê-las se sentir bem a curto prazo, mas leva a uma vida de
insegurança,neuroseerepressãoemocional.
2. Vitimização.Háquemprefira acreditar quenadapode fazerpara resolver
seus problemas. As vítimas tentam culpar os outros ou circunstâncias
externas.Issopodefazê-lassesentirmelhoracurtoprazo,maslevaauma
vidaderaiva,desamparoedesespero.
As pessoasnegam e culpamos outros pelos próprios problemas simplesmente
porqueéfácileprovocaalívio,enquantoresolvê-losédifícilemuitasvezesgera
sofrimento. Culpa e negação dão barato. São uma fuga temporária dos
problemas,oqueproporcionaumasensaçãopassageirademelhora.
Hádiversasformasdeobtereuforia.Sejapelaingestãodesubstânciascomoo
álcool,sejapelasensaçãodealtivezmoralaoculparosoutrosoupelaemoçãode
uma aventura arriscada, basear a vida em picos de euforia é superficial e
improdutivo. Grande parte do mercado da autoajuda se sustenta em vender
euforia em vez de ensinar as pessoas a resolver problemas legítimos. Muitos
gurusensinamnovas formasdenegaçãoeenchemopúblicodeexercíciosque
causambem-estaracurtoprazo,masqueignoramaraizdoproblema.Lembre-
se: nenhuma pessoa feliz de verdade tem necessidade de ficar diante de um
espelhorepetindoparasimesmaqueéfeliz.
Outro problema da euforia é que ela vicia. Quantomais dependemos dela
para sentirmosumamelhora emnossosproblemasocultos,mais recorremosa
talrecurso.Assim,quasetudopodesetornarumvício,dependendodomotivo
peloqualéusado.Todostemosnossosmétodospreferidosparaentorpecerador
causadapelosproblemas,enãohánadadeerradonisso,desdequesejamusados
em doses moderadas. Quanto mais evitamos e mais nos entorpecemos, mais
dolorososeráquandofinalmenteconfrontarmosnossosproblemas.
Sentimentosnãosãotudoissoquevocêpensa
Os sentimentos foram desenvolvidos em nosso organismo com um propósito
específico: nos ajudar a viver e a nos reproduzir melhor. Só isso. São um
mecanismode resposta cuja função é nos alertar de que algo é provavelmente
bomouprovavelmenteprejudicial.Nadamais,nadamenos.
Assimcomoadordaqueimaduraensinaanãotocarofogãoacesodenovo,a
tristezadeestarsozinhoensinaanãorepetiroscomportamentosquecausarama
solidão. Sentimentos são apenas sinais biológicos criados para empurrar as
pessoasnadireçãodemudançaspositivas.
Olha,nãoestoutentandomenosprezarsuacrisedemeia-idadeouoaindanão
superadotraumadequandoseupaialcoólatraroubousuabicicletaquandovocê
tinha oito anos, mas, no final das contas, se você se sente mal, é porque seu
cérebro está indicando a presença de algum problema não abordado ou não
resolvido.Emoutraspalavras,sentimentosnegativossãoumchamadoàação.Se
você sente algo ruim, é porque precisa agir. Damesmamaneira, sentimentos
bonssãoarecompensaporagircerto.Quandovocêsesentebem,avidaparece
simples e basta aproveitá-la. Até que, como tudo o mais, a sensação boa
desaparece,porquesempresurgemmaisproblemas.
Sentimentos fazemparte da equação da vida,mas não são aúnicavariável.
Nãoéporquealgocausaumasensaçãoboaqueébom.Nãoéporquealgocausa
umasensaçãoruimqueé ruim.Sentimentossãoapenassinalizadores,conselhos
dados pela neurobiologia, não ordens. Portanto, nem sempre devemos confiar
neles.Pelocontrário:achoqueprecisamoscriarohábitodequestioná-los.
Muita gente é ensinada a reprimir as emoções pordiversas razões pessoais,
sociais ou culturais, sobretudo as negativas. Só que, infelizmente, negar os
sentimentosnegativosénegarváriosdosmecanismosderespostaqueajudama
resolver problemas. Como resultado, muitos dos indivíduos reprimidos têm
dificuldadeem lidarcomosproblemasao longodavida.E, senãoconseguem
resolver seus problemas, não têm como ser felizes. Lembre-se: a dor tem um
propósito.
Noentanto,hátambémquemseidentifiquedemaiscomasemoções.Tudose
justificaapenasporqueapessoasesentiuassim.“Ah,euquebreiseupara-brisa,
masfoiporqueeuestavacomódio.Nãopudeevitar.”Ou:“Eulargueiafaculdade
ememudeiparaoAlascaporquesentiqueeraocertoafazer.”Tomardecisões
com base apenas no que seu coração manda, sem o auxílio da razão para se
manternalinha,épedirparadarmerda.Sabequembaseiaavidanasemoções?
Crianças de três anos. Cachorros. Sabe o que mais crianças de três anos e
cachorrosfazem?Cagamnotapete.
Aobsessãoeaatençãoexageradaaossentimentossemprefalhampelasimples
razãodequesentimentosnãoduram.Oquenosfazfelizhojenãonosfaráfeliz
amanhã,porquenossabiologiasemprevaidemandaralgomais.A fixaçãopela
felicidadeinevitavelmentenoslevaaumabuscaincessantepor“outracoisa”—
umacasanova,umrelacionamentonovo,maisumfilho,maisumaumento.E,
apesardetodoonossoesforço,acabamosnossentindodomesmojeitoqueno
começo:insuficientes.
Ospsicólogosàsvezessereferemaesseconceitocomoa“esteirahedonista”:a
ideia de que estamos sempre nos esforçando para mudar nossa vida, mas na
verdadenuncanossentimosmuitodiferentes.
,Éporissoquenossosproblemassãorecorrenteseinevitáveis.Apessoacom
quemvocêsecasaéamesmacomquemvocêbriga.Acasaquevocêcompraéa
mesma que você reforma. O emprego dos seus sonhos é o mesmo que vai
estressá-lo.Tudovemcomumsacrifícioembutido,ouseja,oquenos fazbem
vai inevitavelmente nos fazermal também.O que ganhamos também é o que
perdemos. O que nos proporciona experiências positivas definirá também as
negativas.
Esse conceito é difícil de engolir. Nós gostamos de pensar que existe uma
felicidadederradeiraaalcançar.Gostamosdepensarqueépossívelalcançarum
alívio permanente do sofrimento.Gostamos de pensar que é possível se sentir
parasempreplenoesatisfeitocomavida.
Masnãoé.
Escolhasuasbatalhas
Seeulheperguntaroquevocêquerdavidaevocêdisseralgocomo“Queroser
feliz, teruma famíliamaravilhosa eumempregodeque eugoste”, essa éuma
respostatãocomumeprevisívelquenãosignificanada.
Todo mundo gosta do que é bom. Todo mundo quer ter uma vida sem
preocupações,felizefácil;seapaixonar,terrelacionamentosincríveis,parceiros
sexuaisfantásticos,serlindo,ganhardinheiro,serpopular,respeitado,admirado
e tão foda que as multidões se abrirão como o Mar Vermelho quando você
passar.
Todomundoquerisso.Éfácilquererisso.
Umaperguntamaisinteressante,queamaioriadaspessoasnuncaconsidera,
é:“Qualdorvocêquernavida?Peloquevocêestádispostoalutar?”Porqueisso
émuitomaisdeterminantenadefiniçãodoseufuturo.
Porexemplo,muitagentequerteramelhorsaladoescritórioeganharriosde
dinheiro—masnãoéqualquerumqueestádispostoatrabalharsessentahoras
porsemana, fazer longostrajetos indoevoltandodoescritório,preencheruma
montanha de papelada odiosa e vencer hierarquias corporativas arbitrárias só
paraescapardosopressorescubículosinfinitos.
Muitas pessoas querem o melhor sexo do mundo e um relacionamento
incrível, mas nem todas estão dispostas a enfrentar as DRs, os silêncios
constrangedores,amágoaeodramapsicológiconecessáriosparaconstruirisso.
Então, se conformam. Elas se conformam e passam anos se perguntando
“Poderiaserdiferente?”,atéqueaperguntapassaaser“Poderiasercomalguém
diferente?”. E, quando os papéis são assinados e o cheque da pensão está
preenchido, pensam: “Por quê?” Se não foi porque você tinha padrões e
expectativasbaixosvinteanosatrás,entãofoiporquê?
Porqueafelicidadeexigeesforço.Elaseoriginadosproblemas.Aalegrianão
brota do chão como margaridas e arco-íris. Satisfação e propósito genuínos,
sérios eduradourosdevemser conquistadospela escolhaepelamaneira como
conduzimos nossas batalhas. Sofra você com ansiedade, solidão, TOC ou um
chefe imbecil que estraga metade do seu dia, a solução é aceitar e mergulhar
ativamentenessaexperiêncianegativa—nãoevitá-la,nãofugirdela.
Muitagentequerterumcorpomaravilhoso,masninguémconsegueissosem
passar pela dor e pelo cansaço físico de gastar horas e horas dentro de uma
academia ou calcular tudo que come, planejando sua vida em minúsculas
porções.
Háquemqueiraabrirumnegócio,masninguémsetornaumempreendedor
bem-sucedidosenãoencontrarumjeitodeavaliarorisco,aincerteza,osmuitos
fracassos, a quantidade insana de horas dedicadas a algo que pode render
absolutamentenada.
Amaioriadaspessoasquerencontrarumparceiro,masninguémconquista
umapessoamaravilhosa sem saber lidar coma turbulência emocional causada
pelas rejeições exaustivas, coma tensão sexual reprimidae comaobsessãoem
olharfixamenteparaumcelularquenuncatoca.Tudoissofazpartedojogodo
amor.Éimpossívelganharsemjogar.
O que determina o sucesso não é “De que prazer você quer desfrutar?”. A
questão relevante é: “Qual dor você está disposto a suportar?” O caminho da
felicidadeécheiodeobstáculosehumilhações.
Você temque escolher alguma coisa.Nãodápara levaruma vida semdor.
Nem tudo são rosas e unicórnios o tempo todo. A pergunta sobre o prazer
costumaserfácil,equasetodosnóstemosumarespostaparecida.
Interessantemesmoéaperguntasobreador.Qualdorvocêpreferetolerar?
Essa é a pergunta difícil porém relevante, a pergunta que vai levá-lo a algum
lugar. É a pergunta que podemudar perspectivas, vidas. É o que faz demim
quemeusou,quefazdevocêquemvocêé.Éoquenosdefine,nosdistinguee,
nofinaldascontas,nosune.
Duranteboapartedaadolescênciaeiníciodavidaadulta,tiveafantasiadeser
músico.Maisespecificamente,umastrodorock.Semprequeouviaumsolode
guitarrasensacional,fechavaosolhosemeimaginavanopalco,tocandosobos
gritos da multidão, enlouquecendo as pessoas com o esplendor do meu
dedilhado. Eu me perdia nessa fantasia por horas a fio. Para mim, a questão
nunca foi se eu tocaria paramultidões histéricas, e simquando. Eu tinha tudo
planejado. Só estava esperando até poder investir a energia e o esforço
necessáriosparachegarláedeixarminhamarca.Primeiro,tinhaqueterminara
escola.Depois,ganhardinheiroparacompraraguitarra.Aí,precisavaencontrar
tempoparapraticar.Depois, fazercontatosecomeçarmeuprimeiroprojeto.E
depois…Depois,nada.
Apesar de eu ter passadometade da vida fantasiando, esse sonho nunca se
tornourealidade.Efoiprecisomuitotempoemuitalutaparaqueeufinalmente
descobrisseporquê:eunãoqueriaaquilodeverdade.
Minhapaixãoerapeloresultado—eulá,nopalco,colocandominhaalmana
música,aspessoasaplaudindo,euarrasando—,masnãopeloprocesso.E,por
causa disso, fracassei.Várias vezes. Sinceramente, nem tentei o suficiente para
fracassar. Eumal tentei. O esforço diário de praticar, a logística de encontrar
uma banda e ensaiar, a dificuldade de arranjar shows e fazer as pessoas
apareceremeseinteressarem,ascordasarrebentadas,oamplificadorestourado,
osvintequilosdeequipamentosqueeuprecisarialevardelápracásemcarro…
O sonho é imenso, e a escalada até o topo é interminável. O que leveimuito
tempoparadescobriréqueeunãogostavamuitodeescalar.Sógostavademe
imaginarnocume.
Segundoanarrativaculturaldominante, eudecepcioneiamimmesmo, sou
umdesistente,umperdedor,nãotenhotalento,abrimãodomeusonhoetalvez
tenhasucumbidoàpressãosocial.
Masaverdadeémuitomenosinteressantequeessasexplicações.Averdadeé
queeuacheiquequeriaumacoisa,masnãoqueria.Fimdepapo.
Eu queria a recompensa e não as dificuldades. Queria o resultado e não o
processo.Eunãoeraapaixonadopelaluta,esimpelavitória.
Eavidanãofuncionaassim.
Vocêédefinidopelasbatalhasqueestádispostoalutar.Aspessoasquegostam
da batalha da academia são aquelas que participamde triatlos, têmbarriga de
tanquinho e conseguem levantar um carro. As pessoas que gostam das longas
horasdetrabalhoedapolíticadeascensãonahierarquiacorporativasãoasque
chegamrapidamenteaotopo.Aspessoasquegostamdastensõeseincertezasdo
estilo de vida do artista faminto são, no final das contas, as que chegam aos
palcos.
Issonãotemnadaavercomforçadevontadeoucoragem.Nãoéarepetição
daladainha“nãohávitóriasemdor”.Éocomponentemaissimplesebásicoda
vida: as batalhas determinam as conquistas. Os problemas criam a felicidade,
juntocomproblemasumpoucomenoresemaisatualizados.
Vejabem:trata-sedeumainterminávelespiralascendente.Sevocêachaque
emalgummomentoterá
,permissãoparaparar,infelizmentenãoentendeunada.
Porqueaalegriaestánasubida.
3
Vocênãoéespecial
Querofalarsobreumconhecidomeu.Vamoschamá-lodeJimmy.
Jimmyestavasempreenvolvidoemváriosprojetos.Semprequeperguntavam
oqueeleestavafazendo,Jimmyfalavasobreaconsultoriaqueestavaprestando
para alguma empresa, descrevia umpromissor aplicativode saúdepara o qual
vinhabuscandoinvestidores, falavadeumeventobeneficenteemquefariaum
discurso ou contava sobre a ideia milionária que tivera para uma bomba de
combustívelmaiseficiente.Ocaranãoparava,estavasempre ligado,e, sevocê
dessepapo,Jimmycontinuariaeternamente,mostrandocomoerafenomenalseu
trabalhoecomoerambrilhantessuasideias,despejandoemcimadevocêtantos
feitospessoaisquemaispareciaestarsendoentrevistadonaTV.
Jimmy era pura positividade, o tempo todo. Sempre alçando novos voos,
sempreaumpassodemaisumaconquista—umverdadeirocaraquepõeamão
namassa.
OproblemaeraqueJimmytambémeraumcompletoparasita—muitopapo
enenhumaação.Passavaamaiorpartedotempochapadoegastavaembarese
restaurantes sofisticados tanto quanto investia em suas “ideias de negócios”;
Jimmyeraumsanguessugaprofissional.Viviadodinheirosuadodafamília,que
ele enrolava assim como fazia com o restante da cidade, com falsas ideias de
futura glória no ramo da tecnologia. Claro, às vezes ele fazia algum esforço
simbólico,pegavaocelulareligavaparaalgumfigurãonacaradepau,sevalendo
de todos os nomes famosos que lhe vinham à mente, mas nada concreto
acontecia.Nenhumdosseus“empreendimentos”setornourealidade.
O cara continuou nessa por anos, sendo sustentado por namoradas e por
parentescadavezmaisdistantesatéquasecompletartrintaanos.Eomaisdoido
nissotudoeraqueJimmytinhaorgulhodisso.Suaautoconfiançachegavaaonível
do delirante. Quem ria dele ou desligava na sua cara estava, na percepção de
Jimmy,“perdendoamaioroportunidadedavida”.Quemapontavaoridículode
suasideiasera“ignoranteeinexperientedemais”paraentendersuagenialidade.
Quem expunha seu estilo de vida parasitário era um “invejoso”, uma pessoa
“amarga”quecobiçavaseusucesso.
Jimmyganhavaalgumdinheiro,mas,emgeral,pelosmeiosmaisdesonestos,
como vender a ideia de outra pessoa como se fosse dele, enrolar alguém para
conseguir um empréstimo ou, pior, convencer alguém a lhe dar participação
numastartup.Àsvezesconseguiaatéquelhepagassemparadarpalestras.(Sobre
oquê,eunãoconsigonemimaginar.)
ApiorparteeraqueJimmyacreditavanasmentirasquecontava.Seudelírio
era tão indestrutível que era até difícil ter raiva dele. Chegava a ser um caso
fascinante,naverdade.
Emalgummomentodadécadade1960,desenvolveruma“autoestimaalta”—
ter uma boa autoimagem e se sentir bem consigo mesmo— virou moda na
psicologia.Pesquisasconcluíramqueaspessoasqueseconsideravamadmiráveis
tendiamasesairmelhoretermenosproblemas.Muitosestudiososelegisladores
daépocaacreditaramqueaumentaraautoestimadapopulaçãogerariabenefícios
sociaistangíveis:reduçãodacriminalidade,melhoranodesempenhoacadêmico,
geração de novos empregos, diminuição de déficits no orçamento. Como
resultado, a partir da década seguinte, de 1970, práticas relacionadas à
autoestima começaram a ser ensinadas aos pais, reforçadas por terapeutas,
políticos e professores, além de serem instituídas na política educacional. Por
exemplo, as notas de crianças com baixo desempenho eram elevadas
artificialmente,paraquenãosesentissemtãomal.Prêmiosporparticipaçãoem
aulaetroféusforaminventadosparadiversasatividadesbanaisouobrigatórias.
Ascriançasrecebiamdeveresdecasainúteis,comoescreverascaracterísticasque
as tornavam especiais ou suas cincomaiores qualidades. Pastores e sacerdotes
diziamasuascongregaçõesquecadaumalieraespecialaosolhosdeDeus,que
todos estavam destinados a se destacar e a superar a mediocridade. Surgiram
semináriosempresariaisemotivacionaisentoandoomesmomantraparadoxal:
cadaumdenóspodeserexcepcionaleextremamentebem-sucedido.
Hoje,umageraçãodepois,temososresultadosparaavaliar:nãosomostodos
excepcionais. No fim das contas, se sentir bem consigo mesmo não significa
nada, a não ser que você tenha um bommotivo para isso. Hoje, sabemos que
adversidade e fracasso são muito úteis e até mesmo necessários para o
desenvolvimentodeadultosdeterminadosebem-sucedidos.Hoje,sabemosque
fazer as pessoas acreditarem que são excepcionais e se sentirem bem consigo
mesmassemfundamentonãocriaumapopulaçãodeBillGateseMartinLuther
Kings.CriaumapopulaçãodeJimmys.
Jimmy,odelirantedasstartups.Jimmy,quefumavamaconhatododiaenão
erabomemnadaexcetoemsegabareacreditarnasprópriasmentiras.Jimmy,o
tipodecaraquegritavacomossóciosporserem“imaturos”edepoisestouravao
cartãodecréditodaempresanoLeBernardinparaimpressionarmodelosrussas.
Jimmy, que já estava ficando sem estoque de tias e tios a quem recorrer para
pedirempréstimos.
Sim,esseJimmyconfianteecheiodeautoestima.OJimmyquepassavatanto
tempo exibindo competência que esquecia de, bem, realmente fazer alguma
coisa.
Oproblema comomovimento pró-autoestima é a crença de que podemos
medir a autoestima pelos sentimentos positivos das pessoas em relação a si
mesmas.Noentanto,paraseterumanoçãoverdadeiraeprecisadovalordeum
indivíduoéprecisoavaliarcomoelesesenteemrelaçãoaseusaspectosnegativos.
SeumapessoacomoJimmysesenteo fodão99,9%do tempo,mesmoquesua
vidaestejachafurdandonamaisabsolutamerda,comoissopodeserummétodo
deaferiçãoválidoparadecretarquesuavidaébem-sucedidaefeliz?
Jimmyéarrogante.Ouseja,elejulgamerecertodasasmilmaravilhasdemão
beijada. Acredita que merece ser rico sem trabalhar. Ser querido e ter boas
relaçõessemajudarninguém.Terumestilodevidaincrívelsemsacrificarnada.
Gente como Jimmy é tão obcecada em se sentir bem consigo mesma que
consegue se iludir e acreditar que está realizando feitos notáveis mesmo sem
moverumdedo.Essetipodegentevêasimesmoarrasandonopalcoquandona
verdadeestáfazendopapeldebobo.Essaspessoasacreditamserbem-sucedidas
fundadorasdestartupsquando,naverdade,nuncativeramsucessoemnenhum
empreendimento. Elas se autointitulam life coaches e cobram para ajudar os
outros do alto de seus vinte e cinco anos preenchidos por zero conquistas
significativas.
Gentearroganteexalaautoconfiançaemníveisirreais.Issopodeseratraente
para os outros, pelomenos por um tempo. Em alguns casos, a autoconfiança
infundada é contagiante e ajuda as pessoas a sua volta a se sentirem mais
confiantestambém.Devoadmitirque,apesardetodasastrapalhadas,Jimmyera
umaboacompanhiaparasair.Vocêsesentiaindestrutívelpertodele.
Oproblemadaarrogânciaéquepessoasassimprecisamsesentirbemconsigo
mesmasotempotodo,mesmoqueàcustadosoutros.Ecomoéumanecessidade
constante, as pessoas arrogantes acabam gastando a maior parte do tempo
pensandonopróprioumbigo.Afinalde contas,nãoé simples se convencerde
queseupeidonãofede,aindamaissevocêéumgrandebosta.
Depoisqueapessoacomeçaaacharquetudoqueacontecenavidadela lhe
confereaindamaisimportância,éextremamentedifícillivrá-ladessepadrãode
pensamento.Qualquertentativadeserrazoávelévistacomomaisuma“ameaça”
a