A Sutil Arte de Ligar o F da-se - Mark Manson - Literatura (2024)

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Copyright©2016byMarkManson

TÍTULOORIGINAL

TheSubtleArtofNotGivingaFuck

PREPARAÇÃO

MarinaGóes

REVISÃO

GiuAlonso

MilenaVargas

PROJETOGRÁFICOORIGINAL

JoanOlson

ADAPTAÇÃODEPROJETOGRÁFICO

LauraArbex|IlustrarteDesigneProduçãoEditorial

ARTEDECAPA

M-80Design

Splash:pio3/Shutterstock

SPLASH

pio3/Shutterstock

ADAPTAÇÃODECAPA

AlineRibeiro|linesribeiro.com

REVISÃODEE-BOOK

CristianePacanowski

GERAÇÃODEE-BOOK

Intrínseca

E-ISBN

978-85-510-0250-6

Ediçãodigital:2017

1ªedição

Todososdireitosdestaediçãoreservadosà

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EDITORAINTRÍNSECALTDA.

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Tel./Fax:(21)3206-7400

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Sumário

CAPÍTULO1:Nemtente

OCírculoViciosoInfernal

Asutilartedeligarofoda-se

Masentão,Mark,paraqueserveessadrogadelivro,afinal?

CAPÍTULO2:Afelicidadeéumproblema

AsdesventurasdoPandadaDesilusão

Felicidadeéresolverproblemas

Sentimentosnãosãotudoissoquevocêpensa

Escolhasuasbatalhas

CAPÍTULO3:Vocênãoéespecial

Umdiaacasacai

Atiraniadoexcepcionalismo

M-m-mas,seeunãovouserespecialnemextraordinário,qualéagraça?

CAPÍTULO4:Ovalordosofrimento

Aceboladaautoconsciência

Problemasderockstar

Valoresescrotos

Definindovaloresbonseruins

CAPÍTULO5:Vocêestásemprefazendoescolhas

Aescolha

Afaláciadaresponsabilidade/culpa

Reagindoàtragédia

Agenéticaaleatória

Injustiçachique

Nãoexistecaminho

CAPÍTULO6:Vocêestáerradoemtudo(eutambém)

Arquitetosdenossasprópriascrenças

Cuidadocomsuascrenças

Osperigosdacertezaabsoluta

ALeidaEvasãodeManson

Semate

Comoserumpoucomenossegurodesi

CAPÍTULO7:Fracassaréseguiremfrente

Oparadoxodofracasso/sucesso

Dorfazpartedoprocesso

Oprincípiodo“Façaalgumacoisa”

CAPÍTULO8:Aimportânciadedizernão

Rejeiçãofazbem

Limites

Comoconstruirconfiança

Aliberdadeatravésdocompromisso

CAPÍTULO9:…Eaívocêmorre

Algoalémdenós

Oladobomdamorte

Agradecimentos

1

Nemtente

Charles Bukowski era alcóolatra, mulherengo, viciado em jogo, grosseirão,

sovina, preguiçoso e, em seus piores dias, poeta. Ele seria a última pessoa no

mundoaquemvocêpediriaconselhosouqueesperariaencontraremumlivro

deautoajuda.

Éporissoqueeleéopontodepartidaperfeito.

Bukowskiqueria serescritor,maspassoudécadas sendorejeitadoporquase

todas as revistas, jornais, agentes e editoras que procurou. Seu trabalho era

horrível,diziam.Bruto.Repugnante.Obsceno.E,conformeascartasderecusase

acumulavam, o peso do fracasso o fazia afundar cada vez mais na depressão

movidaaálcoolqueoacompanhariaporquasetodaavida.

BukowskitrabalhavanosCorreios.Osalárioeraridículo,eelegastavaquase

tudoembebida;opoucoquesobrava,apostavaemcorridasdecavalos.Ànoite,

bebiasozinho,àsvezesescrevendopoemasemsuavelhaesurradamáquinade

escrever.Nãoraroacordavanochão,tendoapagadodetãobêbado.

Três décadas se passaram assim, resumidas a um grande borrão de álcool,

drogas, jogatinaeprostitutas.Atéque,aoscinquentaanos,apóstodaumavida

de fracassoseautodepreciação,oeditordeumapequenaeditora independente

desenvolveuumestranho interesse por ele.O editornãopodia oferecermuito

dinheiro nem prometer boas vendas,mas demonstrava uma afeição incomum

poraquelebêbadoimprestáveledecidiuarriscar.Eraaprimeirachancerealque

Bukowskitinhae,comoelesedeuconta,provavelmenteaúnica.Elerespondeu

aoeditor:“Eutenhoduasopções:ficarnosCorreioseenlouquecer…oudaruma

deescritoremorrerdefome.Decidimorrerdefome.”

Três semanas depois de assinar o contrato, Bukowski tinha o primeiro

romancepronto.Chamava-seCartasnarua.Adedicatóriafoi“aninguém”.

Bukowski se tornouumescritor epoetamuitobem-sucedido.Publicou seis

romances e centenas de poemas, vendendo no total mais de dois milhões de

exemplares.Suapopularidadedesafiou todasasexpectativas,principalmenteas

delepróprio.

Histórias como a de Bukowski são a base de nossa narrativa cultural. Sua

trajetória personifica o Sonho Americano: lute pelo que você quer e nunca

desista,eassimalcançaráseussonhosmaisloucos.Éumroteirodefilmepronto.

Todosnós,aoolharmosparahistóriascomoadeBukowski,dizemos:“Viu?Ele

nuncadesistiu.Continuou tentando. Sempre acreditou em simesmo.Persistiu

aténasadversidadesechegoulá!”

Então,éestranhoqueoepitáfiodeBukowskiseja:“Nemtente.”

Poisé.Apesardasvendaseda fama,Bukowskieraumfracassado.Elesabia

disso.Seusucessonãobrotoudeumagrandevontadedevencernavida,masda

consciência do contrário: ele sabia que era um fracassado, aceitava o fato e

escrevia honestamente sobre isso. Nunca tentou ser quem não era. A obra de

Bukowskinãosesustentanaideiadesuperarobstáculosimpensáveisnemdese

empenharparaserumgênioliterário.Éooposto:seusucessovemdacompletae

inabalávelhonestidadeconsigomesmo(sobretudoemrelaçãoàspiorespartes)e

da capacidade de falar abertamente sobre seus fracassos, sem hesitação ou

dúvida.

EstaéaverdadeiraorigemdosucessodeBukowski:sentir-seconfortávelcom

ofracasso.Eleestavapoucoselixandoparaserbem-sucedido.Mesmodepoisda

fama,continuavaindoaleiturasdepoesiacaindodebêbadoexingavaaplateia.

Ainda se expunha em público e tentava transar com qualquermulher que via

pela frente. Fama e sucesso não fizeramdele uma pessoamelhor, e não foi se

tornandoumapessoamelhorqueelealcançoufamaesucesso.

Muitasvezes,oautoaprimoramentoeosucessoandamdemãosdadas.Não

significaquesejamamesmacoisa.

A cultura em que vivemos hoje nutre obsessivamente expectativas pouco

realistas.Sermaisfeliz.Sermaissaudável.Seromelhor,superioraosoutros.Ser

mais inteligente, mais rápido, mais rico, mais bonito, mais popular, mais

produtivo,mais invejadoemaisadmirado.Serperfeito, incrívelecagarpepitas

de ouro de doze quilates antes de beijar uma esposa impecável e dois filhos

perfeitos no café da manhã. Depois, ir de helicóptero para seu emprego

extremamente gratificante, onde você passa os dias fazendo um trabalho

importantíssimoqueumdiaaindavaisalvaroplaneta.

Noentanto, separarmosparapensar,osconselhosdevidamaiscomuns—

aquelasmensagens

,

sua superioridade, porpartede alguémque “não consegue aceitar” tamanho

talento/inteligência/beleza/sucesso.

Oarrogante formaumabolhanarcisista ao redorde simesmo,distorcendo

todoequalquereventoparamanteraretroalimentação.Pessoasarrogantestêm

apenasduasformasdeverosacontecimentosdavida,ambasrelacionadasasua

grandeza:reafirmaçãoouameaça.Sealgodebomaconteceaelas,éfrutodealgo

incrívelquefizeram.Sealgoderuimacontece,éporquealguémestácominveja,

tentando derrubá-las. A arrogância é impenetrável. Pessoas desse tipo se

convencem de qualquer coisa para alimentar sua sensação de superioridade.

Precisammanterafachadamentaldepéaqualquercusto,mesmoqueàsvezes

issoasobrigueaserfísicaouemocionalmenteviolentas.

Masaarrogânciaéumaestratégiafalha.Éapenasmaisumaformadeeuforia.

Nãoéfelicidade.

Para medir o verdadeiro valor de uma pessoa, o importante não é avaliar

como ela vê as experiências positivas, e sim as negativas. Uma pessoa como

Jimmyseescondedosproblemasaoinventarsucessosfictíciosparasimesmo.E,

por não conseguir enfrentar seus problemas, pormelhor que se sinta consigo

mesma,essapessoaéfraca.

Aquelequenutreumaboaautoestimaverdadeiraenxergacomhonestidadeas

partesnegativasdesimesmo—Sim,àsvezessouirresponsávelcomdinheiro.Sim,

às vezes exagero meu próprio sucesso. Sim, sou muito dependente do apoio dos

outros, eu deveria ser mais autossuficiente — e age a fim de se aprimorar. O

arrogante,porém,éincapazdemelhoraraprópriavidadeformaduradouraou

significativa,poisnãoreconheceosprópriosproblemasabertaehonestamente.

Ele busca euforia após euforia e chega a níveis cada vez mais elevados de

negação.

No entanto, em algum momento a realidade bate à porta e os problemas

ocultosreaparecem.Ésóumaquestãodetempo,edequãodolorososerá.

Umdiaacasacai

Eramnovedamanhãeeuestavanaauladebiologia,acabeçadeitadasobreos

braçoscruzadosnamesa,olhandoparaoponteirodossegundosdorelógio,cada

tique sincopado com a explicação tediosa do professor sobre cromossomos e

mitose. Como todo bom adolescente de treze anos que se vê preso numa sala

abafadaeiluminadaporluzfluorescente,euestavaentediado.

Bateramàporta.Osr.Price,vice-diretordaescola,enfiouacabeçanasala.

—Desculpeinterromper.Mark,vocêpodeviraquiuminstante?Ah,etraga

suascoisas.

Queestranho,pensei.Onormaleraosalunosseremmandadosaoescritório

dodiretor;odiretorraramenteiaatéassalas.Recolhimeumaterialesaí.

Ocorredorestavavazio.Centenasdeportasdearmáriosbegeconvergiamno

horizonte.

—Mark,podemelevaratéseuarmário,porfavor?

—Tudobem—falei,ecomeceiaandaratélácomoumalesma,umalesmade

calçajeanslarga,cabelodesgrenhadoecamisadoPanteragrandedemais.

Chegamosaomeuarmário.

—Abra,porfavor—ordenouosr.Price.

Obedeci.Eleficounaminhafrenteepegoumeucasaco,minhabolsacomo

uniformedeeducaçãofísica,minhamochila.Enfim:tudoquetinhanoarmário,

menosalgunscadernoselápis.

—Venhacomigo,porfavor—disseele,semolharparatrás.

Comeceiaficarnervoso.

Fuicomeleatéoescritóriododiretor.Chegandolá,osr.Pricememandou

sentar,depois fechouaportaea trancou.Foiatéa janelae fechouascortinas.

Minhasmãoscomeçaramasuar.Aquilonãoeraumasimplesconversa.

Osr.Pricesesentouereviroumeumaterialemsilêncio,verificandobolsos,

abrindozíperes,sacudindoasroupasdeeducaçãofísicaejogando-asnochão.

— Sabe o que estou procurando, Mark?— perguntou ele, sem olhar para

mim.

—Não—falei.

—Drogas.

Apalavramedeixounumestadoqueeraummistodeatençãoenervosismo.

—D-d-drogas?—gaguejei.—Dequetipo?

Elemelançouumolharsevero.

— Não sei. De que tipo você tem? — retrucou, abrindo um fichário e

verificandoosbolsinhosparacanetas.

Osuorbrotavadetodososmeusporos,naspalmasdasmãos,nosbraços,no

pescoço.Minhas têmporas começarama latejar quandoo sangue subiuparao

rostoedepoisparaocérebro.Comotodobomadolescentedetrezeanosacusado

deportarnarcóticose levá-losparaa escola, euqueria sair correndodali eme

esconder.

— Não sei do que você está falando — protestei, num tom muito mais

humildedoquegostaria.

Senti que deveria transmitirmais confiança. Ou talvez não. Talvez devesse

estarcommedo.Aspessoasdemonstrammaismedooumaisconfiançaquando

estão mentindo? Porque eu queria demonstrar o oposto. Bom, minha

insegurança aumentou, pois o medo de parecer inseguro me deixou mais

inseguroainda.AmerdadoCírculoViciosoInfernal.

—Issoéoquevamosver—disseele.

Entãoelevoltouaatençãoparaminhamochila,queaparentementetinhacem

bolsos, cada qual com os objetos adolescentes mais bobos: canetas coloridas,

bilhetinhos passados durante a aula, CDs do começo dos anos 1990 com a

caixinharachada,marcadoressecos,umvelhoblocodedesenhosemmetadedas

páginas, inutilidades, poeira e fiapos acumulados durante toda uma existência

enlouquecedoramentemonótonanoensinofundamental.

Meusuordeviaestarjorrandoàvelocidadedaluz,eotemposeprolongavae

se dilatava de tal forma que os poucos segundos naquele relógio da aula de

biologiatinhamsetransformadoeméons.Cadaminutosuficienteparacrescer,

envelheceremorrer.Somenteeu,osr.Priceeminhamochilasemfundo.

Em algum momento da era Mesolítica, o sr. Price terminou de revistar a

mochila.Semterencontradonada,parecianervoso.Virouamochiladecabeça

parabaixo,deixandocair tudono chão, e começoua suar tantoquanto eu, só

que,senomeucasoerapavor,oqueelesentiaeraraiva.

—Nadadedrogashoje,hein?—Eletentouparecercasual.

—Não.—Eutenteitambém.

Eleespalhouminhascoisas,separandocadaitemeosreunindoempequenas

pilhasaoladodomeuuniformedeeducaçãofísica.Meucasacoeminhamochila

estavam agora esvaziados emurchos em seu colo. Ele suspirou e olhoupara a

parede.Comotodobomadolescentedetrezeanostrancadonumasalacomum

homemqueacaboudejogarsuascoisasnochãofuriosamente,euqueriachorar.

O sr. Price analisou os itens espalhados. Nada ilícito ou ilegal, nenhum

narcótico,nemmesmoalgoque infringisse as regrasda escola.Ele suspirou e,

depois,jogounochãotambémocasacoeamochila.Entãoseinclinoueapoiou

oscotovelosnosjoelhos,orostonaalturadomeu.

—Mark,vou lhedarumaúltimachancedesersincerocomigo.Sevocê for

sincero,vaisermuitomelhorparavocê.Seestivermentindo,vaisermuitopior.

Comoseouvisseaminhadeixa,engoliemseco.

—Agora,digaaverdade—exigiuosr.Price.—Vocêtrouxedrogasparaa

escolahoje?

Tentando conter as lágrimas, os gritos querendo escapar pela garganta,

encarei meu torturador e, em tom de súplica, louco para me livrar daquele

horroradolescente,respondi:

—Não,eunão tenhonenhumadroga.Não façoamenor ideiadoquevocê

estáfalando.

—Tudo bem—disse ele, sugerindo rendição.—Pode pegar suas coisas e

voltarparaaaula.

Eledeuumaúltimaolhadaparaamochilavazia,jogadacomoumapromessa

quebradanochãodesuasala.Então,casualmente,pisoudelevenamochila,uma

últimatentativadesesperada.Espereiansiosamentequeeleselevantasseesaísse,

eassimeupoderiaseguircomaminhavidaeesqueceraquelepesadelo.Masopé

deleencontroualgumacoisa.

—Oqueéisso?—perguntouosr.Price,dandoumaspisadinhas.

—Issooquê?

—Aindatemalgumacoisaaqui.

Elepegouamochilaecomeçouatatearofundo.Asalaficouembaçada

,

aos

meusolhos;tudoaoredoroscilava.

Euerainteligente,quandojovem.Erasimpático.Mastambémeraumidiota.

Digo isso no sentido mais amoroso possível. Eu era um idiota rebelde e

mentiroso, irritado e cheio de ressentimento. Aos doze anos, modifiquei o

sistema de segurança da minha casa usando ímãs de geladeira para sair

escondidoànoite.Meuamigoeeucolocávamosocarrodamãedeleemponto

mortoeoempurrávamosatéaruaparadirigirporaísemacordá-la.Euescrevia

redaçõesdefendendooabortoporquesabiaqueaprofessorade inglêserauma

fanática religiosa. Outro amigo e eu roubávamos cigarros da mãe dele e os

vendíamosatrásdaescola.

Euabriumcompartimentosecretonofundodaminhamochilaparaesconder

maconha.

Foiessecompartimentoqueosr.Priceencontroudepoisdepisarnaminha

droga escondida. Eu tinhamentido. E, como prometeu, o sr. Price não pegou

levecomigo.Algumashorasdepois, como todobomadolescentede trezeanos

algemadonobancotraseirodeumaviaturapolicial,euachavaqueaminhavida

tinhaacabado.

E tinhamesmo, de certa forma.Meus paismeprenderam em casa. Eunão

teriaamigosnofuturopróximo.Fuiexpulsodaescola,eterminariaoanoletivo

estudando em casa. Minha mãe me fez cortar o cabelo e jogar fora todas as

camisetas doMarilynManson e doMetallica (o que, para um adolescente em

1998, equivalia a ser condenado àmorte por tosquice).Meu paime arrastava

para o trabalho de manhã e me fazia arquivar documentos por horas a fio.

Depois que a educação domiciliar terminou, fui matriculado numa pequena

escolacristã,onde—oquenãodeveserumasurpresa—eunãomeencaixava

muitobem.

E,quandoenfimtomei jeito,entregandoos trabalhosnoprazoeconsciente

dovalordeumaboaresponsabilidadeclerical,meuspaisdecidiramsedivorciar.

Estoucontandotudoissosópara ilustrarcomominhaadolescênciafoiuma

bosta.Perditodososmeusamigos,meuambiente,direitoslegaisefamílianum

intervalo de nove meses. Como diria a psicóloga que me atendia aos vinte e

poucos anos, foram eventos “traumatizantes pra cacete”, e eu passaria uma

década e mais um pouco tentando entendê-los e deixar de ser um bestinha

egoístaearrogante.

Oproblemacomaminhavidadomésticanaquelaépocanãoforamtodasas

coisashorríveisque foramditas e feitas, e sim tudoquedeveria ter sidoditoe

feito,masnãofoi.MinhafamíliaignoraproblemascomoWarrenBuffettganha

dinheiro ouMichael Jordan enterra no basquete: somos osmelhores nisso. A

casapodiaestarpegandofogoediríamos:“Ah,não,estátudobem.Sóumpouco

quenteaqui,talvez,massério,tudobem.”

Quando meus pais se divorciaram, não houve pratos quebrados, portas

batidas nem discussões histéricas sobre quem chifrou quem. Depois que

garantiramparamimeparaomeuirmãoquenãoeraculpanossa,elesabriram

paraperguntas—sim,você leudireito—sobrea logísticadanossanovavida.

Nem uma única lágrima foi derramada. Nem uma única voz foi erguida. O

máximoquemeuirmãoeeuchegamosdeentreveravidaemocionaldeclinante

dosnossospaisfoioesclarecimentodeque“ninguémtraiuninguém”.Ah,que

ótimo.Oarestavameioabafadoalinasala,mastranquilo,tudocerto.

Meus pais são boas pessoas.Não os culpo por nada disso (pelomenos não

mais).Eamomuitoosdois.Elestêmaprópriahistória,aprópria jornadaeos

própriosproblemas,comotodosospais.Comoospaisdelestinham,eassimpor

diante.E,comotodosospais,osmeus,comasmelhoresintenções,transmitiram

paramimalgunsdos seusproblemas, oqueprovavelmente também farei com

meusfilhos.

Quando passamos por eventos “traumatizantes pra cacete” como esses,

começamos a achar, inconscientemente, que não podemos resolver alguns dos

nossosproblemas.Essasuposta incapacidade,porsuavez,nosdeixa infelizese

indefesos.

E tem mais uma consequência. Se temos problemas insolúveis, nosso

inconsciente conclui que somos, em certos aspectos,muito especiais oumuito

imperfeitos; que somos diferentes de todos os outros, e que as regras não se

aplicamanós.

Simplificando:nostornamosarrogantes.

O sofrimento que passei na adolescência me colocou num caminho de

arrogância que segui por boa parte do início da vida adulta. Enquanto a

arrogânciadeJimmysemanifestavanoâmbitoprofissional,emqueele forjava

um enorme sucesso, a minha se manifestava em meus relacionamentos,

especialmente comasmulheres.Meu traumagirava em tornode intimidade e

aceitação,entãoeusentiaanecessidadeconstantedeprovaramimmesmoque

eraamadoeaceito.Comoresultado,comeceiacorreratrásdemulherescomo

umviciadoempósejogariasobreumbonecodenevefeitodecocaína:fazendo

amoremêxtase,paraimediatamentedepoissufocarqualquersentimento.

Virei um galinha: imaturo e egoísta, embora às vezes charmoso. E passei

quaseumadécadacolecionandoumalongasériederelacionamentossuperficiais

edoentios.

Nãoeraexatamentesexooqueeuqueria,emboraessapartefossedivertida.

Eraavalidação.Eueradesejado,amado;pelaprimeiraveznavida,desdequeme

entendiaporgente,eutinhavalor.Meudesejodevalidaçãologovirouumhábito

mentalde exagerarminha importância ede ser autoindulgentedemais.Eume

sentianodireitodedizeroufazeroquequisesse,detrairaconfiançadaspessoas,

deignorarsentimentos,edepoismejustificavacomdesculpasesfarrapadas.

Embora esse período tenha tido seus momentos de diversão e emoção,

embora eu tenha conhecido algumas mulheres maravilhosas, minha vida era

meioqueumconstantecaos.Viviadesempregado,dormindonosofádeamigos

ou morando com a minha mãe, bebendo muito mais do que deveria, me

afastando de vários amigos — e, quando conheci uma mulher de quem

realmentegostava,meuegocentrismonãodemorouaestragartudo.

Quanto mais profunda é a dor, mais impotentes nos sentimos diante dos

problemas e mais arrogantes ficamos em compensação. Essa arrogância pode

funcionardedoisjeitos:

1. Eusouincrívelevocêssãounsmerdas,entãomereçotratamentoespecial.

2. Eusouummerdaevocêssãoincríveis,entãomereçotratamentoespecial.

Por fora, são mentalidades opostas, mas por dentro é o mesmo recheio

cremosodeegoísmo.Naverdade,écomumvergentearrogantealternandoentre

umpensamentoeoutro.Ouestãonotopodomundoouomundodesabousobre

eles, dependendo do dia ou de como estão lidando com seu vício naquele

momento.

Grande parte das pessoas percebe na hora que alguém como Jimmy é um

completo imbecil narcisista, porque ele deixa bastante óbvia sua autoestima

delirante.Oqueamaiorianão identificacomoarrogânciaéocomportamento

daquelesquesesentemsempreinferioreseindignosdomundo.

Interpretar tudo na vida como vitimismo constante exige tanto egoísmo

quanto a atitude oposta. Amesma quantidade de energia e de autocentrismo

delirante são necessários tanto para acreditar que você tem problemas

insuperáveisquantoquenãotemproblemaalgum.

Averdade équenão existemproblemasúnicos epessoais. Se você temum

problema,éprovávelquemilhõesdeoutraspessoasjátenhampassadoporisso

antes de você, estão passando agora ou virão a passar no futuro, inclusive

conhecidos seus. Isso não diminui o problema nem anula a dor. Isso não

significaquevocênãoélegitimamenteumavítimaemalgumascircunstâncias.

Significaapenasquevocênãoéespecial.

Geralmente,essaconstatação—dequevocêeseusproblemasnão sãomais

gravesoumais

,

dolorososqueosdosoutros—éoprimeiropasso,assimcomoo

maisimportante,pararesolvê-los.

Masparecequecadavezmaisgente,principalmenteentreosjovens,esqueceu

isso. Professores e educadores notam uma falta de resiliência emocional e um

excessodedemandasegoístasnosjovensdehoje.Nãoéincomumumlivroser

retiradodocurrículodeumaturmaapenasporqueumalunosesentiumalcoma

leitura. Palestrantes e professores são destratados e banidos do campus por

pecados tão banais quanto sugerir que talvez determinadas fantasias de

Halloweennãosejamtãoofensivasassim.Orientadoreseducacionaisobservam

umaquantidademaiordoquenuncadealunosexibindosinaisgravesdeabalo

emocional após experiências comuns da vida acadêmica, comodiscutir como

colegadequartooutirarumanotabaixa.

Éestranhoque,numaépocaemqueestamosmaisconectadosdoquenunca,

aarrogânciaesteja tãoemalta.Algona tecnologia recenteparecepermitirque

nossa insegurança jorre aos borbotões, de maneira inédita. Quanto maior a

liberdadedeexpressão,maiornossodesejodenosvermoslivresdequalquerum

que possa discordar de nós ou nos chatear. Quanto mais expostos ficamos a

pontos de vista diferentes,mais nos incomodamos por eles existirem.Quanto

maisfácilelivredeproblemasnossavidasetorna,maisnossentimosnodireito

dequefiqueaindamelhor.

Os benefícios da internet e das redes sociais são, incontestavelmente,

fantásticos. Este é o melhor momento da história para se viver, por diversas

razões,mastalveztaistecnologiasestejamgerandoefeitoscolateraisinesperados

na sociedade. Talvez asmesmas tecnologias que libertaram e instruíram tanta

genteestejaminflandoaimportânciaquedamosanósmesmos.

Atiraniadoexcepcionalismo

Amaioriadaspessoasébastantemedíocreemquasetudoquefaz.Mesmoque

você seja excepcional em uma área, é provável que seja medíocre ou mesmo

abaixo da média em outras. É a natureza da vida. Para se tornar incrível em

alguma atividade, é preciso investir nela uma quantidade absurda de tempo e

energia.E,comoessesrecursossãolimitados,jáérarosetornarexcepcionalem

umacoisa,quediráemmaisqueisso.

Assim, podemos dizer que é estatisticamente improvável que uma mesma

pessoa seja extraordinária em todas as áreas da vida, ou mesmo em várias.

Empresários brilhantes geralmente têm a vida pessoal toda ferrada. Atletas

extraordinários costumam ser superficiais e burros como uma pedra

lobotomizada.Muitascelebridadestêmumanoçãodavidatão limitadaquanto

seusfãseseguidoresmaisimplacáveis.

Todossomos,basicamente,bemcomuns.Massãoosextremosqueatraemos

holofotes.Jámeioquesabemosdisso,masraramentepensamose/outocamosno

assunto,emenosaindalevantamosaquestãodequeissopodeserumproblema.

Teracessoà internet,aoGoogle,Facebook,YouTubeeacentenasdecanais

de televisão é incrível. Só que nossa atenção é limitada. Não existe a menor

chancedeprocessarmosatsunamideinformaçõesquenosatingeotempotodo.

Assim, só o que chama a atenção são as realmente excepcionais — aquele

0,000001%.

Todos os dias, todas as horas, somos inundados com o que é realmente

extraordinário.Omelhordomelhor.Opiordopior.Asmaioresfaçanhasfísicas.

As piadas mais engraçadas. As notícias mais perturbadoras. As ameaças mais

assustadoras.Semparar.

Nossa vida é repleta de informações sobre os extremos da experiência

humana, porque no ramo damídia é isso que chama atenção, e atenção gera

lucro. É o mais importante. A maior parte da vida, no entanto, se dá na

monótonamédia.Agrandemaioriadavidanãoéextraordinária,esimbastante

medíocre.

Essa inundação de extremos noticiados nos condicionou a acreditar que,

agora, ser excepcional é a norma. E, como somos todos bastante comuns na

maiorpartedo tempo,odilúviode informações sobreoexcepcionalnosdeixa

inseguros e desesperados, porque, obviamente, não somos bons o bastante.

Assim,sentimosanecessidadecadavezmaiordecompensarissocomarrogância

e vício. Lidamos com isso da única forma que sabemos: enaltecendo a nós

mesmosouaosoutros.

Algunsfazemissocriandoesquemasfraudulentosdeenriquecimentorápido.

Uns atravessam o mundo para salvar crianças da desnutrição. Há quem se

destaquenosestudoseganhemilprêmiosacadêmicos.Outrosentramnaescola

atirando.Algunstentamfazersexocomqualquercriaturaquesemova.

Isso temavercomacrescenteculturadaarrogânciaque jáanalisei.Muitas

vezes os millennials são responsabilizados por essa mudança cultural, mas,

provavelmente, apenas porque são a geraçãomais conectada emais visível. A

tendência à arrogância abrange toda a sociedade, e acredito que seja

consequênciadaexcepcionalidadegeradapelosmeiosdecomunicaçãodemassa.

Oproblemaéqueaonipresençadatecnologiaedomarketingestádandoum

nónasexpectativasdemuitagente.Aenxurradadoexcepcionalfazaspessoasse

sentiremmenores,asfazsentirqueprecisamsermaisextremas,maisradicaise

maisautoconfiantesparaseremnotadasouteremvalor.

Quando eu era jovem, minhas inseguranças com intimidade eram

exacerbadaspor todas asnarrativasdemasculinidade ridículasdifundidaspela

cultura pop. Essasmesmas narrativas ainda circulamhoje: para ser popular, o

caratemquesairebebercomoumastrodorock;paraserrespeitado,temque

seradmiradopelasmulheres; sexoéobemmaisvaliosoqueumhomempode

obter,eparaconsegui-lovalesacrificarqualquercoisa(inclusiveadignidade).

Esse fluxo incessante de notícias irreais alimenta nossa insegurança ao nos

exporapadrões fantasiosos impossíveisdecorresponder.Não sónos sentimos

sujeitosaproblemasinsolúveis,comonosconsideramosfracassadosporqueuma

simplespesquisanoGooglemostramilharesdepessoaslivresdessesproblemas.

A tecnologia resolveu antigosproblemas econômicosmasnos trouxenovos

problemas psicológicos.A internet nãodisponibilizou apenas informaçãopara

todos—elafezomesmocomainsegurança,aincertezaeavergonha.

M-m-mas,seeunãovouserespecialnemextraordinário,qualéagraça?

Nossa cultura absorveu a crença de que todos estamos destinados a fazer algo

extraordinário. Celebridades dizem isso.Magnatas dizem isso. Políticos dizem

isso.Até aOprahdiz isso (entãodeve ser verdade).Cadaumdenóspode ser

extraordinário.Todosmerecemosagrandeza.

O paradoxo dessa ideia — afinal de contas, se todo mundo fosse

extraordinário, então, por definição, ninguém seria — não é percebido pela

maioriadaspessoas.Emvezdequestionaroquerealmentemerecemosounão,

engolimosamensagemepedimosmais.

Ser “comum” se tornouonovopadrãode fracasso.Opior lugar emque se

podeestarénomeiodobando,notopodacurvadeGauss.Quandoopadrãode

sucessodeumaculturaé“serextraordinário”,acabasendomelhorestarnopior

extremo da curva de Gauss do que no meio, porque pelo menos ali você é

especialemereceatenção.Muitagenteescolheessaestratégia:provaparatodos

queéomaisinfeliz,omaisoprimido,omaissofrido.

Muitos têm medo de aceitar a mediocridade porque acreditam que, se o

fizerem, nunca conseguirão nada, nunca vão se desenvolver e terão uma vida

insignificante.

Éuma ideiaperigosa.Umavezquevocêaceitaapremissadequeavida só

valeapenasefornotávelegrandiosa,tambémaceitaofatodequeamaiorparte

dahumanidade(incluindovocê)éinútilesemvalor.Eessamentalidadepodese

tornar

,

danosabemrápido,tantoparavocêmesmoquantoparaosoutros.

Aspoucaspessoasquesetornamverdadeiramenteexcepcionaisemalgonão

alcançaram isso porque se consideram excepcionais. Pelo contrário: elas são

incríveisporquesãoobcecadasporseaperfeiçoar.Essafixaçãoéderivadadeuma

crençaimperturbáveldeque,naverdade,nãosãolágrandecoisa.Éoinversoda

arrogância. Quem se torna excelente em alguma coisa consegue isso por

entenderquenãonasceuexcelente—émedíocre,comum—,masquepodese

tornarmuitomelhor.

Essa ladainha de que “todo mundo pode ser extraordinário e alcançar a

grandeza”ésóumapunhetagemdoego.Umamensagemgostosadeengolir,mas

quena verdadenãopassade calorias vazias quedeixamvocê emocionalmente

gordoeinchado,comoumBigMacparaocoraçãoeocérebro.

Ocaminhoparaasaúdeemocional,comoparaafísica,élegumeseverduras

—ou seja, aceitar asverdades semgraça ebanais.Como“Suasações emgeral

nãoimportamtantoassim”e“Amaiorpartedavidaétediosaeirrelevante,mas

tudobem”.Opratodelegumesvaiterumgostobemruimnocomeço.Vocênão

vaiquerercomer.

Mas, depois que engolir, seu corpo vai acordar mais potente e mais vivo.

Afinaldecontas,vocênãovaimaisestarcarregandoaconstantepressãodeser

incrível e inovador. O estresse e a ansiedade de ser sempre inadequado e de

precisar seprovarvai sedissipar.Eapercepçãoeaaceitaçãoda suaexistência

banal o libertarão para realizar o que realmente deseja, sem julgamento ou

expectativasaltasdemais.

Vocêvaiapreciarcadavezmaisascoisassimplesdavida:osprazeresdeter

amigos,decriaralgumacoisa,deajudaralguémemnecessidade,delerumbom

livro,derircomalguémdequevocêgosta.

Quechatice,não?Éporquetudoissoécomum.Mastalvezsejacomumpor

umarazão:porquesãoascoisasquerealmenteimportam.

4

Ovalordosofrimento

Nos últimosmeses de 1944, após quase uma década de guerra, amaré estava

virando contra o Japão. A economia do país passava por dificuldades, seus

exércitos se dispersavam por metade da Ásia e os territórios que havia

conquistadopeloPacíficocaíamcomodominósparaosEstadosUnidos.

Aderrotapareciainevitável.

Em26dedezembrode 1944, o segundo-tenenteHirooOnoda,doExército

ImperialJaponês,foienviadoàilhotadeLubang,nasFilipinas.Suasordenseram

desacelerar aomáximoo progresso dosEstadosUnidos, resistir e lutar a todo

custo,jamaisserender.Tantoelequantoseucomandantesabiamqueaquelaera

basicamenteumamissãosuicida.

Em fevereiro de 1945, os norte-americanos chegaram a Lubang e

conquistaramailhacomumaforçaarrebatadora.Emquestãodedias,amaioria

dossoldados japonesestinhaserendidooumorrido,masOnodaetrêsdeseus

homensconseguiramse esconderna floresta.Dali emdiante, começaramuma

campanhadeguerrilhacontraasforçasdosEstadosUnidoseapopulaçãolocal,

atacando rotas de abastecimento, atirando em soldados desacompanhados e

atrapalhandoasforçasamericanasdetodasasformasquepodiam.

Em agosto daquele ano, seis meses depois, os Estados Unidos lançaram as

bombasatômicasnascidadesdeHiroshimaeNagasaki.OJapãoserendeu,ea

guerramaismortíferadahistóriadahumanidadechegouaseudramáticofim.

Contudo,milharesdesoldadosjaponesescontinuavamespalhadospelasilhas

doPacífico,muitosdeles,assimcomoOnoda,escondidosemflorestassemsaber

queaguerraacabara.Essesgruposcontinuaramalutaresaquearcomoantes,o

que configurou um grande problema na hora de reconstruir a Ásia Oriental

depoisdaguerra.Osgovernosconcordavamquealgoprecisavaserfeito.

O Exército americano, junto com o governo japonês, jogou milhares de

panfletosemtodaaregiãodoPacífico,anunciandoqueaguerratinhaterminado

equetodomundodeveriavoltarparacasa.Onodaeseushomens,assimcomo

muitos outros, encontraram e leram esses panfletos, mas, ao contrário da

maioria, o tenente julgou que fossem falsos, uma armadilha das forças

americanas para tirar os guerrilheiros de seu esconderijo. Onoda queimou os

panfletosecontinuoualutaraoladodeseushomens.

Cincoanossepassaram.Ospanfletostinhamparadodechegar,amaiorparte

dasforçasamericanasjávoltaraparacasa,apopulaçãolocaldeLubangtentava

retomar a vida normal de agricultura e pesca,mas lá estavamHirooOnoda e

seus alegres companheiros, ainda atirando em fazendeiros, queimando as

colheitas, roubando gado ematando nativos que se embrenhassem demais na

floresta.Entãoogovernofilipinofeznovospanfletoseosespalhoujustamentelá,

nafloresta.Saiam,diziam.Aguerraacabou.Vocêsperderam.

Masessestambémforamignorados.

Em1952, o governo japonês fez umaúltima tentativa de atrair os soldados

remanescentesaindaescondidospelosterritóriosdoPacífico.Dessavez,cartase

fotosdas famíliasdossoldadosdesaparecidos foramespalhadas, juntocomum

bilhete escrito pelo próprio imperador. Mais uma vez, Onoda se recusou a

acreditarquea informação fosse real.Maisumavez, julgouserumtruquedos

americanos.Maisumavez,eleeseushomensresistiramecontinuaramalutar.

Mais alguns anos se passaram e os filipinos, fartos de serem aterrorizados,

finalmente se armaram e começaram a revidar. Em1959, umdos soldados de

Onoda havia se rendido, e outro fora morto. Então, uma década depois, seu

último companheiro, um homem chamadoKozuka,morreu em uma troca de

tiroscomapolícialocalenquantoqueimavacamposdearroz—aindaemguerra

comapopulaçãolocal,umquartodeséculoapósotérminodaSegundaGuerra!

Onoda,depoisdepassarmaisdametadedavidapelasflorestasdeLubang,se

viusozinho.

Em1972,anotíciadamortedeKozukachegouaoJapão,causandocomoção.

Os japonesesachavamqueosúltimossoldados tinhamvoltadoparacasahavia

anos. A mídia japonesa começou a se perguntar: se Kozuka permanecia em

Lubangaté1972,talvezopróprioOnoda,oúltimobastiãojaponêsdaSegunda

Guerra, ainda estivesse vivo. Naquele ano, os governos japonês e filipino

enviaramgruposdebuscaparaprocuraroenigmáticosegundo-tenente,àquela

alturapartemito,parteherói,partefantasma.

Nãoencontraramnada.

Comopassardosmeses,ahistóriadeOnodasetornouumaespéciedelenda

urbananoJapão—oheróideguerratãoinsanoquenãopodiaserreal.Muitoso

romantizavam. Outros o criticavam. Alguns achavam que fosse uma fábula

inventadaporquemaindaacreditavaemumJapãoextintohaviamuito.

FoinessaépocaqueumjovemchamadoNorioSuzukiouviufalardeOnoda.

Suzukieraaventureiro,exploradoremeiohippie.Nascidodepoisdaguerra,ele

abandonara a faculdade e passara quatro anos viajandopelaÁsia, aÁfrica e o

OrienteMédio,dormindoembancosdepraças,carrosdedesconhecidos,celas

decadeiaesobasestrelas.Suzukitrabalhavaemfazendasemtrocadecomidae

doavasangueemtrocadeabrigo.Umespíritolivre,talvezmeiodoidãotambém.

Em1972,Suzukiprecisavadeumanovaaventura.DevoltaaoJapão,achava

sufocantes as rígidas normas culturais e a hierarquia social. Detestava a

faculdade.Não parava em emprego algum.Queria pegar a estrada, voltar a se

virarsozinho.

ParaSuzuki,alendadeHirooOnodaeraasoluçãodeseusproblemas.Uma

aventura nova e digna para embarcar. Para Suzuki, ele seria a pessoa que

encontrariaOnoda.Bem,gruposdebuscaorganizadospelosgovernos japonês,

filipinoeamericanonãoconseguiramacharohomem;asforçaspoliciaislocais

faziam varreduras na floresta havia trinta anos sem resultados; milhares de

,

panfletos não tinham dado em nada—mas foda-se tudo isso, porque aquele

hippieinútilquetinhalargadoafaculdadeseriaoúnicocapazdeencontrá-lo.

Desarmadoe semtreinamentomilitaroudereconhecimento,Suzukiviajou

paraLubangecomeçouavagarsozinhopelafloresta.Suaestratégiaeragritaro

nomedeOnodabemaltoedizerqueoimperadorestavapreocupadocomele.

Encontrouotenenteemquatrodias.

Suzuki passou um tempo com ele na floresta. Àquela altura, Onoda estava

sozinho havia mais de um ano e, ao se deparar com Suzuki, acolheu a

companhia,desesperadoparasaberoqueestavaacontecendonomundoexterior

porumafontejaponesaconfiável.Osdoissetornarammeioqueamigos.

Suzuki perguntou a Onoda por que ele havia permanecido e continuado a

lutar. Simples, respondeuOnoda: ele recebera a ordem de “jamais se render”,

entãoficou.Passaraquasetrintaanossimplesmenteobedecendoaumaordem.

Então Onoda perguntou a Suzuki por que um “garoto hippie” como ele foi

procurá-lo.SuzukiexplicouquetinhadeixadooJapãoembuscade trêscoisas:

“OtenenteOnoda,umpandaeoAbominávelHomemdasNeves,nessaordem.”

Os dois homens foram unidos pelas circunstâncias mais improváveis: dois

aventureiros bem-intencionados embusca de falsas visões de glória, comoum

DomQuixoteeumSanchoPançajaponeses,juntosnosconfinsúmidosdeuma

florestafilipina,ambosseconsiderandoheróismesmosozinhos,semnadaecom

objetivos vazios. Onoda já desperdiçara a maior parte da vida numa guerra

fantasma. Suzuki também desperdiçaria a dele. Depois de encontrar Hiroo

Onoda e o panda, ele morreria alguns anos mais tarde, numa avalanche,

enquantobuscavaoAbominávelHomemdasNevesnoHimalaia.

Écomumqueossereshumanosescolhamdedicargrandesperíodosdavidaa

causasaparentementeinúteisoudestrutivas.Àprimeiravista,sãosemsentido.É

difícilimaginarcomoOnodapodetersidofeliznaquelailhadurantetrintaanos

— comendo insetos e roedores, dormindo na terra, assassinando civis década

após década. Ou por que Suzuki se jogou em direção à própria morte, sem

dinheiro,semcompanhiaecomoúnicopropósitodeencontrarofictícioyeti.

Tempos depois, Onoda declarou não se arrepender de nada. Disse que se

orgulhava de suas escolhas e do tempo que passara em Lubang; que foi uma

honra dedicar parte considerável de sua vida a um império já inexistente. Se

Suzuki tivesse sobrevivido, provavelmente teria dito algo similar: que estava

fazendoexatamenteoquequeria,quenãosearrependiadenada.

Essesdoishomensescolheramcomoqueriamsofrer.HirooOnodaescolheu

fazê-lopor lealdade aum impériomorto, enquantoSuzuki escolheu sofrer em

nomedaaventura,pormaisimprudentequefosse.Paraeles,osofrimentotinha

um significado, servia a uma causa maior. E foi por esse motivo que ambos

conseguiramsuportá-lo,talvezatégostardele.

Seosofrimentoéinevitável,seosproblemasdavidatambémsão,apergunta

quedevemosfazernãoé“Comoparodesofrer?”,esim“Peloqueestousofrendo?

Comquepropósito?”.

Hiroo Onoda voltou ao Japão em 1974, onde se tornou uma celebridade.

Visitava programas de entrevistas na TV e estações de rádio; políticos faziam

questãodeapertarsuamão;publicouumlivrodememórias;ogovernoaté lhe

ofereceuumaboaquantiadedinheiroemrecompensa.

Mas o que ele encontrou quando retornou ao Japão o deixou horrorizado:

umaculturaconsumista,capitalistaesuperficial,queperderatodasastradições

dehonraesacrifíciocomasquaissuageraçãohaviasidocriada.

Onoda tentou usar sua súbita condição de celebridade para defender os

valoresdoantigoJapão,masnãoentendiaaquelanovasociedade.Eleeravisto

maiscomoumacuriosidadedoquecomoumpensadorsério—umjaponêsque

saíradeumacápsuladotempoparaodeleitedetodos,comoumarelíquianum

museu.

A maior ironia nisso tudo foi que Onoda ficou muito mais deprimido no

Japãodoquedurante todosaqueles anosna floresta.Porque lá, aomenos, sua

vida tinhaumpropósito;umsentido. Isso tornavao sofrimento tolerável e até

um pouco prazeroso.Mas, no novo Japão, que ele via como uma nação vazia

cheiadehippiesemulheresfáceisemroupasocidentais,elefoiconfrontadocom

ainevitávelverdade:sualutanãovaleranada.OJapãopeloqualviveraelutara

nãoexistiamais.Eopesodessapercepçãooatingiucomonenhumabalajamais

conseguira. Como seu sofrimento não significara nada, a conclusão se tornou

claraereal:trintaanosdesperdiçados.

Então, em 1980, Onoda fez as malas e foi para o Brasil, onde morou

praticamenteatémorrer.

Aceboladaautoconsciência

Aautoconsciênciaéumacebola:cheiadecamadas,equantomaisvocêdescasca,

maisprováveléquecomeceachoraremmomentosinadequados.

Digamosqueaprimeiracamadadaautoconsciênciaéasimplescompreensão

dasprópriasemoções.“Assimeumesintofeliz”,“Issomedeixatriste”,“Issome

dáesperança”.

Infelizmente,muita gente épéssima atémesmonessenívelmais básico. Sei

disso porque sofro desse mal. Às vezes, minha esposa e eu temos conversas

divertidasquecorremmaisoumenosassim:

ELA:Oquefoi?

EU:Nada.Nada,não.

ELA:Não,aconteceualgumacoisa.Oquefoi?

EU:Tátudobem.Juro.

ELA:Temcerteza?Vocêparecechateado.

EU:[comumarisadanervosa]Sério?Não,tátudobem,deverdade.

[Meiahoradepois…]

EU:…eéporissoqueeuestouputodavida!Elepassametadedotempo

agindocomoseeunãoexistisse.

Todosnóstemospontoscegosemocionais.Emgeral,sãoossentimentosque

aprendemosaconsiderarinapropriadosnainfância.Éprecisoanosdepráticae

esforçoparaconseguiridentificá-loseexpressarasemoçõesdeformaadequada.

Éumatarefaextremamenteimportante,quevaleoesforço.

A segunda camada da cebola da autoconsciência é a capacidade de se

perguntaroporquêdecertossentimentos.

Esses porquês são difíceis, emuitas vezes levamosmeses, ou até anos, para

chegar a uma resposta consistente e precisa. A maioria das pessoas precisa

recorreraumpsicólogoparasequerouviressasperguntaspelaprimeiravez.Tais

questionamentos são importantes porque esclarecem o que consideramos ser

sucessooufracasso.Porquevocêsenteraiva?Éporquenãoconseguiualcançar

algum objetivo? Por que se sente letárgico e sem inspiração? É porque não se

considerabomosuficiente?

Essacamadadequestionamentonosajudaaentenderaraizdasemoçõesque

nos dominam. Quando entendemos essa origem, temos a chance de tomar

algumaatitudeparamudar.

Mas existe um terceiro nível, ainda mais profundo, da cebola da

autoconsciência,eesseécheiode lágrimas.Eleé formadopelosnossosvalores

pessoais:porqueconsideroissoumsucesso/fracasso?Comoescolhomeavaliar?

Qualéopadrãoqueusocomoreferênciaparajulgaramimmesmoeaosqueme

cercam?

Essenível,querequerconstantequestionamentoeesforço,émuitodifícilde

alcançar, mas é justamente o mais importante, porque nossos valores

determinam a natureza dos nossos problemas, e a natureza dos nossos

problemas,porsuavez,determinaaqualidadedanossavida.

Osvaloressãoabasede tudoquesomose fazemos.Seoquevalorizamosé

inútil, se o que escolhemos considerar sucesso ou fracasso é equivocado,

qualquer coisa baseada nesses valores — pensamentos, emoções, sentimentos

cotidianos—seráequivocadatambém.Nofinaldascontas,tudoquepensamose

sentimossobreumasituaçãoseresumeaovalorquedamosaela.

Muitas pessoas não sabem expor esses porquês de forma exata, e

,

isso as

impededeobterumconhecimentomaisprofundodeseusvalores.Elaspodem,é

claro,dizerquevalorizamahonestidadeeosamigosverdadeiros,masaí falam

mal de você pelas suas costas para se sentirem melhores. As pessoas podem

perceberquesesentemsolitárias,masquandoseperguntamporque se sentem

assim, encontram um jeito de culpar os outros— todomundo é péssimo, ou

ninguém é descolado ou inteligente o suficiente para compreendê-las — e

continuamevitandooproblemaemvezdetentarresolvê-lo.

Muita gente chama isso de autoconsciência, mas se essas pessoas

conseguissem se aprofundar e observar seus valores-base, perceberiam que só

estavam evitando a responsabilidade pelos próprios problemas em vez de

identificá-los.Perceberiamqueasprópriasdecisões sãobaseadasnabuscapela

euforia,enãoporumafelicidadeverdadeira.

Amaioriadosgurusdaautoajudatambémignoraessenívelmaisprofundode

autoconsciência.Àspessoasqueestãoinfelizesporquequeremserricas,elesdão

vários conselhos para ganhar mais dinheiro, ignorando questões importantes

baseadasemvalores:emprimeirolugar,porqueelassentemessanecessidadede

serricas?Comoestãoescolhendomedirseusucessooufracasso?Seráquearaiz

da infelicidadequesentemnãoédeterminadovalorpessoal,emvezdofatode

queaindanãoestãodirigindoumBentley?

Grandepartedosconselhosdisponíveisporaíagenonívelmaissuperficial,

tentando fazer as pessoas se sentirem bem a curto prazo, enquanto os

verdadeiros problemas a longo prazo nunca se resolvem. As percepções e

sentimentosdaspessoaspodemmudar,masosvalores-baseeaformadeavaliá-

los são sempreosmesmos.Nãoéumprogresso real.É sómaisuma formade

experimentaroutrosestadosdeeuforia.

Oautoquestionamentohonestoédifícil.Requer seperguntar coisas simples

que são difíceis de responder. Pelo que sei, quanto mais desconfortável for a

resposta,maioresaschancesdequesejaverdadeira.

Tireuminstanteparapensaremalgoqueoestejaincomodandomuito.Agora

sepergunteporque issoo incomoda.Éprovávelquea respostaenvolvaalgum

tipo de fracasso. Depois, pergunte-se por que esse fracasso lhe parece

“verdadeiro”.Eseissonãoforumfracasso?Esevocêestiveranalisandoascoisas

dojeitoerrado?

Umexemplorecentetiradodaminhavida:

“Eumeincomodoporqueomeuirmãonãorespondeàsminhasmensagens.”

Porquê?

“Porqueficoachandoqueelecagapramim.”

Eporqueissolhepareceverdade?

“Porqueseelequisesseserelacionarcomigo,tirariadezsegundosdodiapara

conversar.”

Porquevocêvêcomofracassoofatodeelenãoserelacionarcomvocê?

“Porquesomosirmãos!Devemosterumbomrelacionamento!”

Estão acontecendo duas coisas aqui: um valor que considero importante e

umamedidaqueusoparaavaliaroprogressoemdireçãoaessevalor.Meuvalor:

irmãosdevemterumbomrelacionamento.Minhamedida:mantercontatopor

telefone,mensagensoue-mail—éassimquemeçomeusucessocomoirmão.Ao

meapegaraessamedida,mesintoumfracasso,oqueàsvezesestragaminhas

manhãsdesábado.

Poderíamosiraindamaisfundo,repetindooprocesso:

Porqueirmãosdevemterumbomrelacionamento?

“Porqueirmãossãoparentes,eumafamíliadeveserpróxima!”

Porqueissolhepareceverdade?

“Porque seus familiares devem ser mais importantes do que as outras

pessoas!”

Porqueissolhepareceverdade?

“Porqueserpróximodafamíliaé‘normal’e‘saudável’eeunãotenhoisso.”

Nessaconversa,meuvalor-baseficaclaro—terumbomrelacionamentocom

omeuirmão—,masaindatenhodificuldadescomamétrica.Euarebatizeide

“proximidade”,mas continua sendo amesma: aindame julgo enquanto irmão

combasenafrequênciadocontato—e,usandoessamedida,mecomparocom

outraspessoasqueconheço.Todososoutros(oupelomenoséoquepenso)têm

um relacionamento próximo com seus familiares, e eu não. Então é claro que

devehaveralgoerradocomigo.

Mas e se eu estiver escolhendo uma medida superficial para mim e para

minhavida?Quaisoutrasverdadesnãoestouconsiderando?Bom,talvezeunão

preciseserpróximodomeuirmãopara terobomrelacionamentoquevalorizo.

Talvez só precise existir respeitomútuo (existe).Ou talvez a confiançamútua

seja o principal (idem). Talvez essasmedidas sejam formasmais eficientes de

avaliarafraternidadedoqueaquantidadedemensagensquetrocamos.

Issofazsentido;pareceverdade.Mesmoassim,ofatodemeuirmãoeeunão

sermospróximosdóipra caralho, enão existenenhuma formapositivade ver

isso.Nãoháumjeitosecretodemesentirmelhorporisso.Àsvezes,irmãos—

mesmoosque seamam—não têmumrelacionamentopróximo,e tudobem.

Nocomeço,édifícilaceitar,mastudobem.Oqueéverdadesobresuasituação

não é tão importante quanto a forma como você vê a situação, como escolhe

medi-la e valorizá-la. Os problemas podem ser inevitáveis, mas o que cada

problemavai significarnãoé.Controlamosoquenossosproblemassignificam

aoescolhermoscomoosvemoseopadrãoqueusamosparamedi-los.

Problemasderockstar

Em 1983, um jovem e talentoso guitarrista foi expulso de sua banda da pior

formapossível.Abandaacabaradeassinarumcontratoeestavaprestesagravar

oprimeirodisco,masdeuumpénabundadoguitarristaapenasdiasantesde

começarem a gravação. Sem preparação, sem discussão, sem drama: um dia

acordaramocaraelheentregaramumapassagemdeônibusparacasa.

Noônibus,voltandodeNovaYorkparaLosAngeles,oguitarristanãoparava

de se perguntar:Como isso aconteceu?O que eu fiz de errado?O que vou fazer

agora?Contratosdegravaçãonãocaemdocéu,aindamaisparabandasdemetal

barulhentaseminíciodecarreira.Seráqueeletinhaperdidosuaúnicachance?

QuandochegouaLosAngeles,oguitarristajátinhasuperadoaautopiedadee

decididoformarumanovabanda.Essanovabandaseriatãobem-sucedidaquea

antigasearrependeriaparasempredadecisãodetê-loexpulsado.Eleficariatão

famoso que os ex-colegas seriam forçados a passar décadas vendo-o na TV,

ouvindo-ono rádio, vendo-o em cartazesnas ruas e em fotos de revistas. Eles

estariam fritando hambúrgueres em alguma lanchonete ou carregando os

equipamentos nas costas depois de mais um show de merda num pé-sujo

qualquer,todosgordosebêbadosemorandoemchiqueiros,enquantoeleestaria

tocando para estádios lotados com transmissão ao vivo pela televisão. Ele se

banharianas lágrimasdostraidoresesecariacadaumadelascomumanotade

cemdólaresnovinhaemfolha.

Oguitarristapassouatrabalharcomosepossuídoporumdemôniomusical.

Passoumeses recrutandoosmelhores instrumentistasqueencontrava—todos

muitomelhores que seus ex-colegas de banda. Escreveu dezenas demúsicas e

ensaioureligiosamente.Araivaalimentousuaambição;avingançasetornousua

musa inspiradora. Empoucos anos, a nova banda também tinha assinado um

contratoe,umanodepois,ganhariaumdiscodeouro.

O guitarrista se chamavaDaveMustaine, e seu novo projeto era a lendária

banda de heavymetalMegadeth.Venderammais de vinte e cincomilhões de

discose fizeramvárias turnêsmundiais.Hoje,Mustaineéconsideradoumdos

nomesmaisbrilhanteseinfluentesdahistóriadogêneromusical.

Infelizmente,abandaqueoexpulsousechamavaMetallica,quevendeumais

decentoeoitentamilhõesdediscosemtodoomundoequemuitosconsideram

umadasmelhoresbandasderockdetodosostempos.

Por causa disso, uma rara entrevista íntima em 2003 revelou umMustaine

choroso admitindo que ainda se sentia

,

um fracassado. Apesar de tudo que

conquistou,emsuamenteelesempreseriaocaraquefoiexpulsodoMetallica.

Somos animais. Nos consideramos muito sofisticados com nossos micro-

ondas e sapatos de marca, mas não passamos de um bando de animais bem

enfeitados. E, por sermos animais, instintivamente avaliamos a nósmesmos a

partirdoquevemosnosoutros,competindoporstatus.Aquestão,portanto,não

ésenossaautoavaliaçãotemcomoreferênciaoquevemosnosoutros,esimqual

referênciaéessa.

DaveMustaine,conscientedissoounão,escolheuseavaliarsegundoopadrão

“sermaisbem-sucedidooumaispopularqueoMetallica”.Foitãodolorososer

expulsodeseuantigogrupoqueeleadotouo“sucessorelativoaodoMetallica”

comomedidaparaavaliarasimesmoeaprópriacarreiramusical.

Apesarde ter transformadoumincidentedifícilemalgopositivo,aocriaro

Megadeth, a escolha de Mustaine de se ater ao sucesso do Metallica como

parâmetro de sucesso continuou a prejudicá-lo por décadas.Apesar de todo o

dinheiro,fãseelogios,eleaindaacreditavaterfracassado.

Bem,vocêeeupodemosacharcômicaasituaçãodeDaveMustaine.Olhasóo

cara,cheiodagrana,adoradoporcentenasdemilharesdepessoas,trabalhando

com o que gosta emesmo assim fica se lamentando pelos cantos porque seus

amiguinhosdevinteanosatrássãomuitomaisfamosos.

Isso é porque você e eu temos valores diferentes dos de Mustaine e nos

avaliamossegundooutrosparâmetros.Provavelmenteosnossosestãomaispara

“Quero trabalhar com um chefe que eu não odeie”, “Quero ter dinheiro para

colocarmeufilhonumaescolaboa”ou“Medouporsatisfeitoemnãoacordar

num valão”. Segundo esses parâmetros, Mustaine é extremamente bem-

sucedido.Mas,peloparâmetrodele—“Sermaispopular emaisbem-sucedido

queoMetallica”—,Mustaineéumfracassado.

Nossosvaloresdeterminamoparâmetrosegundooqualavaliamosasoutras

pessoasenósmesmos.Ovalorde lealdadedeOnodaao império japonês foio

que o sustentou em Lubang por quase trinta anos, mas esse mesmo valor o

deixouinfelizaoretornaraoJapão.OparâmetrodeMustaine,sermelhorqueo

Metallica, provavelmente o impulsionou a construir uma carreira musical

extremamentebem-sucedida,masessemesmoparâmetrootorturoumaistarde,

apesardetodooseusucesso.

Se você deseja mudar sua forma de ver os problemas, precisa mudar seus

valorese/ousuaformademedirfracassosesucessos.

Comoexemplo,vamosanalisaroutromúsicoquefoiexpulsodesuabanda.A

história dele é muito parecida com a de Dave Mustaine, embora tenha

acontecidoduasdécadasantes.

Era 1962. Uma nova banda de Liverpool, Inglaterra, estava despertando

interesse.Os integrantes tinhamcortes de cabelo engraçados e umnomemais

engraçadoainda,masamúsicaerainegavelmenteboa,eaindústriafonográfica

começavaenfimanotá-la.

Eram eles: John, vocalista e compositor; Paul, o baixista romântico com

carinhademenino;George,oguitarristarebelde;e…obaterista.

O baterista era considerado o mais bonito do grupo. Todas as garotas

enlouqueciamporele,eseurostofoioprimeiroaaparecernasrevistas.Eleera

também o mais profissional. Não usava drogas, namorava sério… Alguns

executivosachavamatéqueeledeveriaserorostodabanda,nãoJohnouPaul.

Chamava-sePeteBest.Em1962,depoisqueosBeatlesassinaramseuprimeiro

contrato de gravação, os outros três integrantes tomaram uma decisão em

segredo e exigiram que seu empresário, Brian Epstein, demitisse Pete. O

empresário sofreu para atender ao pedido e, por gostar de Pete, ficou

postergandoomomento,naesperançadequeabandamudassedeideia.

Mesesdepois, apenas três dias antes de começarema gravaçãodoprimeiro

disco, Brian Epstein finalmente chamou Pete para conversar. Sem a menor

cerimônia, mandou o baterista dar o fora e encontrar outra banda. Não deu

nenhuma explicação nem prestou condolências — só disse que os outros

queriamqueelesaíssee,bem,boasorteaí.

O substituto escolhido foi um cara esquisito com um narigão engraçado

chamado Ringo Starr. Ele concordou em adotar o mesmo cabelo ridículo de

John,PauleGeorgee insistiuemescrevermúsicas sobrepolvose submarinos.

Osoutroscarasdisseram:Claro,mandaver,porquenão?

Apenas seismesesapósademissãodePete, a febredaBeatlemaniaestavaa

toda,fazendodeJohn,Paul,GeorgeeRingoquatrodosrostosmaisfamososdo

planeta.

Enquantoisso,Petecaiunumaprofundaecompreensíveldepressãoepassou

adedicarseutempoaoquequalquerbritânicofazsetivermotivo:beber.

Orestantedosanos1960nãoforammaisgentiscomPeteBest.Antesde1965

elejáhaviaprocessadodoisdosBeatlesporcalúniaefracassadomiseravelmente

em todos os seus outros projetos musicais. Em 1968, tentou suicídio, só

desistindodedesistirgraçasàmãe.Emresumo,suavidaeraumdesastre.

PeteBestnão teveamesmahistóriaderedençãodeDaveMustaine.Nãose

tornouumastromundialnemganhoumilhões.Noentanto,Bestsedeumelhor

queMustaineemmuitasáreas.Numaentrevistade1994,eledeclarou:“Soumais

felizdoqueteriasidocomosBeatles.”

Comoassim?

PeteBestexplicouqueaexpulsãodosBeatlesfoioqueolevouaconhecera

esposa,comquemveioa ter filhos.Seusvaloresmudaram:elepassouaavaliar

suavidasegundooutrosparâmetros.Famaeglóriateriasidoótimo,éclaro,mas

Pete compreendeu a dimensão maior do que tinha conquistado: uma família

grandeeamorosa,umcasamentoestável,umavidatranquila.Elenãodeixoude

tocarbateria, fez turnêspelaEuropaegravoudiscosatéo finaldosanos2000.

Então, o que ele realmenteperdeu?Apenasmuita atenção e adulação, embora

tenhaganhadoalgomuitomaissignificativo.

Essas histórias sugerem que alguns valores e parâmetros sãomelhores que

outros.Algunsconduzemaproblemasbons(dotipofácilesimplesderesolver),

enquanto outros levam a problemas ruins (do tipo difícil e complexo de

resolver).

Valoresescrotos

Algunsvaloressófazemcriarproblemas—problemascomplexosdeseresolver.

Então,vamosavaliarbrevementealgunsdessesvaloresescrotos:

1.Prazer.Prazer éótimo,masé tambémumpéssimovalornoqualbasear sua

vida. Pergunte a qualquer viciado emdrogas aonde sua busca por prazer o

levou.Pergunteaoadúlteroqueviusuafamíliasedesintegrarequeafastouos

filhosseoprazerodeixoufeliz.Pergunteaalguémqueficouàbeiradamorte

porcausadagulaexcessivaseoprazeroajudouaresolverseusproblemas.

Oprazeréumfalsodeus.Pesquisasmostramqueconcentrarenergiaem

prazeres superficiais leva a ansiedade, instabilidade emocional e tristeza

extrema. O prazer é o meio mais superficial de se obter satisfação; por

consequência,essasatisfaçãoéamaisfácildeobter,mastambémamaisfácil

deperder.

Apesardisso,oprazerévendidovinteequatrohoraspordia,setediaspor

semana. É nele que nos fixamos. É a substância que usamos para nos

entorpecerenosdistrair.Porém,emboranecessário(empequenasdoses),o

prazernãoésuficiente.

O prazer não é causa para a felicidade: é efeito dela. Se você acertar no

restante (outros valores e parâmetros), o prazer virá naturalmente, como

consequência.

2. Sucesso material. Muitas pessoas medem seu valor pessoal com base no

dinheiroqueganham,nocarroquedirigemounumgramadomaisverdeque

odovizinho.

Pesquisasindicamque,tendonossasnecessidadesfísicasbásicas(comida,

abrigoetc.)supridas,acorrelaçãoentrefelicidadeesucessomaterialapartir

,

desse ponto se aproxima rapidamente do zero. Isto é: se você passa fome e

moranasarjeta,dezmildólaresamaisporanoteriaumgrandeimpactono

seuníveldefelicidade;paraaclassemédiadeumpaísbemestruturado,dez

mil dólares a mais por ano quase não teria impacto na sua vida— o que

significaquevocêestásematandodetrabalharporbasicamentenada.

Ooutroproblemada supervalorizaçãodo sucessomaterial éoperigode

priorizá-lo acima de outros valores, como honestidade, civilidade e

compaixão. Quando as pessoas avaliam a si mesmas não por seu

comportamento,mas pelos símbolos de status atrelados a elas, estão sendo

nãosósuperficiaiscomoidiotastambém.

3. Estar sempre certo. Nosso cérebro é uma máquina falha. Estamos sempre

fazendo suposições incorretas, avaliando mal as probabilidades,

rememorando eventos de forma imperfeita, cedendo a predisposições

cognitivaseobedecendoaosnossoscaprichosemocionais.Sendohumanos,é

muitocomumnosenganarmos,por isso sea suamedidade sucessoé estar

certo,vocêvaiencontrardificuldadeemracionalizartodasessasmerdasque

alimentanasuacabeça.

O fato é: quem quer estar certo em tudo para valorizar a simesmo não

consegue aprender com os próprios erros. Pessoas que se baseiam nesse

parâmetronãotêmacapacidadedeaceitarnovasperspectivaseterempatia.

Elassefechamparainformaçõesnovaseimportantes.

Émuitomaisútil sepresumir ignorante e limitado. Issovai libertá-lode

crenças supersticiosas ou equivocadas e colocá-lo num estado constante de

aprendizagemecrescimento.

4.Otimismo implacável. Há quem avalie a vida segundo a capacidade de ser

otimista em relação a quase tudo. Perdeu o emprego? Ótimo! Uma

oportunidadedeexplorarnovaspaixões.Seumaridotraiuvocêcomsuairmã?

Bem,pelomenosvocêdescobriuoquerealmentesignificaparaaquelesquea

cercam.Seufilhoestámorrendodecâncernoesôfago?Bem,aomenosvocê

nãovaiprecisarpagarauniversidade!

Aindaqueexistavalorem“veroladobomdascoisas”,averdadeéqueàs

vezesavidaéumadrogamesmo,eaatitudemaissaudáveléadmitirisso.

Negar sentimentos negativos só os aprofunda e prolonga, levando a

problemas emocionais sérios. Positividade constante é uma forma de fuga,

nãoumasoluçãoválidaparaosproblemasdavida—sobretudoporqueesses

problemas podem revigorá-lo emotivá-lo se os valores emedidas corretos

foremaplicados.

Ésimples:coisasdãoerrado,pessoascometemerros,acidentesacontecem.

Tudo isso deixa a gente na merda. E tudo bem. Sentir-se mal é um

componente imprescindível da saúde emocional.Negar sentimentos ruins é

perpetuarproblemasemvezdesolucioná-los.

Quandose tratadeemoçõesnegativas,o truqueé:1) expressá-lasdeum

jeito socialmente aceitável e saudável e 2) expressá-las de uma forma que

esteja alinhada aos seus valores.Exemplo simples: umdosmeus valores é a

nãoviolência.Então,quandoficocomraivadealguém,possoexpressaresse

sentimento,massempretomandoocuidadodenãodarumsoconacarade

quemmeirritou.Éumaideiaradical,eusei.Masaraivanãoéoproblema.A

raivaénatural.Fazpartedavida.Araivaé,semdúvida,saudávelemmuitas

situações. (Não esqueça que as emoções são apenas um mecanismo de

resposta.)

Oproblemaseriasocaraspessoas.Araivaéapenasomensageirodomeu

punhonasuacara.Nãoculpeomensageiro.Culpemeupunho(ousuacara).

Quandonosforçamosaserotimistasotempotodo,negamosaexistência

dos problemas. E quando negamos nossos problemas, nos privamos da

chancederesolvê-losedecriarfelicidade.Osproblemasgeramumasensação

depropósitoedãosubstânciaàvida.Porisso,evitá-loséomesmoquelevar

umaexistênciasemsentido(mesmoquesupostamenteagradável).

Alongoprazo,terminarumamaratonanosdeixamaisfelizesdoquecomer

umbolodechocolate.Criarumfilhonosdeixamaisfelizesdoqueganharuma

partida de videogame. Abrir uma pequena empresa com amigos e vencer

dificuldadesfinanceirasnosdeixamaisfelizesdoquecomprarumcomputador

novo.Sãoatividadesestressantes,árduasemuitasvezesdesagradáveis,alémde

trazer consigo inúmeros problemas, mas, ao mesmo tempo, são as que nos

proporcionam os momentos mais marcantes e constituem nossas maiores

alegrias.Atividadescomoessasenvolvemdor,cansaço,raivaeatédesespero—

mas,depoisdeconcluídas,olhamosparatrásemocionados.Éoquecontaremos

aosnossosnetos.

É como Freud disse: “Um dia, quando olhar para trás, os anos de luta lhe

parecerãoosmaisbonitos.”

Issoexplicaporquenãodevemospautarnossaexistênciaemvaloresescrotos

—prazer, sucessomaterial, estar sempre certo e otimismo implacável. Alguns

dosmelhoresmomentosdavidanãosãoprazerosos,nãosãograndiosos,nãosão

reconhecidosenãosãopositivos.

O importante é ter bons valores e bons parâmetros, e o prazer e o sucesso

virão como consequências naturais. Se tomados como valores em si, trazem

apenaseuforiasvazias.

Definindovaloresbonseruins

Bons valores são 1) realistas, 2) socialmente construtivos e 3) imediatos e

controláveis.

Valoresruinssão1)supersticiosos,2)socialmentenocivose3)nãoimediatos

nemcontroláveis.

Ahonestidadeéumbomvalorporqueestásobnossototalcontrole,ébaseada

narealidadeebeneficiaoutraspessoas(mesmoqueàsvezessejadesagradável).

Já a popularidade é um valor ruim— se considerá-la como valor, sendo seu

parâmetrodesucessoserocara/agarotamaispopulardafesta,grandepartedo

queacontecernasuavidaestaráforadoseucontrole.Afinal,vocênãosabequem

mais comparecerá à festa e provavelmente não vai conhecer metade dos

convidados.Alémdomais,nãoéumvalor/parâmetroquesebaseienarealidade:

vocêpodesesentirpopularounão,masnaverdadenãotemcomosaberoqueos

outrosachamdevocê.(Observação:emgeral,aspessoasquemorremdemedo

daopinião alheia têmmedoédequepensemomesmoque elaspensamde si

mesmas.)

Alguns exemplos de valores bons e saudáveis: honestidade,

autoaprimoramento,humildade,autoconsciência,autodefesa,defesadosoutros,

autorrespeito,interessepelonovo,altruísmo,humildade,criatividade.

Algunsexemplosdevaloresruinsenãosaudáveis:alcançaropoderatravésde

manipulação ou violência, fazer sexo indiscriminado, sentir-se bem o tempo

todo,sersempreocentrodasatenções,nãoficarsozinho,seramadoportodos,

serricosópelariqueza,sacrificarpequenosanimaisaosdeusespagãos.

Reparequeosvaloresbonsesaudáveissãoalcançados internamente.Coisas

comocriatividadeouhumildadepodemaconteceragoramesmo.Bastaorientar

suamente nesse sentido. São valores imediatos, controláveis e capazes de nos

envolvercomomundocomoeleé,nãocomoqueremosqueseja.

Valores ruins geralmente dependem de eventos externos: voar de jatinho

particular,ouvirquevocêestá certoo tempo todo, terumacasanasBahamas,

comerumdelicioso cannoliduranteomelhor sexoda suavida.Valores ruins,

mesmoqueàsvezessejamdivertidosouprazerosos,estãoforadoseucontrolee

muitasvezessósãoalcançadospormeiossocialmentenocivosousupersticiosos.

TodomundoadorariacomerumbomcannoliouterumacasanasBahamas,

masvaloresrepresentamprioridades,essaéaquestão.Quaissãoosvaloresque

vocêpriorizaacimadetudoeque,portanto,influenciamsuasdecisões?

OvalormaisimportanteparaHirooOnodaeraatotallealdadeeprontidãoao

impériojaponês.Essevalor,casovocênãotenhaconcluídoaolersobreele,era

piorque sushipodre.Criouproblemas terríveis

,

paraOnoda, como ficarpreso

emuma ilha remota, se alimentandode insetos e larvaspor trinta anos.Ah, e

tambémfezOnodasesentirobrigadoaassassinarcivisinocentes.Então,apesar

deseconsiderarumsucessoedecorresponderàprópriamedida,achoquetodos

concordamos que a vida de Onoda foi uma porcaria— ninguém trocaria de

lugarcomeleemsãconsciência,nemaprovariaseusatos.

DaveMustaineconseguiufamaeglóriaemesmoassimsesentiaumfracasso.

Isso porque adotou um valor muito ruim, com base em uma comparação

arbitrária com o sucesso dos outros. Esse valor gerou necessidades terríveis,

como“Euprecisovendercentoecinquentamilhõesdediscos,eaívaificartudo

às mil maravilhas” e “Na próxima turnê só faremos shows em estádios

gigantescos”—problemasque ele achavaqueprecisava resolver para ser feliz.

Nãoésurpresaquenãotenhaconseguido.

JáPeteBesttirouumcoelhodacartola.Apesardedeprimidoeabaladoaoser

expulso dos Beatles, com o passar dos anos ele aprendeu a reformular suas

prioridades, concentrando-senoque realmente importava, e a avaliar sua vida

sobumanovaperspectiva.Petesetornouumsenhorfelizesaudável,comuma

vida tranquila e uma grande família — coisas que, ironicamente, os quatro

Beatlespassariamdécadastentandoalcançaroumanter.

Quando nutrimos valores ruins, ou seja, padrões baixos estabelecidos para

nós eparaosoutros,nos importamos comcoisasquenãomerecematenção e

que no fundo tornam nossa vida pior. Quando escolhemos valores melhores,

direcionamosnossofocoparaopositivo:paraaquiloquerealmenteimporta,que

nosproporcionabem-estar,felicidade,prazeresucesso.

Tudoissoé,emsuma,aessênciado“autoaperfeiçoamento”:priorizarvalores

melhores é escolher se importar com coisasmelhores. Essas coisas nos trazem

problemasmelhores,e,comeles,avidaémelhor.

O restante deste livro é dedicado a cinco valores inusitados que acredito

seremosmaisbenéficosaseadotar.Todosseguema“leidoesforço invertido”

sobreaqualjáfalamos,nosentidodequesãovalores“negativos”.Todosexigem

quevocêenfrenteosproblemasmaisprofundosemvezdeevitá-losrecorrendoa

euforias. São cinco valores pouco convencionais e desconfortáveis, mas que

podemmudarvidas.

O primeiro, que analisaremos no próximo capítulo, é radical: assumir a

responsabilidadeportudoqueacontecenasuavida,nãoimportadequemsejaa

culpa.Osegundoéa incerteza:o reconhecimentoda ignorânciaeocultivoda

dúvida constante em relação às próprias crenças. O terceiro é o fracasso: a

disposição adescobrir suas falhas e erros, paraquepossam sermelhorados.O

quartoéarejeição:acapacidadededizereouvirnão,definindoclaramenteoque

aceitarourejeitar.Ovalorfinaléacontemplaçãodaprópriamortalidade—este

écrucial,porquesemanteratentoàprópriamortetalvezsejaaúnicamaneirade

mantertodososoutrosvaloresemperspectiva.

5

Vocêestásemprefazendoescolhas

Imagine que alguém coloque uma arma na sua cabeça e ameacematar você e

todaasuafamíliasevocênãocorrerquarentaedoisquilômetrosemmenosde

cincohoras.

Seriaterrível.

Agoraimaginequevocêtenhacompradoroupasesportivaseumbomtênis,

treinado religiosamente por meses e completado sua primeira maratona,

encontrandonalinhadechegadaparenteseamigostorcendoporvocê.

Poderiaserumdosseusgrandesmomentos,odemaiororgulhodasuavida.

Exatamente osmesmos quarenta e dois quilômetros. Exatamente amesma

pessoa correndo essa distância. Exatamente amesmador, nasmesmas pernas.

Masquandovocêescolhedeterminadodesafioporlivreeespontâneavontadee

se prepara para isso, o evento se torna ummarco glorioso na sua vida. Se é

forçado,noentanto,podeserumadasexperiênciasmaisapavorantesedolorosas

imagináveis.

Muitasvezes,aúnicadiferençaentreumeventodolorosoeumpoderosoéa

sensação de que escolhemos passar por aquilo, de que somos responsáveis pelo

nossodestino.

Sevocêestáinfeliznasituaçãoatual,éprovávelquetenhaasensaçãodequeo

problema está, ao menos em parte, fora de controle— de que você não tem

comoresolvê-lo,dequeaquilolhefoiimposto,sempossibilidadedeescolha.

Quando acreditamos ter escolhido nossos problemas, nos sentimos

empoderados.Oopostoacontecequandoachamosqueelesnosforamimpostos:

nossentimosvitimadoseinfelizes.

Aescolha

WilliamJamestinhaproblemas.Problemassérios.

Embora pertencesse a uma família rica e importante, desde o nascimento

William enfrentava complicações de saúde que ameaçavam sua sobrevivência:

umproblemaoftalmológicoqueodeixoutemporariamentecegonainfância;um

terrívelmal digestivo que lhe causava vômitos constantes e o forçou a adotar

uma dieta absurdamente específica; deficiências auditivas; espasmos tão

violentos nas costas que passava dias sem conseguir se levantar oumesmo se

sentar.

Emvirtudedasaúdefrágil,WilliamJamespassavaamaiorpartedotempoem

casa.Quasenãotinhaamigosesesaíamalnaescola.Passavaosdiaspintando.A

arte era a única atividade que lhe agradava e também a única em que se

consideravabom.

Infelizmente, só ele achava isso. Ninguém comprava seu trabalho, mesmo

quandoWilliamjáchegaraàidadeadulta.Comopassardosanos,seupai(um

empresáriorico)começouaridicularizá-lopelapreguiçaeafaltadehabilidades.

Enquanto isso, o irmão mais novo, Henry James, se tornou um escritor

reconhecido mundialmente; a irmã, Alice James, também construiu uma boa

carreiracomoescritora.Williameraoesquisitãodafamília,aovelhanegra.

Numa tentativa desesperada de salvar o futuro do jovem, o pai deWilliam

acionou seus contatos para conseguir uma vaga na faculdade de medicina de

Harvard.Erasuaúltimachance,alertouopai.Seeleestragassetudo,nãohaveria

maisesperança.

Mas William nunca se sentiu em casa nem em paz na Universidade de

Harvard.Amedicinanãooatraía.Passavaotempotodosesentindoumafraude.

Afinal,senãoconseguiasuperarosprópriosproblemasdesaúde,comopoderia

esperarterenergiaparaajudarnasaúdealheia?Certodia,depoisdevisitaruma

unidade psiquiátrica, William escreveu em seu diário que sentia ter mais em

comumcomospacientesdoquecomosmédicos.

Algunsanosdepois,novamenteparaadecepçãodopai,Williamabandonoua

faculdade.Mas,emvezdelidarcomopesodairapaterna,decidiufugir:juntou-

seaumaexpediçãoantropológicaparaaAmazônia.

Isso foi na década de 1860, quando a viagem transcontinental era difícil e

perigosa. Se você jogou Oregon Trail no computador quando era criança,

imagineacoisamaisoumenosdaquelejeito,comdisenteria,boisseafogandoe

tudoomais.

Bem, apesar de tudo, William chegou à Amazônia, onde começaria a

verdadeiraaventura.Porincrívelquepareça,suasaúdefrágilsuportouotrajeto,

mas,logonoprimeirodiadaexpedição,Williamcontraiuvaríolaequasemorreu

alimesmo,nafloresta.

Foi quando os espasmos nas costas retornaram, tão dolorosos que o

impediam de andar.Ou seja: estavamagro e desnutrido por causa da varíola,

imobilizadopeloproblemanascostaseabandonadoemplenaflorestatropical(o

restantedaexpediçãoseguirasemele),semtercomovoltar(eleprovavelmente

nãoresistiriaàjornadademesesnaqueleestado).

James acabou dando um jeito de voltar para a Nova Inglaterra, onde foi

recebidoporumpaidecepcionado(maisdoqueantes).Aessaaltura,jánãoera

maistãojovem—tinhaquasetrintaanos

,

—,aindaestavadesempregado,tinha

fracassado em tudo que tentara realizar e estava preso a um corpo pouco

confiável que não tinha muitas chances de melhorar. Apesar das vantagens e

oportunidades que tivera na vida, tudo dera errado. As únicas constantes

pareciam ser o sofrimento e a decepção. William James caiu em depressão

profundaecomeçouapensaremsuicídio.

Certanoite,enquantoliaumtextodofilósofoCharlesPeirce,Williamdecidiu

fazer um pequeno experimento. No diário, escreveu que passaria um ano

acreditando ser cem por cento responsável por tudo que ocorria em sua vida,

fosseoque fosse.Durante esseperíodo, ele faria tudoque estivesse ao alcance

paramudarsuasituação,mesmoqueaschancesdedarcertoparecessemnulas.

Senadamelhorassenaquele ano, ficaria claroque ele realmente era impotente

diantedascircunstânciasdavida,e,diantedisso,WilliamJamessemataria.

O resultado?William James se tornouo pai da psicologia norte-americana.

Suaobrafoitraduzidaparaumacacetadadeidiomas,eeleéconsideradoumdos

intelectuais/filósofos/psicólogosmaisinfluentesdesuageração.Posteriormente,

ele se tornou professor deHarvard e cruzou EstadosUnidos e Europa dando

palestras. Casou-se e teve cinco filhos (um dos quais, Henry, foi um famoso

biógrafo e ganhou o Prêmio Pulitzer). William James chegou a se referir ao

pequenoexperimentocomoseu“renascimento”,acausadetudoqueconquistara

navida.

Existe uma percepção simples que permite todo tipo de melhora e

crescimento pessoal: a de que nós, individualmente, somos responsáveis por

nossavidacomoumtodo,sejamquaisforemascircunstânciasexternas.

Nemsempredáparacontrolaroqueacontececonosco,massemprepodemos

definirnossainterpretaçãodosacontecimentosenossareaçãoaeles.

Tendoounãoessaconsciência,sempresomosresponsáveispelocaminhoque

tomamos. É impossível não ser. Não interpretar conscientemente os

acontecimentosjáéumainterpretação.Nãoreagiraosacontecimentosjáéuma

reação.Mesmo que você seja atropelado por uma carrocinha de pipoca e um

monte de crianças ria da sua cara, ainda é sua responsabilidade interpretar o

significadodissoeescolhercomoreagir.

Gostemos disso ou não, estamos sempre assumindo um papel ativo no que

acontece conosco e dentro de nós. Estamos sempre atribuindo significados a

momentos e eventos. Sempre escolhemos ou reafirmamos os valores que

norteiamnossosatoseosparâmetrossegundoosquaisavaliamostudoquenos

acontece. Muitas das circunstâncias dependem unicamente do parâmetro de

avaliação,nãosendointrinsecamenteboasouruins.

Aquestãoé:estamosescolhendosempre,demodoconscienteounão.Sempre.

Issotemíntimarelaçãocomofatodequeéimpossívelnãoseimportarcom

coisa alguma. Mesmo. Não se importar com nada ainda é se importar com

algumacoisa.

Aperguntaquenoscabefazeré:euescolhomeimportarcomoquê?Escolho

basearminhasaçõesemquaisvalores?Escolhoavaliarminhavidasegundoquais

parâmetros? E será que escolhi parâmetros bons? Bons parâmetros e bons

valores?

Afaláciadaresponsabilidade/culpa

Anosatrás,quandoeuerabemmaisjovemebemmaisidiota,publiqueiumpost

nomeublogqueseencerravamaisoumenosassim:“Écomodisseumgrande

filósofo: ‘Com grandes poderes, vêm grandes responsabilidades.’” Achei que

soavalegal,marcante.Emboraeunãoconseguisselembrarquemeraoautorda

fraseeminhapesquisanoGoogletivessesidoinfrutífera,posteimesmoassim.A

fraseeraperfeitaparaopost.

Uns dez minutos depois chegou o primeiro comentário: “Acho que esse

grandefilósofoéotioBen,doHomem-Aranha.”

Comodisseoutrograndefilósofo:Putz!

“Com grandes poderes, vêm grandes responsabilidades.” São as últimas

palavrasdetioBen, logoantesdemorrerpelasmãosdeumbandidoquePeter

Parkerdeixaescapar.Benmorre,caídonomeiodaruacheiadegentepassando

praláepracá,semamenorrazãodeser.Ben,ograndefilósofo.

Todomundojáouviuessafrase.Elaémuitorepetida—emgeralcomironia,

depoisdeumassetecervejas.Umadaquelascitaçõesperfeitasqueparecemuito

inteligente,masquebasicamentesóestádizendoalgoquevocêjásabe,mesmo

quenuncatenhapensadonoassunto.

“Comgrandespoderes,vêmgrandesresponsabilidades.”

É verdade.Mas existe uma versãomelhor dessa frase, uma que é realmente

profunda.Bastatrocarossubstantivosdelugar:comgrandesresponsabilidades,

vêmgrandespoderes.

À medida que assumimos a responsabilidade por nossa vida, mais poder

adquirimosparamudá-la.Assim,aceitar-seresponsáveléoprimeiropassopara

resolverseusproblemas.

Um conhecido meu estava convencido de que não arranjava namorada

porque era baixo demais. O cara era culto, interessante e bonito— um bom

partido, em teoria —, mas estava resolutamente convencido de que era

desprezadopelasmulheresporsermuitopequeno.

E como ele se julgava baixo demais, não saíamuito. Nas poucas vezes que

criavacoragemeconversavacomalguém,ficavaatentoaosmenoresindíciosde

rejeiçãoasuaaparênciafísicaedepoisseconvenciadequeamulheremquestão

nãotinhagostadodele.Comoédeseimaginar,avidaamorosadocaraeraum

marasmo.

O que esse sujeito não percebia era que ele tinha escolhido o valor que o

prejudicava: a altura. Na cabeça dele, ser alto era imprescindível para

impressionarasmulheres.Nãotinhajeito:eleestavaferrado.

O valor que ele escolheu lhe tirava o poder e o colocava numa situação

péssima:nãoseraltoosuficientenummundofeito(navisãodele)parapessoas

altas. Ele poderia ter adotado valores muito melhores para guiar sua vida

amorosa.“Sóvousaircommulheresquegostemdemimcomoeusou”seriaum

bompontodepartida,poissebaseiaemvalorescomohonestidadeeaceitação.

Mas ele preferiu outro caminho. Provavelmente nem percebia que estava

escolhendo um valor (não sabia sequer que podia escolher). Mesmo sem

perceber,eleeraresponsávelpelosprópriosproblemas.

Mesmoassim, continuava a reclamar: “Mas eunão tenhoescolha”,dizia ao

barman.“Nãotemnadaqueeupossafazer!Asmulheressãosuperficiais,nunca

vãogostardemim!”Sim, seumcaradepensamento limitado,mergulhadona

autopiedadeequeagedeacordocomvaloresdemerdasofrerejeição,éculpade

todasasmulheres.Óbvio.

Muitagentehesitaemassumiraresponsabilidadeporseusproblemasporque

acreditaqueserresponsávelporelesésertambémculpado.

Em nossa cultura, responsabilidade e culpa costumam caminhar juntas,

emboranãosejamsinônimos.Seeubatonoseucarro,nãosótenhoculpacomo

soulegalmenteresponsávelporcompensá-lodealgumaforma.Nãoimportase

foiumacidente;continuosendoresponsávelpelasconsequências.Éassimquea

culpafuncionahojeemdia:fezmerda,entãoconserta.Eéassimquedeveser.

Ao mesmo tempo, existem problemas que são de nossa responsabilidade

mesmoqueaculpanãosejanossa.

Porexemplo:umdiavocêacordaeencontraumbebêrecém-nascidonasua

porta.Nãoéculpasuaqueeletenhasidocolocadoali,masobebêpassaaserde

suaresponsabilidade.Vocêprecisa escolheroque fazer, equalquer escolhaque

fizer(adotarobebê,selivrardele,ignorá-lo,mandá-lopegarumtáxiparacasa)

vaigerarproblemas—pelosquaisvocêtambémseráresponsável.

Osjuízesnãoescolhemoquejulgar.Quandoumcasovaiaotribunal,ojuiz

nãocometeuocrime,nãootestemunhounemfoivítima,maséresponsávelpelo

crime.Essejuizprecisaescolherasconsequênciasdaqueleato;deveidentificar

,

positivasefelizesdeautoajudaqueouvimosotempotodo—

naverdadeseconcentramnoquenãotemos.Elesmiramdiretonoquejávemos

comofalhase fracassospessoais, sóparatorná-losaindapioresaosnossosolhos.

Só aprendemos asmelhoresmaneirasde ganhardinheiroporque achamosque

não temos o suficiente. Só paramos diante do espelho e repetimos para nós

mesmosquesomosbonitosporquenãonosachamosbonitos.Sóseguimosdicas

de namoros e relacionamentosporque achamos impossível sermos amados. Só

fazemosexercíciosridículosdevisualizaçãodesucessoporquenãonossentimos

bem-sucedidos.

Ironicamente,essafixaçãonopositivo,noqueémelhorousuperior,sóserve

comoumlembretedoquenãosomos,doquenosfalta,doquejádeveríamoster

conquistadomasnãoconseguimos.Afinaldecontas,nenhumapessoarealmente

felizsentenecessidadedeficarfalandoqueéfelizparasimesmanoespelho.Ela

simplesmenteé.

Háumditadoquediz:“Cãoqueladranãomorde.”Umhomemconfiantenão

precisa provar que é confiante. Uma mulher rica não tem necessidade de

convencerninguémdequeérica.Ouvocêéounãoé.Esevocêpassaotempo

todo sonhando em ser alguma coisa, está inconscientemente reforçando a

mesmarealidade:vocênãoéaquilo.

Todomundo e todos os programasdeTVqueremnos convencer de que a

felicidade depende de um emprego melhor, um carro mais potente, uma

namoradamaisbonita,umaJacuzzi,umapiscinaparaos filhos.Omundonão

cansade indicarumcaminhopara a felicidadeque se resume amais emais e

mais: compre mais, tenha mais, faça mais, transe mais, seja mais. Somos

constantemente bombardeados com a necessidade de ter tudo o tempo todo.

VocêprecisadeumaTVnova.Vocêprecisafazerumaviagemdefériasmelhor

queasdosseuscolegasdetrabalho.Vocêprecisacomprarummóvelsofisticado

parasuasala.Vocêprecisadotipocertodepaudeselfie.

Porquê?Meupalpite:porquecriarnecessidadesébomparaosnegócios.

Nada contra bons negócios, mas ter necessidades demais faz mal para sua

saúde mental. Você acaba se agarrando demais ao que é superficial e falso,

dedicandoavidaàmetadealcançarumamiragemdefelicidadeesatisfação.O

segredoparaumavidamelhornãoéprecisardemaiscoisas;éseimportarcom

menos,eapenascomoqueéverdadeiro,imediatoeimportante.

OCírculoViciosoInfernal

O cérebro humano tem uma peculiaridade traiçoeira que, se não tomarmos

cuidado,podenosenlouquecer.Vejaseistolheéfamiliar:

Você está ansioso porque precisa confrontar alguém. Essa ansiedade o

domina,evocêcomeçaaseperguntarporqueestátãoansioso.Agora,vocêestá

ansiosopormedode ficarmaisansioso.Ah,não!Ansiedadeemdosedupla!Eaí

você fica ansioso coma sua ansiedade, oque causa aindamais ansiedade.Um

uísque,rápido!

Ouentão,digamosqueoproblemasejaaraiva.Vocêse irritacomascoisas

maisidiotasetriviaisenãosabeporquê.Eessatendênciaaseirritartãofácilsó

odeixamais irritado.Eaí,emmeioaessaraivaestúpida,vocêsesentevazioe

cruelporestarsemprezangado,oqueé terrível; tão terrívelquevocê ficacom

raivadesimesmo.Olheoseuestado:vocêseirritaporseirritarcomaprópria

irritação.Quersaber?Voualisocarumaparede.

Ouvocêsepreocupatantoemfazeracoisacertaotempotodoquecomeçaa

sepreocuparcomseuníveldepreocupação.Ouseculpatantoporseuserrosque

começaaficarculpadoporcarregartantaculpa.Ousesentetristeesozinhocom

tantafrequênciaquesódepensarnissoacabatristeesozinhomaisumavez.

Bem-vindoaoCírculoViciosoInfernal.Éprovávelquevocêjátenhapassado

por isso algumas vezes. Talvez esteja nele agora mesmo: “Nossa, eu entro no

CírculoViciosoInfernaltodahora…Soumesmoumimbecil.Precisopararcom

isso.Émuitaimbecilidadeeumesmomeacharimbecil.Tenhoqueparardeme

chamardeimbecil.Ah,droga!Jáestoufazendodenovo!Viu?Souumimbecil!

Argh!”

Calma,amigo.Acrediteounão, isso fazpartedabelezadeserhumano.São

poucos os animais capazes de formar pensamentos lógicos, e nós, humanos,

temoso luxo adicional de conseguir pensar sobrenossospensamentos.Assim,

possopensaremassistiraunsvídeosdaMileyCyrusnoYouTubeelogodepois

pensar que sou um pervertido por querer assistir a vídeos daMiley Cyrus no

YouTube.Ah,omilagredaconsciência!

Oproblemaéoseguinte:asociedadeatual,atravésdasmaravilhasdacultura

do consumo e do exibicionismo de vidas incríveis nas redes sociais, produziu

umageraçãointeiraqueenxergaessessentimentosnegativos(ansiedade,medo,

culpa etc.) comoproblemas.Vejabem,quandovocê abreoFacebook, vê todo

mundochafurdandoemfelicidadeaténãopodermais.Caramba,oitopessoasse

casaram essa semana! E uma garota de dezesseis anos ganhou uma Ferrari de

aniversárionumprogramadeTV.Eummolequeacaboudefaturardoisbilhões

de dólares por ter inventado um aplicativo que resolve imediatamente o

problemaquandoopapelhigiênicoacaba.

Evocêemcasacoçandoosaco.Éinevitávelpensarquesuavidaéaindapior

doqueimaginava.

O Círculo Vicioso Infernal é praticamente uma epidemia, deixando muita

genteestressada,neuróticaeodiandoasimesma.

Nostemposdosnossosavós,quandoficavamnamerda,aspessoaspensavam:

“Puxa,estoumesentindoococôdocavalodobandido.Bom,éavida!Vouvoltar

paraaminhalavoura.”

E hoje? Hoje em dia, se você fica namerda por cincominutos que seja, é

bombardeado com trezentas e cinquenta imagens de gente absurdamente feliz

com uma vida maravilhosa da porra, e é impossível não sentir que tem algo

erradocomvocê.

Essaúltimaparteéafontedoproblema.Ficamosmalporestarmosmal;nos

culpamos por nos culparmos. Ficamos irritados com nossa irritação; ansiosos

comnossaansiedade.Qualéomeuproblema?

Daí a importânciade ligaro foda-se.É issoquevainos salvar,nos fazendo

aceitarqueomundoéumadoideiraequetudobem,porquesemprefoiassime

sempreserá.

Quando você está pouco se fodendo para seumal-estar, você faz oCírculo

ViciosoInfernalentraremcurto-circuito.“Euestounapior,masedaí?”Então,

comosefossesalpicadoporumpómágicodedesprendimento,vocêparadese

odiarporsesentirtãomal.

GeorgeOrwelldissequeenxergaroqueestádiantedonarizexigeumesforço

constante. Bom, a solução para o estresse e a ansiedade é óbvia, e não

percebemosporqueestamosocupadosvendopornôepropagandasdeaparelhos

para abdominais que não funcionam enquanto nos perguntamos por que não

temosumtanquinhoenãotransamoscommulhereslindas.

Na internet, fazemospiadassobreosproblemasdomundomoderno,masa

verdadeéquenos tornamosvítimasdonossopróprioprivilégio.Problemasde

saúde decorrentes de estresse, transtornos de ansiedade e casos de depressão

dispararamnosúltimos trintaanos,apesarde todomundoterumaTVde tela

plana e pedir comida em casa. Nossa crise não é mais material; é existencial,

espiritual.Temos tanta tralhae tantasoportunidadesquenemsabemosmaiso

querealmenteimporta.

Porqueagora,aomesmotempoquetemosinfinitosmeiosdevereaprender

coisas novas, temos também infinitos meios de descobrir que não estamos à

alturadasexpectativas,quenãosomosbonsosuficiente,quenossasituaçãonão

étãosatisfatóriaquantopoderiaser.Eissonoscorróipordentro.

Porquetemalgomuitoerradocomtodaessaladainhade“comoserfeliz”que

jáfoicompartilhadaumasoitomilhõesdevezesnoFacebooknosúltimosanos.

Oqueninguémvêemtodaessababaquiceé:

Odesejodetermais

,

o

parâmetroapropriadoparaavaliá-loegarantirqueaavaliaçãosejaconsistente.

Otempotodosomosresponsabilizadosporatosdosquaisnãotemosculpa.É

avida.

Eisumaformasimplesdediferenciarmaisclaramenteosdoisconceitos:culpa

é passado, responsabilidade é presente. A culpa aponta para escolhas já feitas,

enquanto a responsabilidade aponta para escolhas sendo feitas agora, a cada

segundodecadadia.Vocêestáescolhendoleristo.Estáescolhendopensarsobre

os conceitos. Está escolhendo adotá-los ou não. Pode ser culpaminha se você

acharessasideiasridículas,masvocêéresponsávelpelassuasconclusões.Nãoé

culpasuaeuterescolhidoescreverestafrase,mascabeavocêaresponsabilidade

porescolherlê-la(ounão).

Existeumadiferençaentreculparalguémpelasuasituaçãoeessealguémser

realmenteresponsávelporaquilo.Ninguémalémdevocêéresponsávelpelasua

situação.Muitagentepodeserculpadapelasuainfelicidade,masninguémalém

devocêseráresponsávelporisso.Évocêquemescolhecomoveroquevive,como

reagiraosacontecimentoseavaliá-los.Ésemprevocêquemescolheoparâmetro

aseguiraoavaliarsuasexperiênciasdevida.

Minhaprimeiranamoradamedeuumpénabundaespetacular:elaestavame

traindo com um professor. Foi incrível. E por incrível quero dizer que senti

como se estivesse levandounsduzentos e cinquenta e três socosno estômago.

Resolvi confrontá-la, mas isso só piorou tudo, porque ela imediatamente me

trocoupeloprofessor.Trêsanosderelacionamentoforampeloralo,assim,sem

maisnemmenos.

Passeimesesinfeliz,naturalmente,earesponsabilizeiporminhainfelicidade.

O que não me levou muito longe. Pelo contrário: só me deixou ainda mais

infeliz.

Porque eu não tinha controle sobre ela, sabe? Pormais que eu telefonasse,

gritasse, implorasse para voltar, aparecesse de surpresa na casa dela e fizesse

outras coisas típicas de ex-namorados irracionais, eu jamais conseguiria

controlar as emoções e atitudes dela. No fim das contas, ainda queminha ex

fosse culpada por eume sentir um lixo, ela nunca foi responsável por isso. O

responsáveleraeu.

Em certo ponto, depois de lágrimas e álcool suficientes, meu raciocínio

começouamudareentendique,emboraelativessefeitoalgohorrívelcomigoe

fosse culpadapor isso, agora era responsabilidademinha ser felizdenovo.Ela

nuncaiavoltareconsertarminhavida.Issocaberiaamim.

Algumas coisas aconteceram a partir do momento em que adotei esse

pensamento.Primeiro,comeceiamelhorar.Volteiamalhareatercontatocom

osamigos(queeuvinhanegligenciando).Tenteiconhecergentenova.Fizuma

longaviagemaoexterioremeengajei em trabalhovoluntário.Aospoucos, fui

mesentindomelhor.

Euaindameressentiapeloqueminhaextinhafeito,maspelomenosestava

assumindoa responsabilidadepelasminhas emoções. Isto é, estava escolhendo

valoresmelhores— com o propósito deme cuidar e de aprender ame sentir

melhorcomigomesmo,nãoapenasdeconsertaroqueelatinhaestragado.

(Aliás, essa baboseira de “considerá-la responsável pelas minhas emoções”

devetersidopartedoquea levouame largar.Daquiaalgunscapítulos falarei

maissobreisso.)

Cercadeumanodepois,começouaacontecerumacoisaengraçada.Quando

eu relembrava nosso relacionamento, notava problemas que nunca tinha

percebido, problemas que eram culpa minha, que eu poderia ter resolvido.

Percebi que talvez eu não tivesse sido um namoradomuito sensacional e que

ninguém trai o outro do nada, que para isso é preciso estar infeliz por algum

motivo.

Não estou dizendo que isso redime minha ex. Nem pensar. É só que

reconhecermeus errosme ajudou a perceber que talvez eu não fosse a vítima

inocente que acreditava ser; desempenhei um papel ao permitir que um

relacionamentoproblemáticodurassetantotempo.Afinal,casaisgeralmentetêm

valores parecidos. E, se namorei alguém com valores deturpados por tanto

tempo,oqueissodiziasobremimemeusvalores?Aprendidopiorjeitopossível

queseaspessoascomquemvocêserelacionasãoegoístaseprejudicamoutras

pessoas,éprovávelquevocêtambémsejaassim,mesmoquenãosaibadisso.

Aoavaliaropassado,visinaisdealertanapersonalidadedaminhaex,sinais

que na época escolhi ignorar ou deixar pra lá. E isso foi culpaminha. Percebi

também que eu não tinha sido oMelhor Namorado doMundo. Na verdade,

muitas vezes eu era frio e arrogante com ela; outras vezes, não a valorizava, a

ignoravaeamagoava.Essasfalhastambémforamculpaminha.

Meus erros justificaram o dela? Não. No entanto, mesmo assim assumi a

responsabilidade de nunca mais cometê-los e de nunca mais negligenciar os

mesmos sinais. Tudo isso na esperança de nunca mais sofrer as mesmas

consequências. Assumi a responsabilidade de me esforçar para tornar meus

futuros relacionamentos românticosmuitomelhores. E fico feliz em informar

queconsegui.Nuncamaisfuitraído,nuncamaisleveiosduzentosecinquentae

três socosnoestômago.Assumia responsabilidadepelosmeusproblemaseos

mantive emmente para melhorar nesses aspectos. Assumi a responsabilidade

pelomeupapelnaquelerelacionamentoebusqueimelhorarnosposteriores.

E, quer saber? Esse pé na bunda, embora tenha sido uma das experiências

mais dolorosas pela qual passei, foi também uma das mais importantes e

impactantesdaminhavida.Achoqueinspiroumuitocrescimentopessoal.Esse

únicoproblemameensinoumaisdoquemuitasvitórias.

Todomundoadoraassumiraresponsabilidadepor tudodebome felizque

acontece. Muitas vezes tem até briga por esse crédito. No entanto, assumir a

responsabilidadepelosnossosproblemasémuitomaisimportante,porqueédaí

quevemoverdadeiroaprendizado.Édaíquevemoprogresso.Culparosoutros

éapenasescolhersofrer.

Reagindoàtragédia

E quanto aos eventos realmente trágicos? Muita gente pode assumir a

responsabilidade por problemas relacionados ao trabalho e talvez por ver TV

demaisquandodeveriaestarbrincandocomos filhosousendoprodutiva,mas

quando o assunto são tragédias, a reação automática é puxar a cordinha de

emergência no trem da responsabilidade e saltar logo que ele para. Algumas

coisassãosimplesmentedolorosasdemaisparaassumir.

Maspensecomigo:agravidadedoeventonãoalteraarealidadedosfatos.Por

exemplo, se você for assaltado, é claro que não é culpa sua. Ninguém jamais

escolheriapassarporisso.Porém,assimcomonahipótesedobebêdeixadoàsua

porta, você passa a ser responsável por uma situação de vida oumorte. Você

revida?Entraempânico?Ficaparalisado?Avisaàpolícia?Tentaesquecerefingir

que nunca aconteceu? Todas essas possibilidades de reações são escolhas que

vocêéresponsávelporfazerourejeitar.Vocênãoescolheuoassalto,masmesmo

assimlhecabegeriroimpactoemocionalepsicológicodaexperiência(etomar

asdevidasprovidênciaslegais).

Em2008,oTalibãassumiuocontroledoValedoSwat,umaparteremotado

nordestedoPaquistão,ondelogoimplementaramseuextremismomuçulmano.

Chega de televisão. Chega de filmes. Chega de mulheres saindo de casa sem

acompanhante.Chegademeninasnaescola.

Em 2009, uma paquistanesa de onze anos chamada Malala Yousafzai

começou a se manifestar contra a proibição de estudar. Ela continuou a

frequentaraescola local,arriscandotantoaprópriavidaquantoadopai,além

departicipardeconferênciasemcidadespróximas.“ComooTalibãse

,

atrevea

tirarmeudireitoàeducação?”,escreveuelaemumapublicaçãoon-line.

Em2012,aoscatorzeanos,Malalalevouumtironorostoquandovoltavada

escola.Umsoldadotalibãmascaradoentrounoônibusarmadocomumriflee

perguntou: “Quem é Malala? Digam ou atiro em todo mundo.” Malala se

identificou(umaescolhaincrívelporsisó),eohomematirounacabeçadelana

frentedetodosospassageiros.

Malalaentrouemcomaequasemorreu.OTalibãafirmoupublicamenteque,

sesobrevivesse,seriamorta,juntocomopai.

Ameninasobreviveu.Hojeautoradeumbest-seller,Malalaaindafalasobrea

violência e a opressão contra mulheres em países muçulmanos. Em 2014,

recebeuoPrêmioNobeldaPazporseusesforços.Parecequeotironorostosó

lhe deu uma audiênciamaior emais coragem que antes. Teria sido fácil para

Malala se acomodar e dizer: “Não posso fazer nada”, ou “Não tenho escolha”.

Isso,ironicamente,tambémteriasidoumaescolha.Maselaoptoupelooposto.

Algunsanosatrás,escrevialgumasdasideiasquecontonestecapítulonomeu

blog, e um homem deixou um comentário. Ele disse que eu era vazio e

superficial,acrescentandoqueeunãotinharealcompreensãodosproblemasda

vida ou da responsabilidade humana. Disse que tinha perdido um filho havia

pouco,numacidentedecarro.Emeacusoudenãosaberoqueeraaverdadeira

dor, me rotulando de idiota por sugerir que ele era responsável pela dor de

perderumfilho.

Estavanacaraqueaquelehomemtinhapassadoporumadormuitomaiordo

queamaioriadaspessoasenfrentanavida.Elenãoescolheuamortedo filho,

nãotinhaculpaportaldesgraça.Aresponsabilidadedelidarcomaperdalhefoi

imposta,emborafosseclaraecompreensivelmenteindesejável.Eapesardetudo

issoeleera,sim,responsávelpelasprópriasemoções,crençaseações.Areação

queapresentoudiantedamortedofilhofoiumaescolhadele.Asdores,detodos

os tipos, são inevitáveis,maspodemosescolheroqueelas significamparanós.

Alegarquenão tinhaescolhaeque sóqueriao filhodevoltaé,por si só,uma

escolha:umaentreasmuitasformaspossíveisdelidarcomessetipodedor.

É claro que eu não disse nada disso a ele. Estava ocupado demais ficando

horrorizado e pensando que talvez eu realmente não tivesse autoridade nem

conhecimento para tal discurso. É um dos riscos desse tipo de trabalho. Um

problemaqueeuescolhi,eumqueeraminharesponsabilidaderesolver.

Noinício,eumesentimuitomal.Depoisdealgunsminutos,comeceiaficar

zangado.Asobjeçõesdeletinhampoucoavercomoqueeuestavadizendo,me

tranquilizei.Alémdomais,comoassim?Nãoéporquenãoperdiumfilhoqueeu

tambémnãotenhasofridomuitonessavida.

Então,useimeupróprioconselho:escolhiqualseriameuproblema.Eupodia

ficar bravo com aquele homeme discutir com ele, tentar comparar a dor dele

comasminhas,masissosónostornariaidiotaseinsensíveis.Oupodiaescolher

um problemamelhor: praticar a paciência, ser mais compreensivo commeus

leitoreseteraquelehomememmentesemprequeescrevessesobredoretrauma

apartirdeentão.Efoioquetenteifazer.

Respondiapenasquesentiamuitopelaperdadele.Oquemaiseupodiadizer?

Agenéticaaleatória

Em2013,aBBCreuniumeiadúziadeadolescentescomTranstornoObsessivo-

Compulsivo (TOC) e os acompanhou durante terapias intensivas que os

ajudariam a superar seus pensamentos indesejáveis e comportamentos

repetitivos.

Entre eles estava Imogen, uma garota de dezessete anos que tinha uma

necessidadecompulsivadetocartodasassuperfíciespelasquaispassava.Senão

fizesse isso, era dominada por pensamentos horríveis sobre a morte de sua

família. Havia também Josh, que precisava fazer tudo com os dois lados do

corpo:apertaramãodeumapessoacomamãodireitaeaesquerda,comercom

ambasasmãos,passarporumaportacomosdoispéseassimpordiante.Senão

“igualasse”os lados,elesofriagravesataquesdepânico. Já Jacktinhaaclássica

fobiadegermes,por issose recusavaa sairdecasasem luvas, ferviaáguapara

beberesenegavaacomerqualquercoisaquenãotivessesidolavadaepreparada

porelemesmo.

OTOCéumtranstornomental,quepodesercontrolado.E,comoveremos,

essecontroleseresumeaequilibrarosvaloresdoindivíduodiagnosticado.

Aprimeiracoisaqueospsiquiatrasdesseprojetofazemédizeraosjovensque

eles devem aceitar as imperfeições de seus desejos compulsivos. Por exemplo,

quando Imogen tem pensamentos horríveis sobre a morte dos familiares, ela

deveaceitarqueelespodemdefatoviramorrerequenãohánadaqueelapossa

fazerparaimpedirisso.Ouseja,Imogenéinformadadequeosacontecimentos

não são culpa sua. Josh é convencido a aceitar que, a longoprazo, “equalizar”

todososseuscomportamentosparatorná-lossimétricosprejudicasuavidamais

doqueosocasionaisataquesdepânico.EJackélembradoque,pormaisquese

esforce,osgermessempreestãopresentesesemprepodeminfectá-lo.

O objetivo é fazer esses jovens reconhecerem que seus valores não são

racionais — que, na verdade, sequer são valores deles, e sim advindos do

transtorno—eque,aosegui-los,estãoprejudicandoaprópriavida.

O passo seguinte é encorajar esses adolescentes a escolher um valor mais

importantequeoimpostopelotranstornoe,então,seconcentrarnele.ParaJosh,

isso se dá através da possibilidade de não precisar esconder seu distúrbio dos

amigosefamiliaresotempotodo,daperspectivadeterumavidasocialnormale

funcional.ParaImogen,éa ideiadeassumirocontroledeseuspensamentose

sentimentosevoltaraserfeliz.E,paraJack,éacapacidadedeficarlongedecasa

porlongosperíodossemsofrerepisódiostraumáticos.

Com esses novos valores em mente, os adolescentes começam exercícios

intensivos de dessensibilização que os obrigam a colocá-los em prática.

Acontecem ataques de pânico; lágrimas rolam; Jack soca vários objetos e

imediatamenteemseguidalavaasmãos.Mas,nofinaldodocumentário,grandes

progressosficamclaros.Imogennãoprecisamaistocartodasassuperfíciesque

vê.Eladiz:“Aindahámonstrosnofundodaminhamente,eprovavelmenteeles

sempre estarão lá, só que agora estão se acalmando.” Josh consegue passar

períodosdevinteecincoatrintaminutossem“igualar”osmovimentosdosdois

ladosdocorpo.EJack,quetalveztenhatidoamelhoramaisvisível,consegueira

restaurantes e beber de garrafas e copos sem lavá-los. Jack resume bem o que

aprendeu:“Eunãoescolhiestavida;nãoescolhiestadoençapéssima,estacoisa

horrível.Masposso escolher comoconviver comela; eupreciso escolher como

convivercomela.”

Muitasdaspessoasquenascemcomumproblemaespecífico,sejaTOC,baixa

estaturaououtracoisacompletamentediferente,achamqueestãoperdendoalgo

muito valioso. Sentem que não há nada que possam fazer, então evitam a

responsabilidade pela situação. Elas concluem: “Eu não escolhi essa genética

horrível,entãonãoéminhaculpaascoisasdaremerrado.”

Eéverdade:aculpanãoédelas.

Masaresponsabilidade,sim.

Na época da faculdade, eu tinha uma fantasiameio delirante deme tornar

jogadorprofissionaldepôquer.Ganheidinheiroe tudoomais, e foidivertido,

mas depois de quase um ano jogando a sério, desisti. Passar a noite inteira

acordadoolhandoparaumateladecomputador,ganhandomilharesdedólares

emumdiaeperdendoamaiorpartenodiaseguintenãoeraestilodevidapara

mim.Alémdisso,nãoeraomeiomaissaudávelouemocionalmenteestávelde

ganharavida.

,

Por incrível que pareça, no entanto, o tempo que passei jogando pôquer

influenciouprofundamentemeujeitodeveravida.

A beleza do pôquer é que, embora a sorte esteja sempre envolvida, ela não

determina os resultados a longo prazo. Uma pessoa pode receber uma mão

horrívelevenceralguémcomumamãosensacional.Apessoaquerecebeboas

cartastemumaprobabilidademaiordeganhar,éclaro,mas,nofinaldascontas,

o vencedor é determinadopelas— sim, você adivinhou— escolhas que faz ao

longodojogo.

Eu vejo a vida damesma forma. Todos nós recebemos cartas aleatórias no

iníciodojogo,alguns,cartasmelhores.E,emborasejafácilnosfixarnoqueestá

na mão e sentir que nos ferramos, na verdade o jogo está nas escolhas que

fazemoscomessascartas,nosriscosquedecidimoscorrerenasconsequências

comasquaisescolhemosviver.Quem,demaneiraconsistente, fazasmelhores

escolhasdiantedassituaçõesqueseapresentamacabaganhandonopôquer,ena

vida.Nãonecessariamentequemtemasmelhorescartas.

Algumas pessoas sofrem psicológica e emocionalmente por causa de

deficiênciasneurológicase/ougenéticas.Masissonãomudanada.Elasherdaram

cartasruins,éclaro,masnãotêmculpa.Assimcomoocarabaixinhoquequeria

umanamorada não é culpado por ser baixo, nem a pessoa que foi assaltada é

culpada por ter seus pertences roubados, mas todos têm responsabilidade. Se

escolhemprocurar tratamentopsiquiátrico, fazer terapiaounão fazernada,no

final das contas a escolha também é deles. Há quem tenha tido uma infância

ruim.Háosqueforammaltratados,violentadosedestruídosfísica,emocionalou

financeiramente. Eles não são culpados por seus problemas e obstáculos, mas

mesmoassim são responsáveis— sempre responsáveis—por seguir em frente

apesardasdificuldadesefazerasmelhoresescolhasquepuderem,sejaqualfora

situação.

E,sejamossinceros:sejuntássemostodasaspessoasquetêmalgumdistúrbio

psiquiátrico, que lutam contra a depressão ou pensamentos suicidas, que

sofreram negligência ou abuso, que lidaram com tragédias ou amorte de um

ente querido ou que sobreviveram a graves problemas de saúde, acidentes ou

traumas…Sereuníssemostodasessaspessoas eascolocássemosnamesmasala,

provavelmenteteríamosquereunirtodaahumanidade,porqueninguémsaida

vidaincólume.

Algumas pessoas têm problemas piores que amaioria, é claro. Algumas se

tornamvítimasdosincidentesmaisterríveis.Pormaisqueissonosentristeçae

perturbe,éprecisolembrarque,nofinaldascontas,nãomudanadaemrelaçãoà

equaçãoderesponsabilidadesobrenossasituaçãoindividual.

Injustiçachique

Afaláciadaresponsabilidade/culpapermitequeaspessoastransfiramaterceiros

a responsabilidade pelos próprios problemas. Essa capacidade de aliviar a

responsabilidade através da culpa confere uma euforia temporária e um

sentimentoderetidãomoral.

Infelizmente,umdosefeitoscolateraisda internetedas redes sociais foi ter

tornadomaisfácildoquenuncaempurrararesponsabilidade—atémesmodas

infraçõesmaisínfimas—paraoutrogrupooupessoa.Naverdade,essetipode

jogo público de culpa/vergonha se tornou popular; em certos grupos, é até

atrativo, admirável. Nas redes sociais, o compartilhamento público de

“injustiças” atraimuitomais atenção e reações emocionais que amaioria dos

outros eventos, recompensando com uma quantidade crescente de atenção e

simpatiagratuitaaquelesquesesentemperpetuamentevitimados.

A“injustiçachique”estánamodaemtodososcantosdasociedadehojeem

dia,entrericosepobres.Naverdade,estapodeseraprimeiraveznahistóriada

humanidade em que todos os grupos demográficos se sentem injustamente

vitimadosaomesmotempo.Etodosaproveitamaeuforiadaindignaçãomoral

quevemjunto.

Nestemomento,qualquerumquesesintaofendidocomqualquercoisa—seja

ofatodequeumlivrosobreracismoentrounocurrículodeumafaculdade,que

árvores de Natal foram banidas do shopping local ou que os impostos sobre

fundosdeinvestimentotiveramumaumentode0,5%—achaqueestásofrendo

algum tipo de opressão e que, portanto, merece se sentir ultrajado e receber

determinadaquantidadedeatenção.

O atual ambiente da mídia tanto encoraja quanto perpetua essas reações,

porque,nofinaldascontas,dálucro.OescritorecomentaristaRyanHolidayse

refere a isso como “pornografia do ultraje”: em vez de reportar histórias e

problemas reais, a mídia acha muito mais fácil (e lucrativo) encontrar algo

levementeofensivo,transmitirocasoparaumaamplaaudiência,criarasensação

de ultraje e depois transmiti-la de um jeito que também cause ultraje a outra

parceladapopulação.Issodesencadeiaumecodeasneirasquericocheteiaentre

dois lados imaginários e aomesmo tempodistraidos verdadeirosproblemas e

injustiçasdasociedade.Nãoédeseestranharqueestejamosmaispoliticamente

polarizadosdoquenunca.

Omaiorproblemadainjustiçachiqueédesviaraatençãodasvítimasreais.É

comoumaoverdosedealarmismo.Quantomaisgente seautoproclamavítima

depequenasinfrações,maisdifíciléenxergarquemrealmentesofre.

Aspessoasseviciamemsesentirconstantementeofendidasporqueissolhes

trazeuforia:serhipócritaemoralmentesuperiorprovocabem-estar.Comodisse

ocartunistapolíticoTimKreider,emumeditorialdoTheNewYorkTimes: “O

ultrajeécomováriasoutrascoisasagradáveisquecomotemponosdevoramde

dentro para fora. E é ainda mais insidioso que a maioria dos vícios, porque

sequeroreconhecemosconscientementecomoumprazer.”

Partedoônusdeviver emuma sociedade livre edemocrática é termosque

lidarcomopiniõesepessoasdequenãonecessariamentegostamos.Éopreçoa

sepagar.Podemosatédizerqueéoobjetivodosistema.Masparecequecadavez

maisgenteestáesquecendoisso.

Devemos escolher nossas batalhas com cuidado, aomesmo tempo em que

tentamos simpatizar um pouco com o suposto inimigo. Devemos encarar as

notícias e a mídia com uma dose saudável de ceticismo e evitar ideias

preconcebidassobreosquenãoconcordamconosco.Devemospriorizarvalores

comohonestidade, fomentoà transparência e à aceitaçãodadúvidaemvezda

necessidadedeestarsemprecerto,desesentirbemesevingar.Ostrêsprimeiros

valoressão“democráticos”emaisdifíceisdemanteremmeioaoruídoconstante

de um mundo conectado, mas nem por isso devemos negligenciar nossa

responsabilidadedecultivá-los.Aestabilidadedosistemapolíticotalvezdependa

disso.

Nãoexistecaminho

Muitaspessoaspodemlertudoissoedizer:“Ok,mascomo?Euentendoqueos

meus valores são uma porcaria, que evito a responsabilidade pelos meus

problemas e que sou ummerdinha arrogante que acha que omundo gira em

tornodemim e de todas as inconveniências que passo,mas qual é o caminho

paramudar?”

Ecomorespostaeudigo,fazendominhamelhorimitaçãodeYoda:“Mude,ou

nãomude;nãoexistecaminho.”

Nós jáescolhemos, a cadamomentode cadadia, as coisas comasquaisnos

importamos. Então, para mudar, basta escolher nos importarmos com outras

coisas.

Ésimplesassim.Sóquenãoéfácil.

Nãoéfácilporquenocomeçovocêvaisesentirumfracassado,umafraude,

um idiota. Vai ficar nervoso. Vai surtar. Talvez se irrite com sua esposa, seus

amigosouseupai.Alterarseusvaloreseascoisasqueconsideraimportantestraz

essetipodeefeitoscolaterais,quesãoinevitáveis.

Ésimples,masdificílimo.

Vamosanalisaralgunsdessesefeitoscolaterais.

,

Vocêvaisesentirinseguro,eu

garanto.“Devomesmodesistirdisso?Seráqueéocertoafazer?”Abrirmãode

umvalornoqualvocê se apoiouduranteanoscausarádesorientação, comose

vocênãosoubessemaisdiferenciarocertodoerrado.Édifícil,masénormal.

Em seguida, vai se sentir um fracassado. Tendo passadometade da vida se

avaliando através do valor antigo, aomudar suas prioridades emedidas, você

nãovai se reconhecer.Serácomo jogar foraalgonoqualvocêconfiava, e isso,

invariavelmente, trará um sentimento de fraude ou desvalorização. Esse

desconfortotambéménormal.

E, semdúvida, você vai enfrentar rejeições.Muitos dos relacionamentos da

suavidaforamconstruídosemtornodosvaloresescrotosquevocêtinha,então,

nomomentoemqueabremãodeles—nomomentoemquedecidequeestudar

é mais importante que se divertir; que se casar e ter uma família é mais

importante do que fazer sexo sem compromisso; que ter um trabalho no qual

vocêacreditaémais importantedoquesimplesmenteganhardinheiro—,essa

reviravoltareverberaemseusrelacionamentos.Muitosdelesacabamexplodindo

bemnasuacara.Issotambéménormal.Etambémvaiserdesconfortável.

Sãoefeitoscolateraisnecessários,emboradolorosos,deescolherse importar

com outras coisas, coisas muito mais importantes e dignas da sua energia. À

medida que for reavaliando seus valores, você enfrentará resistência interna e

externa.E,sobretudo,vaisesentirinseguroeseperguntarseoqueestáfazendoé

errado.

Comoveremos,issoébom.

6

Vocêestáerradoemtudo(eutambém)

Quinhentosanosatrás,oscartógrafosacreditavamqueaCalifórniaeraumailha.

Médicos acreditavam que abrir um corte no braço de uma pessoa (ou fazê-la

sangrarporqualquerpartedocorpo)curavadoenças.Cientistasacreditavamque

o fogoera feitodealgochamado flogisto.Asmulheresacreditavamquepassar

urina de cachorro no rosto amenizava os sinais de envelhecimento. Os

astrônomosacreditavamqueoSolgiravaemtornodaTerra.

Quandoerapequeno,achavaque“medíocre”eraumtipode legumequeeu

não queria comer. Achava que meu irmão tinha encontrado uma passagem

secretanacasadaminhaavóporqueeleconseguiairparaoquintalsemsairdo

banheiro (alerta de spoiler: era uma janela). Por algum motivo qualquer eu

também achava que, quandomeu amigo ia com a família para “Washington,

D.C.”,elestinhamconseguidovoltarnotempoparaaépocadosdinossauros.

Naadolescência,eudiziaparatodomundoquenãomeimportavacomnada,

quando na verdade me importava demais; outras pessoas governavam meu

mundo semque eu soubesse.Eu achavaque a felicidade eradeterminadapelo

destino e não pelas minhas escolhas. Achava que o amor era algo que

simplesmente acontecia, quenão exigia esforço e empenho.Eu achavaque ser

“descolado”eraalgoaseraprendidocomosoutrosequeexigiaprática,nãoque

eraumconceitocriadopornósmesmos.

Penseiqueficariaparasemprecomaminhaprimeiranamorada.Quandoesse

relacionamento acabou, achei que nunca mais amaria outra mulher. Então,

quando amei outra mulher, achei que só amor às vezes não é suficiente. Foi

quandopercebiquecadaindivíduodecideoqueé“suficiente”equeoamorpode

seroquepermitimosqueseja.

Emtodosessesmomentoseuestavaerrado.Emtodososaspectos.Passeiboa

partedavidaequivocadoemrelaçãoamimmesmo,aosoutros, à sociedade, à

cultura,aomundo,aouniverso—atudo.

Eesperocontinuarassimatémorrer.

AssimcomooMarkdeHojepodeolharparatrásevercadadefeitoeerrodo

MarkdoPassado,umdiaoMarkdoFuturovaiolharparaasideiasdoMarkde

Hoje(incluindoestelivro)eperceberfalhassemelhantes.Evaiserbom.Porque

vaiindicarquecresci.

Segundodizem,MichaelJordancertavezafirmouquefalhoumuitasvezese

queporissochegoulá.Bem,eusempreestouerradoemrelaçãoatudo,eépor

issoqueminhavidaestáemconstantemelhora.

Crescimento pessoal é um processo infinitamente repetitivo. Quando

aprendemos algo novo, não passamos de “errados” a “certos”— passamos de

“errados” a “umpoucomenos errados”.Equando aprendemos algo adicional,

passamosdeumpoucomenoserradosaumpoucomenoserradosdoqueantes

e, em seguida, a menos errados ainda, e assim por diante. Aproximar-se da

verdadeedaperfeiçãonãolevaàverdadenemàperfeição.

Nãodevemosprocurararesposta“certa”,esimtentareliminarnossoserros

dehojeparaestarmosumpoucomenoserradosamanhã.

Vistodessaperspectiva,oamadurecimentoéumprocessobastantecientífico.

Nossosvalores sãonossashipóteses: esse comportamentoébome importante;

aqueleoutro,não.Nossasaçõessãoasexperiências;asemoçõesresultanteseos

padrõesderaciocíniosãoosdadosdisponíveis.

Não há dogma correto nem ideologia perfeita. Existe apenas o que sua

experiênciademonstrousercertoparavocê—mesmoassim,provavelmenteessa

experiência também está meio errada. Uma vez que você, eu e todo mundo

temos necessidades, histórias pessoais e situações de vida diferentes,

inevitavelmentechegamosarespostas“corretas”diferentessobreosignificadoda

vidaesobrecomodevemosviver.Minharespostacorretaenvolveviajarsozinho

poranosafio,moraremlugaresobscuroserirdosmeuspeidos.Pelomenosera

essa a resposta correta até pouco tempo atrás. Certamente ela vai mudar e

evoluir, porque eu mudo e evoluo; e, conforme avanço em idade e em

experiência,voureduzindomeuserroseficandocadavezmenoserradotodosos

dias.

Tantagenteficaobcecadaporestar“certa”arespeitodavidaqueacabanão

vivendo.

Umamulherésolteiraesesentesó.Querumparceiro,masnuncasaidecasa

nemfaznadaparamudaressequadro.Umhomemtrabalhacomoloucoeacha

quemereceumapromoção,masnuncadizissoexplicitamenteaochefe.

Osoutrosdizemqueambostememofracasso,arejeição,ouvirumnão.

Não é essa a questão. A rejeição dói, ok. Fracassar é umamerda.Mas nos

apegamos commais força a algumas certezas— certezas que temosmedo de

questionarouabandonar, valoresquederamsignificadoanossavida ao longo

dosanos.Amulhernão saiparaconhecerparceirosempotencialporque seria

obrigada a confrontar as crenças que nutre sobre a própria capacidade de

atração. O homem não pede uma promoção porque teria que confrontar as

crençasquenutresobreasprópriashabilidades.

Émaisfácilperpetuaracertezadolorosadequeninguémachavocêatraente

oudequeninguémreconheceseustalentosdoquepôrissoàprovaedescobrirse

condizcomarealidade.

Crençasdessetipo—“Nãosoubonita,entãoporquemedaraotrabalho?”ou

“Meuchefeéumbabaca,entãoporquemedaraotrabalho?”—sãofeitaspara

nosproporcionarconforto imediato,hipotecandouma felicidadeeumsucesso

maioresparaofuturo.Sãopéssimasestratégiasalongoprazo,masmesmoassim

nosapegamosaelasporpresumirmosque sejamcorretas,porpresumirmos já

saberoquevirá.Emoutraspalavras,presumimossaberofimdahistória.

Acertezaéainimigadocrescimento.Nadaécertoatéacontecer—emesmo

assimnãodeixadeserquestionável.Daíanecessidadedeaceitarasimperfeições

inevitáveis dos nossos valores, pois sem isso não conseguimos crescimento

algum.

Em vez de lutar por uma vida cheia de certezas, devemos sempre buscar a

dúvida,sejaemrelaçãoanossascrenças,anossossentimentosouemrelaçãoao

queofuturonosreservasenãometermosacaraefizermosacontecer.Emvezde

tentarmosestarcertosotempotodo,quetalenxergarooposto?Quetalaceitar

queestamoserrados

,

otempotodo?Porqueestamosmesmo.

Essa compreensão nos abre possibilidades de mudanças. Equívocos trazem

oportunidadesdecrescimento.Ouseja:nãovamosmaisabrirumcortenobraço

para curar um resfriado nem espirrar urina de cachorro no rosto para nos

sentirmosmaisjovens.Assimsaberemosque“medíocre”nãoéumlegumeenão

teremosmedodenosimportarmoscomoqueconsideramosvalioso.

Porqueeisalgoestranho,masverdadeiro:nãosabemosadiferençaentreuma

experiência positiva e uma negativa. Alguns dos momentos mais difíceis e

estressantes da nossa vida acabam sendo tambémos quemais nosmotivam e

auxiliam em nossa formação. Algumas das melhores e mais gratificantes

experiênciassãotambémasquemaisnosdistraemedesmotivam.Nãoconfiena

suaconcepçãodeexperiênciaspositivasounegativas.Sósabemosoquedóieo

quenãonomomento,eissonãovalemuito.

Assim como ficamos horrorizados ao imaginar como as pessoas viviam

quinhentosanosatrás,imaginoquedaquiaquinhentosanosmuitosrirãodenós

e das certezas que temoshoje.Vão rir por deixarmos o dinheiro e o emprego

definiremnossavida;vãorirdonossomedodedemonstrarapreçopelaspessoas

quemais importamenquantoendeusamosfiguraspúblicasquenadamerecem;

vão rir dos nossos rituais e superstições, das nossas preocupações e nossas

guerras. Ficarão perplexas com nossa crueldade. Estudarão nossa arte e

debaterão nossa história. Entenderão verdades sobre nós que ainda não

enxergamos.

Essaspessoasdofuturotambémestarãoerradas,massóumpoucomenosdo

queestamoshoje.

Arquitetosdenossasprópriascrenças

Façaaseguinteexperiência:pegueumapessoaqualquereacoloquenumasala

comalgunsbotõesparaapertar.Digaqueseelafizeralgoespecífico—alguma

açãoque ela precisarádescobrir—,uma luz vai se acender, indicandoque ela

ganhouumponto.Oobjetivo é somar omáximode pontos possível emmeia

hora.

Quandoumgrupodepsicólogosfezesseteste,aconteceuoqueseesperava.

As pessoas se sentavam e começavam a apertar botões ao acaso até a luz se

acender,indicandoquetinhamganhadoumponto.Éclaroquedepoisdissoelas

tentamrepetiraquelaação,sóquealuznãoseacendemais.Então,começama

tentarcombinações:apertarestebotãotrêsvezes,depoisaquelebotãoumavez,

depois esperar cinco segundos e… Tcharam! Mais um ponto. Até que, em

seguida,issotambémdeixadefuncionar.Talveznãotenhanadaavercombotões,

elaspensam.Talveztenhaavercomaminhaposiçãonacadeira.Ouoqueestou

tocando. Talvez tenha a ver commeus pés.Plim!Mais um ponto. Sim, talvez

sejamospésedepoisapertaroutrobotão.Plim!

Geralmente, cada pessoa leva de dez a quinze minutos para descobrir a

sequênciaespecíficadeaçõesparaobtermaispontos.Costumaseralgoestranho,

comoficarnumpésóouapertarumalongasequênciadebotõesporumtempo

específico,comocorpovoltadoparadeterminadadireção.

Sabe o que é mais engraçado? É tudo aleatório. Não existe sequência, não

existerelaçãocomoqueapessoafaz.Ésóumaluzqueseacendeeumapito.Eas

pessoas ficam ali na sala dando piruetas e achando que aquilo está valendo

algumacoisa.

Deixando de lado o sadismo da situação, o propósito do experimento é

mostrarcomoamentehumanaérápidaemcriareacreditaremummontede

bobagens irreais. E, ao que parece, também somos muito bons nisso. Cada

participantedo experimento saíada sala convencidodequehavia entendido a

lógica por trás daquilo e ganhado o jogo. Todos acreditavam ter descoberto a

sequência “perfeita” de botões. Só que os métodos criados eram tão únicos

quanto os indivíduos colocados à prova.Umhomem inventouuma sequência

enormedeacionamentodosbotõesquesófaziasentidoparaele.Umajovemse

convenceu de que uma das ações necessárias era bater no teto determinado

númerodevezes;saiudasalaesgotadadetantopular.

Nosso cérebro éumamáquinade gerar significado.Oque entendemospor

“significado”sãoassociaçõesmentaisentredoisoumaiseventos.Seapertamos

umbotãoevemosumaluzseacender,concluímosqueobotãofoiacausaealuz,

a consequência. Em essência, significado é isso. Botão, luz; luz, botão. Vemos

uma cadeira, notamos que é cinza. Nosso cérebro estabelece uma associação

entre a cor (cinza) e o objeto (cadeira) e elabora um significado: “A cadeira é

cinza.”

Nossamenteestásempreematividade,gerandomaisemaisassociaçõespara

nosajudaraentenderecontrolaroambientequenoscerca.Tudoquevivemos,

sejainternaouexternamente,geranovasassociaçõeseconexõesmentais.Tudo:

desde as palavras nesta página, passando pelos conceitos gramaticais que você

usaparaentenderasfrases,atéasdivagaçõesemquesuamenteseperdequando

meu texto ficachatoourepetitivo—cadaumdessespensamentos, impulsose

percepçõesécompostodemilharesdeconexõesneurológicasque,disparadasao

mesmo tempo, iluminam sua mente com um clarão de conhecimento e

compreensão.

Sótemdoisproblemas.Primeiro,océrebroéimperfeito.Confundimosoque

vemoseouvimos,esquecemosfatosefazemosinterpretaçõesincorretas.

Segundo, o cérebro tende a se apegar aos significados que criamos. Somos

tendenciososemrelaçãoaoqueassimilamose relutamosemnosdesapegardo

que nossa mente criou. Mesmo quando temos evidências que contradizem o

significadoestabelecido,preferimosignorá-lasemanternossacrença.

ComodisseocomedianteEmoPhilipscertavez:“Euachavaqueocérebroera

o órgão mais maravilhoso do meu corpo. Depois, percebi quem estava me

dizendo isso.” A triste verdade é que a maior parte do que “sabemos” e

acreditamos éprodutodas inexatidões e tendências inatasdesseórgão.Muitos

dosnossosvalores,amaioriadeles,sãoprodutodeeventosquenãorepresentam

omundocomoumtodooudeumpassadototalmentedeturpadopelamemória.

Oresultado?Grandepartedasnossascrençasé incorreta.Ou,parasermais

exato,todassão—algumasapenassãomenosqueoutras.Amentehumanaéum

amontoado de inexatidões. E, apesar de isso ser um conceito desconfortável,

aceitá-loémuitoimportante,comoveremos.

Cuidadocomsuascrenças

Em1988,duranteumasessãodeterapia,ajornalistaeescritoraMeredithMaran

teve uma revelação alarmante: na infância, ela fora abusada sexualmente pelo

próprio pai.O surgimento dessa lembrança reprimida, à qualMeredith vivera

alheiaatéentão,foiumchoqueparaela.Aostrintaeseteanos,elaconfrontouo

paiecontouàfamíliaoquehaviaacontecido.

A família inteira ficou horrorizada. O pai não hesitou em negar

categoricamente.AlgunsparentesficaramdoladodeMeredith;outros,dolado

dopai.Aárvoregenealógicarachouaomeio.Eadorquehaviamuitodefiniao

relacionamentodeMeredithcomopaicomeçouaseespalharcomobolorpelos

familiares.Arevelaçãodevastouatodos.

Em1996,Meredith teveoutrapercepçãochocante:opainão tinhaabusado

dela. (Pois é. Foi mal aí.) Meredith tinha inventado a lembrança, com a

contribuição do profissional de psicologia, ainda que bem-intencionado.

Consumidapelaculpa,elapassouanostentandosereconciliarcomopaiecom

outros membros da família, vivendo entre constantes pedidos de desculpas e

explicações,atéamortedele.Maseratardedemais.Afamílianuncamaisfoia

mesma.

Meredithnãoestásozinha.Comoconstaemsuaautobiografia,MyLie:ATrue

StoryofFalseMemory,osanos1980testemunharamdiversoscasosdemulheres

que acusaram parentes de abuso sexual e se retrataram tempos depois.

,

Na

mesmaépoca,muitaspessoastambémalegavamsaberdecultossatânicosemque

seabusavadecrianças,mas,apesardeinvestigaçõesemváriascidades,apolícia

nunca encontrou evidências das práticas doidas que eram descritas pelos

acusadores. Por que de repente o pessoal cismou de inventar lembranças

horríveisdeabusoseseitas?Eporquenosanos1980?

Jábrincoude telefonesemfioquandoeracriança?Éaquelabrincadeiraem

queumapessoadizumacoisanoouvidodaoutra,depoisa frasevaipassando

porumasdez atéque aúltimaouveuma frasequenão temnada a ver coma

original.Émaisoumenosassimquenossamemóriafunciona.

Uma coisa acontece.Dias depois, nos lembramos da situação com algumas

inexatidões, como se nos tivesse sido sussurrada e mal compreendida. Se

contamosaalguémsobreoqueaconteceu,precisamospreencheraslacunasno

roteirocomnovoselementos,paraquetudofaçasentidoeninguémachequea

gente é louco. Então, começamos a acreditar na versão corrigida, e na vez

seguintequecontamosoqueaconteceu,reproduzimosnossasinvenções.Sóque,

por não corresponderem à realidade, contamos as coisas de um jeito meio

incorreto.Umanodepois,bêbados,recontamosahistóriaeamodificamosum

poucomais—ok, sejamos honestos: inventamos completamente cerca de um

terçodahistória.Nasemanaseguinte,sóbrios,nãoqueremosadmitiramentirae

porissomantemosaversãorevisadaeexpandidapeloálcool.Cincoanosdepois,

nossa história — foi exatamente assim que aconteceu, juro por Deus e pela

minhamãemortinha—é,nomáximo,cinquentaporcentoverdadeira.

Todomundo faz isso. Eu faço.Você faz. Pormais honestos e corretos que

sejamos, estamos sempre sujeitos a enganar a nósmesmos e a outros, porque

nossocérebroéprogramadoparasereficiente,nãofiel.

Nãosónossamemóriaéumadroga—apontodetestemunhosocularesnão

serem necessariamente levados a sério em um julgamento —, como nosso

cérebrotemumfuncionamentonadaimparcial.

Como?Bem,eleestásempretentandoanalisarnossasituaçãoatualcombase

noque jáacreditamose jávivemos.Toda informaçãonovaéavaliadasegundo

padrõeseconclusõesprévios.Oresultadoéumcérebrosempretendenciosoem

relaçãoaoque consideramos ser verdadeemdeterminadomomento. Se temos

um relacionamento maravilhoso com nossa irmã, por exemplo, vamos

interpretaramaiorpartedaslembrançascomelasobumaperspectivapositiva.

Quando o relacionamento azeda, é comum começarmos a ver as mesmas

lembrançassobnovaótica,reimaginando-asdeformaaexplicaraatualraivaque

sentimos.AquelepresentelindoqueelanosdeunoNatalassumeconotaçõesde

condescendência.Aquelavezemquenãofomosconvidadosparaacasadepraia

passadeerroinofensivoparatremendanegligência.

Ahistória falsadeMeredith fazmuitomais sentidoquandoentendemosos

valores que guiavam sua mente naquele momento. Em primeiro lugar, o

relacionamentoentreelaeopaisemprefoitenso.Segundo,elativeraumasérie

derelacionamentosamorososcomplicados,incluindoumcasamentodesfeito.

Assim,jádesaída,“relacionamentosíntimoscomhomens”nãoeramamaior

maravilhaparaMeredith,emtermosdevalores.

Nocomeçodosanos1980,namesmaépocaemquedescobriuofeminismo,

Meredith começou a pesquisar sobre abuso infantil. Todo dia era confrontada

comhistóriasemaishistóriasterríveisdeabusoeporanostrabalhounoapoioa

vítimas de incesto, geralmente meninas pequenas. Também escreveu muito

sobre vários estudos que foram publicados na época— estudos que, como se

descobriumais tarde,superestimavamemmuitoa incidênciademolestamento

infantil.(Omaisfamosodelesafirmavaqueumterçodasmulheresadultastinha

sidomolestadanainfância,númerodesmentidoposteriormente.)

Paracoroar,Meredithseapaixonouporumamulhersobreviventedeincesto.

O relacionamento evoluiu para uma codependência tóxica, em que Meredith

continuamentetentava“salvar”anamoradadopassadotraumáticoeaoutra,por

sua vez, o explorava como arma emocional para ganhar o afeto deMeredith.

(Falarei mais sobre isso e sobre limites no capítulo 8.) Enquanto isso, o

relacionamentodeMeredithcomopaipiorava(elenãoviadeformarespeitosao

relacionamento homossexual da filha), e ela fazia terapia com uma frequência

quaseobsessiva.Ospsicólogos,cujaatuação talvez fosseumtanto influenciada

pelosprópriosvaloresecrenças,insistiamnaideiadequenãopodiaserapenaso

trabalhoestressanteeosrelacionamentosnãosaudáveisquedeixavamMeredith

tãoinfeliz.Sópodiaseralgomais,algomaisprofundo.

Nessaépoca,umanovaformadetratamento,chamadaterapiadememórias

reprimidas, estava se popularizando. A abordagem consistia em colocar o

paciente num estado de transe, durante o qual era encorajado a desencavar e

reviver lembranças esquecidas da infância. Geralmente eram lembranças boas,

masaideiaeraacessartambémaomenosalgunstraumas.

EntãoaliestavaapobreMeredith,infeliz,lidandocomincestoeabusoinfantil

todo santo dia, sentindo raiva do pai, tendo tolerado uma vida inteira de

relacionamentosfracassadoscomhomens,eaúnicapessoaquepareciaentendê-

la e amá-la era outramulher, que realmente sofrera tal trauma. Ah, isso sem

contar as lágrimas diárias que derramava no divã de uma pessoa que exigia o

tempo todo que ela se lembrasse de algo novo que não lhe vinha de jeito

nenhum.Então,voilà,eisareceitaperfeitaparaalembrançadeumabusosexual

quenuncaaconteceu.

Quandonossamenteprocessaasexperiências,aprioridadeéinterpretá-lasde

forma que sejam coerentes com acontecimentos anteriores, assim como

sentimentosecrençasjáconhecidos,mascomfrequênciapassamosporsituações

sem correlação entre passado e presente. Em tais ocasiões, o que se passa no

momento seperdediantede tudoque tomamos comoverdadeiro e razoável a

respeito do passado. Em nome da coerência, nossa mente pode inventar

lembranças. Ao relacionar as experiências presentes com aquele passado

relembrado,conseguimosmanterosignificadoquejáestabelecemos.

Como já notamos antes, a história de Meredith não é única. Muito pelo

contrário:nosanos1980ecomeçodosanos1990,centenasdepessoasinocentes

foram acusadas injustamente de violência sexual sob circunstâncias parecidas.

Muitasforampresasporisso.

Paraaquelesinsatisfeitoscomavida,essasexplicaçõessugestivas,combinadas

com a mídia sensacionalista — havia uma epidemia real de abusos sexuais e

violência ritualística se desenrolando, e qualquer pessoa podia ser vítima —,

davamao inconscienteumincentivoparaexagerar ligeiramenteas lembranças.

Esse mecanismo fundamentaria o sofrimento do indivíduo, colocando-o no

papel de vítima e isentando-o da responsabilidade. A terapia de memórias

reprimidasagiacomoummeiodeextrairessesdesejosinconscientesemoldá-los

naformadelembrançasaparentementetangíveis.

Esse processo, e o estado de espírito resultante, se tornou tão comum que

ganhou nome: síndrome da falsa memória, e gerou mudanças nos tribunais.

Milhares de terapeutas que utilizavam esse método foram processados e

perderamalicençadetrabalho.Aterapiadamemóriareprimidafoisubstituída

pormétodosmaiscomprovados.Pesquisasrecentessóreforçamadolorosalição

daquela época: nossas crenças são maleáveis e nossa memória é bem pouco

confiável.

Clichês desagradáveis como “confiar em si mesmo” e “seguir seu coração”

estãoportodaparte.Talvezomelhorsejaconfiar

,

menosemsimesmo.Afinal,se

nosso coração enossamente são tão falhos, precisamosquestionaraindamais

nossas intenções emotivações. Se está todomundo errado o tempo todo, não

seriamo ceticismo e a rigorosa objeção a nossas crenças e suposições o único

caminhológicoparaoamadurecimento?

Seiqueaideiapodeparecerassustadoraeautodestrutiva,masnaverdadeéo

contrário:nãosóémaisseguracomoélibertadora.

Osperigosdacertezaabsoluta

Erinestásentadadiantedemimàmesadorestaurantejaponêsetentaexplicar

porquenãoacreditanamorte.Jáestamosaquiháquasetrêshoras.Elacomeu

exatamentequatrorolinhosdepepinoebebeu, sozinha,umagarrafa inteirade

saquê(jáestánametadedasegunda,naverdade).Sãoquatrohorasdatardede

umaterça-feira.

Eunãoaconvidei.Elamecaçoupelainternetepegouumaviãoparavirme

encontrar.

Denovo.

Nãoéaprimeiravez.Erinestáconvencidadequepodeevitaramorte,mas

tambémdequeprecisadaminhaajudaparaisso.Sóquenãoestamosfalandode

ajudaprofissional.Seelaprecisasseapenasdoaconselhamentodeumrelações-

públicasoualgoassim,tudobem.Não,émaisdoqueisso:Erinprecisademim

comonamorado. Por quê?Depois de três horas de perguntas e uma garrafa e

meiadesaquê,aindanãoseidizer.

Aliás, minha noiva está aqui com a gente no restaurante. Erin achou

importante que ela fosse incluída na discussão, pois queria dizer que está

“dispostaamedividir”equeminhanamorada(agoraesposa)“nãoprecisavase

sentirameaçada”.

ConheciErinnumsemináriodeautoajuda,em2008.Elaparecialegal.Meio

mística,meioNewAge,haviacursadodireitonuma faculdadeda IvyLeaguee

era inegavelmente inteligente. Ela ria das minhas piadas e me achava fofo—

então,sendoeuquemsou,éclaroquetransamos.

Ummêsdepois,elameconvidouparaatravessaropaísemorarmos juntos.

Issomeassustouumpouco.Tenteiterminar,maselareagiuameaçandosematar

se eu me recusasse a ficar com ela. Ok, dessa vez me assustei muito.

Imediatamenteabloqueeinoe-maileemtodososmeusmeiosdecomunicação.

Conseguicontê-laporumtempo,masnãoconseguidetê-la.

Anosantesdenosconhecermos,Erintinhaquasemorridonumacidentede

carro. Oumelhor, ela de fato “morreu” por alguns instantes, fisiologicamente

falando — toda a sua atividade cerebral cessou —, mas, por algum milagre,

conseguiram revivê-la.Depoisque “voltou”, tudomudou, segundoela.Erin se

tornou uma pessoa muito espiritualizada e mergulhou de cabeça em cura

energética, contato com anjos, consciência universal, tarô. Ela também

acreditavatersetornadoparanormal—capazdecurareverofuturo.E,sabe-se

láporquê,aomeencontrar,chegouàconclusãodequeestávamosdestinadosa

salvaromundojuntos.A“curaramorte”.

Depois que a bloqueei, ela começou a criar novos endereços de e-mail, às

vezes me enviando uma dúzia de mensagens de ódio num único dia. Criou

contas falsas no Facebook e no Twitter, que usava para atormentar a mim e

pessoaspróximasamim.Criouumsiteidênticoaomeueescreveuváriosposts

alegando que eu era seu ex-namorado, que a traíra e mentira para ela, que

prometeramecasarequeestávamosdestinadosaficarjuntos.Quandoentreiem

contatopedindoquetirasseositedoar,Erindissequesófaria issoseeufosse

morarcomelanaCalifórnia.Essaerasuaideiadeacordo.

Ao longo de tudo isso, sua justificativa era amesma: eu estava destinado a

ficarcomela,Deushaviapredeterminadoisso,elaliteralmenteacordavanomeio

da noite com a voz dos anjos dizendo que “nossa relação especial” seria o

prenúnciodeumanovaeradepazpermanentenaTerra(juro).

No dia em que estávamos nesse restaurante japonês, já tínhamos trocado

milharesdee-mails.Seeurespondiaounão,seofaziaemtomrespeitosooucom

raiva, não fazia diferença: a psique de Erin era imune a abalos; suas crenças

nuncasealteravam.Oproblemajáseestendiahaviamaisdeseteanosnaépoca.

E foi assim, naquele pequeno restaurante japonês, com Erin entornando

saquê e tagarelandoporhoras a fio sobre ter curadoaspedrasnos rinsde seu

gato usando energia, que algo me ocorreu: Erin era viciada em

autoaperfeiçoamento. Ela gastava dezenas de milhares de dólares em livros,

seminários e cursos. E a partemais louca de tudo isso é que ela colocava em

prática perfeitamente todas as lições que aprendia. Erin tinha um sonho e

persistia para alcançá-lo; visualizava, agia, tolerava as rejeições e fracassos,

levantava-seetentavadenovo.Eraimplacavelmentepositiva.Tinhaasimesma

emaltaconta.AmulheralegavacurargatoscomoJesuscurouLázaro!

Masos valores dela eram tão escrotos quenadadisso importava.O fatode

fazertudo“certo”nãosignificavaqueelaestivessecerta.

AcertezadeErinserecusavaaceder.Elaatéjámedisseraissocomtodasas

letras:quesabiaquesuafixaçãoeracompletamenteirracionaleinsalubreeque

traziainfelicidadeparanósdois.Sóque,poralgumarazão,aquilolhepareciatão

certoqueelanãoconseguiaesquecernemparar.

Em meados da década de 1990, o psicólogo Roy Baumeister começou a

pesquisaramaldadecomoconceito,analisandopessoasquecometiamatosruins

eporqueosfaziam.

Naépoca,supunha-sequeaspessoasfaziammaldadesporquesesentiammal

consigo mesmas — ou seja, tinham baixa autoestima. Uma das primeiras

descobertas surpreendentes de Baumeister foi que muitas vezes isso não se

aplicava. Em geral, era o contrário. Alguns dos piores criminosos se sentiam

muito bem consigo mesmos, e era essa sensação boa, apesar da realidade ao

redor,quepareciajustificarseusatosdeferiredesrespeitarosoutros.

Para que indivíduos justifiquem os próprios atos terríveis, é preciso que

tenham certeza inabalável de sua retidão, suas crenças e seu merecimento.

Racistas fazemoque fazemporque têm certezade sua superioridade genética.

Fanáticos religiosos dinamitam o próprio corpo e assassinam centenas porque

têm certeza de seu lugar no céu comomártires.Homens estupram e agridem

mulheresporquetêmcertezadeseudireitosobreocorpodelas.

Pessoasmásnuncaacreditamquesãomás;elasacreditamquetodososoutros

sãomaus.

Emexperimentoscontroversos (posteriormentedenominadosExperimentos

Milgram, em homenagem ao psicólogo Stanley Milgram), pessoas “normais”

foramorientadasapunirvoluntáriospordesrespeitaremregras.Foioqueelas

fizeram,chegandoàviolênciafísicaemcertoscasos.Rarasforamasquefizeram

objeção ou pediram explicação. Muitas até pareceram gostar da sensação de

retidãomoralobtidaduranteoprocesso.

O problema é que não apenas a certeza é inatingível, como a busca pela

certezageralmenteampliaeintensificaainsegurança.

Muitagentetemconfiançaplenaemseudesempenhoprofissionalenosalário

quedeveriaganhar,masessacertezafazaspessoassesentirempior,nãomelhor.

Elas veem outros sendo promovidos e se sentem menosprezadas. Julgam-se

desvalorizadasenãoreconhecidas.

Até comportamentos simples, como dar uma olhada no celular do seu

namorado ou perguntar a um amigo o que estão falando sobre você, são

motivadosporumdesejoirresistíveldesegurança.

Vocêpodeolharasmensagensnocelulardoseunamoradoenãoencontrar

nada,masacoisanuncaparaporaí;talvezvocêcomeceaseperguntarseeletem

outroaparelho.Parajustificarterperdidoumapromoçãonotrabalho,vocêpode

concluirquefoipassadoparatrás.Aquestãoéqueissoofazdesconfiardos

,

seus

colegaseduvidardetudoquelhedizem(edoquesentemporvocê),oquetorna

sua promoçãomenos provável. Você pode buscar aquela pessoa especial com

quemé“destinado”a ficar,masacadarejeiçãoenoitesolitáriavocêquestiona

maisoqueestáfazendodeerrado.

E é nesses momentos de insegurança, de profundo desespero, que nos

tornamos suscetíveis a uma arrogância insidiosa: acreditar que merecemos

trapacear um pouco para conseguir o que queremos, que as outras pessoas

merecem ser punidas, quemerecemos nos apossar do que desejamos, às vezes

usandodeviolência.

Volta o conceito da lei invertida: quanto mais tentarmos estar certos em

relaçãoaalgumacoisa,maisincertoseinsegurosnossentimos.

Mas o oposto também é verdadeiro: quantomais aceitamos a incerteza e a

ignorância,maisconfortáveisnossentimosemnãosaber.

A incerteza neutraliza os julgamentos que fazemos dos outros; previne os

estereótipos e os preconceitos que surgem quando vemos alguém na TV, no

trabalho ou na rua. Ela também nos livra do autojulgamento. Porque não

sabemos se somos agradáveis aos olhos alheios, se somos atraentes, se temos

potencial para o sucesso. A única maneira de alcançar esses objetivos é

permanecer em dúvida quanto a eles e estar aberto para descobrir a verdade

atravésdaexperiência.

Aincertezaéaraizdetodoprogressoedetodocrescimento.Comodizum

velho ditado, o homem que acha que sabe tudo não aprende nada novo. É

impossívelaprenderalgosenãoapartirdaignorância.Dessemodo,quantomais

admitimosnãosaber,maiscriamosoportunidadesdeaprender.

Nossosvaloressãoimperfeitoseincompletos.Presumiroopostoéomesmo

que vestir uma mentalidade perigosamente dogmática, caindo num

comportamento arrogante e irresponsável.Aúnicamaneirade resolvernossos

problemas é admitir que nossas ações e crenças sempre estiveram erradas e

nuncafuncionam.

Aaberturaparaestarerradoprecisaexistirsevocêquiseralgumamudançaou

crescimentoreal.

Antesdeanalisarmosnossosvaloreseprioridadesafimdetorná-losmelhores

e mais saudáveis, precisamos duvidar dos nossos valores atuais. Devemos,

racionalmente, colocá-los emperspectiva, enxergar as falhas e os preconceitos,

conferir se não se ajustam aos valores do resto do mundo, encarar nossa

ignorânciadefrenteeadmitiraderrota.Aignorânciaémaiordoquetodosnós.

ALeidaEvasãodeManson

Éprovável que você já tenhaouvido falardaLeideParkinson: “O trabalho se

expandedemodoapreencherotempodisponívelparasuaconclusão.”

SemdúvidatambémjáouviuaLeideMurphy:“Tudoquepodedarerradovai

darerrado.”

Bem, da próxima vez que estiver numa festa chique e quiser impressionar,

experimentecitaraLeidaEvasãodeManson:

Quantomaisalgumacoisaameaçasuaidentidade,maisvocêaevitará.

Ouseja:quantomaisalgumacoisaameaçamudaravisãoquevocêtemdesi

mesmo—suaautoavaliaçãodesucessooufracasso,suaautoavaliaçãoemrelação

aosprópriosvalores—,maisvocêevitaráfazê-la.

Há certo conforto em saber como a gente se encaixa nomundo.Qualquer

coisa que abale esse conforto é assustadora, mesmo que tenha o potencial de

melhorarsuavida.

A Lei de Manson se aplica a mudanças boas e mudanças ruins. Ganhar

milhões na loteria pode ameaçar sua identidade tanto quanto cair namiséria;

virar um astro da música pode ameaçar sua identidade tanto quanto ficar

desempregado. É por isso que tanta gente teme o sucesso— exatamente pelo

mesmomotivoquetemeofracasso:porqueameaçaapessoaquepensaser.

Você adia o sonhadoprojeto de aprender a tocar guitarra porquenãoquer

questionarsuaidentidadecomocorretorde imóveis.Vocêevitaconversarcom

seumaridosobresermaisousadanacamaporqueessaconversadesafiariasua

identidadedemulher“defamília”.Vocêevitadizeraoseuamigoquenãoquer

mais sair com ele porque acabar com a amizade entraria em conflito com sua

identidadedepessoaagradávelecompreensiva.

Estes são alguns exemplos de oportunidades importantes ou atitudes

importantesquerejeitamosporqueameaçammudaraformacomonosvemose

nosposicionamosnomundo.Ameaçamos valoresque escolhemosparanossa

vidaequeaprendemosaseguir.

Eutinhaumamigoquesóviviafalandoemcolocarseustrabalhosnainternet

e tentar ganhar a vida como artista profissional (oupelomenos semi). Passou

anos sonhando com isso, economizou dinheiro e até criou algunsmodelos de

sitescomseuportfólio.

Aideianuncaiaemfrente.Haviasemprealgumimpedimento:aresoluçãodo

trabalhonãoeraboaobastante,eletinhaacabadodepintaralgomelhorouainda

nãotinhatempoparasededicarosuficiente.

Anossepassarameelenuncadesistiudoseu“empregodeverdade”.Porquê?

Porqueapesarde sonharemganharavidacomarte, apossibilidade realde se

tornar um Artista De Que Ninguém Gosta era muito mais assustadora que

continuar sendo um Artista Que Ninguém Conhece. Pelo menos ele estava

confortáveleacostumadocomotítulodeArtistaQueNinguémConhece.

Tinhaumoutroamigomeuqueeramuitofesteiro,viviasaindoparabebere

conhecergentenova.Depoisdeanosemeuforia,porém,eleseviuterrivelmente

solitário,deprimidoedoente.Aídecidiumudar seuestilodevida.Falavacom

umainvejaferozdosamigosquetinhamumrelacionamentoestáveleerammais

“sossegados”.Masessecaranuncamudoudecomportamento.Manteveoritmo

por mais anos e anos, insistindo em noites vazias e garrafas após garrafas.

Semprecomalgumadesculpa.Semprecomalguma razãoparanãodiminuiro

ritmo.

Abrirmãodoseuestilodevidaameaçavademaissuaidentidade.Elesósabia

seroFanfarrão.Desistirdaquiloseriacometerumharaquiripsicológico.

Todos temos valores pessoais. Protegemos esses valores. Tentamos viver de

acordocomeles, justificá-losemantê-los.Mesmosemperceber,éassimqueo

cérebrofunciona.Comoobservadoantes,somosinjustamentetendenciososem

relaçãoaoque já sabemos, àsnossas certezas.Seeuacreditarque souumcara

legal,evitareisituaçõesquepossamviracontradizeressacrença.Seacreditarque

sou um ótimo cozinheiro, sempre buscarei oportunidades para provar isso a

mimmesmo. A crença é sempre a prioridade. Até mudarmos a forma como

enxergamosanósmesmos,oqueacreditamosserenãosomos,nãotemoscomo

superaraevasãoeaansiedade.Nãotemoscomomudar.

Nesse sentido, “conhecer a simesmo” ou “se encontrar” pode ser perigoso.

Podeprendervocê aumpapel rígido e colocar expectativasdesnecessáriasnas

suas costas. Pode fechá-lo para seu potencial interno e para oportunidades

externas.

Quersaber?Nãoseencontre.Nuncaconheçaquemvocêé.Porqueéissoque

fazvocêseempenhareviveremestadodeconstantedescoberta.Essaposturavai

forçá-loaserhumildenosjulgamentosenaaceitaçãodasdiferenças.

Semate

Segundo o budismo, a ideia do “eu” não passa de uma construção mental

arbitrária e,por isso, épreciso abandoná-la,porque ela sequer existe. Segundo

essafilosofia,amedidaarbitráriapelaqualnosdefinimosé,naverdade,algoque

nosaprisiona,e,portanto,émelhorabrirmãodela.Emcertosentido,dariapara

dizerqueobudismonosencorajaaligarofoda-se.

Essavisãodáumasensaçãode insegurança,mastrazalgumasvantagensem

termospsicológicos.Quandoabrimosmãodashistóriasquecontamossobrenós

mesmosparanósmesmos,noslibertamosparaagir(efracassar)ecrescer.

Quando alguém admite para si mesmo: “Acho que não tenho talento para

relacionamentos”,

,

fica livre para agir e terminar um casamento infeliz. Essa

pessoanãoestaráprotegendosuaidentidadeaomanterumauniãoinsatisfatória

sóparaprovaralgoasimesma.

Quando um estudante admite para si mesmo: “Sabe, talvez eu não seja

rebelde; talvez só esteja commedo”, subitamente se vê livre para voltar a ser

ambicioso.Nãohámotivoparasesentirameaçadoporumpossívelfracassona

buscadeseussonhosacadêmicos.

Quandoocorretorde imóveisadmiteparasimesmo:“Sabe, talveznãohaja

nadadeúnicoouespecialnosmeussonhosounomeuemprego”,eleseliberta

parasematricularnumaaulademúsicaevernoquedá.

Eutenhoumanotíciaboaeumaruimparavocê:seusproblemassãobempouco

originaiseespeciais.Éporissoqueabrirmãodascoisasétãolibertador.

Háumaespéciede egoísmoqueacompanhaomedo, e ele ébaseadonuma

certezairracional.Quandovocêpresumequeseuaviãovaicair,queaideiadoseu

projetoéidiotaequetodomundovairirdelaouquevocêéapessoaquetodos

vãoescolherparazombarou ignorar,está implicitamentedizendoasimesmo:

“Eu sou a exceção; eu sou diferente de todos os outros; eu sou diferente e

especial.”

Issoénarcisismopuroesimples.Vocêsentequeosseusproblemasmerecem

ser tratados de forma diferente, que os seus problemas têm uma característica

únicaquenãoobedeceàsleisdouniverso.

Meuconselhoé:nãosejaespecial;nãosejaúnico.Redefina-sedeacordocom

asmedidasmais comuns e abrangentes.Escolhanão avaliar a simesmo como

umaestrelaemascensãoouumgênioemestadobruto.Escolhanãoavaliarasi

mesmocomoumavítimaouumfracassadoinfeliz.Evejaasimesmosoboviés

deidentidadesmaissimples—aluno,parceiro,amigo.

Quantomaislimitadaeraraaidentidadequevocêescolher,maisameaçador

pareceráo ambiente ao redor.Defina-sedas formasmais simples e comuns se

quiserevitarisso.

Em geral, isso significa desistir de ideias grandiosas para si: que é

extremamenteinteligente,incrivelmentetalentoso,assustadoramenteatraenteou

que enfrentou sofrimentos inimagináveis para os reles mortais. Isso significa

desistirdeumaposturaarroganteedacrençadequeomundolhedevealguma

coisa.Significaabrirmãodosuprimentodeeuforiasemocionaisqueosustentam

há anos. Como um viciado que desiste da seringa, você vai passar por uma

síndromedeabstinênciaquandocomeçaraabrirmãodessascoisas.Masnofim

vaisermuitomelhor.

Comoserumpoucomenossegurodesi

Questionarasimesmoeduvidardosprópriospensamentosecrençasestãoentre

ashabilidadesmaisdifíceisdesedesenvolver.Masépossível.Aquiestãoalgumas

perguntasparaajudá-loacriarumpoucomaisdeincertezanasuavida.

Pergunta1:Eseeuestivererrado?

Há pouco tempo, uma amiga minha ficou noiva. O cara que a pediu em

casamento é bem sério.Não bebe.Não a agride nem amaltrata. É um sujeito

simpáticoecomempregoestável.

Desdeonoivado,o irmãodela fazcríticaso tempotodoàsescolhasdevida

imaturasdairmã,avisaqueelavaisemagoarcomessecara,queestácometendo

um erro, que está sendo irresponsável. E sempre que minha amiga pergunta:

“Qualéo seuproblema?Porquemeunoivado incomoda tantovocê?”,eleage

como se não existisse problema algum, como se não se incomodasse nem um

poucoesóestivessetentandoprotegerairmãmaisnova.

Mas estána caraque tem, sim, alguma coisa o incomodando.Talvez sejam

insegurançasarespeitodainstituiçãodocasamento;talvezumarivalidadeentre

irmãos. Ciúmes, quem sabe? Ou talvez ele esteja tão envolvido na própria

vitimizaçãoquenãoconsigademonstrarfelicidadepelasalegriasalheiasemvez

detentarestragartudo.

A verdade é que somos nossos piores observadores. Os últimos a perceber

quandoestamosirritados,enciumadosoutristes.Aúnicamaneiradedescobrir

isso é enfraquecer a nossa armadura de certeza, o tempo todo considerando a

possibilidadedeengano.

Estou com ciúmes?E, se formesmo isso, por quê?Ouentão:Estou com raiva?

Seráqueelatemrazão,eeusóestouprotegendomeuego?

Perguntascomoessasprecisamsetornarumhábitomental.Emmuitoscasos,

osimplesatoderecorreràdúvidafazbrotarhumildadeecompaixão,resolvendo

muitosdosnossosproblemas.

Mas é importante notar que questionar suas ideias não faz com que você

esteja necessariamente errado. Se seumarido lhe dá uma surra por queimar a

carne e você se pergunta se está errada em achar que ele a estámaltratando...

Bem, não, você não está errada. O objetivo do que proponho aqui é

simplesmenterelativizarsuasconclusõeserefletir,nãoseodiar.

Valelembrarque,paraqualquermudançaacontecernasuavida,vocêprecisa

estar errado em alguma opinião. Se você passa seus dias olhando para o teto e

sofrendo, já está cometendo um erro crucial. Até que você seja capaz de se

questionareseproporadescobriroqueé,nadavaimudar.

Pergunta2:Oquesignificariaestarerrado?

Muitas pessoas conseguem se perguntar se estão erradas, mas poucas

conseguem dar o passo seguinte, de avaliar quais seriam as consequências de

estaremerradas.Issoporqueopotencialsignificadoportrásdosnossoserrosem

geral é doloroso. Não só nossos valores são questionados como nos vemos

obrigadosaconsiderarvivercomumvalordiferente,atéoposto.

Aristótelesescreveu:“Amarcadeumamenteinstruídaésercapazdeentreter

uma ideia sem aceitá-la.” Conseguir avaliar valores diferentes sem

necessariamenteadotá-lostalvezsejaaprincipalhabilidadeparamudaraprópria

vidadeformasignificativa.

Voltandoaoirmãodaminhaamiga,suaperguntaparasimesmodeveriaser:

Eseeuestiverenganadosobreonoivodaminhairmã?Emgeral,arespostaauma

pergunta como essa é bastante direta (algo como Talvez eu esteja sendo

egoísta/inseguro/um babaca narcisista). Se ele estiver errado, se o noivo for um

cara bacana, a única explicação para o seu comportamento envolveria

insegurançasouvaloresescrotos.Elepresumesaberoqueémelhorparaairmã,

supondoqueelanãotemcapacidadedetomardecisõesdevidaimportantespor

contaprópria;elepresumeterodireitoearesponsabilidadedetomarasdecisões

porela;eletemcertezadequeestácertoedequeosoutros,porconsequência,

estãoerrados.

Mesmo depois de descoberto, seja no irmão da minha amiga ou em nós

mesmos, esse tipo de arrogância é difícil de admitir.Doloroso. É por isso que

poucas pessoas fazem as perguntas mais profundas. O problema é que essas

perguntas são vitais para chegar ao âmago dos problemas que motivam o

comportamentobabacadele.Ouonosso.

Pergunta 3: Se eu concluísse que estou errado, criaria um problema

melhoroupiorqueoatual,tantoparamimcomoparaosoutros?

Esteéotestecrucialparadeterminarsetemosvaloressólidosousesomosuns

escrotosneuróticosqueferramcomtodomundo,inclusivenósmesmos.

O objetivo é analisar qual problema é melhor. Porque, como bem disse o

PandadaDesilusão,osproblemasdavidasãoinfinitos.

Quaissãoasopçõesdoirmãodaminhaamiga?A)Manterodramaeatensão

na família, complicando o que deveria ser um momento feliz e nutrindo a

desconfiançaeodesrespeitonarelaçãocomairmã,emfunçãodopalpite(alguns

chamariamdeintuição)dequeofuturoespososeráruimparaela.

B)Desconfiar da própria habilidadede determinar o que é certo ou errado

paraavidadairmãe,nadúvida,optarpelahumildade,confiandonacapacidade

delade tomardecisõesou,mesmoquenãoconfie,aceitandosuasescolhas

,

por

amorerespeitoaela.

AopçãoAéamaispopular,por seramais fácil.Nãoexigemuita reflexão,

não desperta autoquestionamentos e permite tolerância zero às decisões que

outraspessoastomemàsuarevelia.

Tambémcriaumnívelmaiordeinfelicidadeparatodososenvolvidos.

Já a opção B é aquela que pode nutrir relacionamentos saudáveis e felizes,

construídos com confiança e respeito. É a que nos obriga a baixar a bola e

admitir nossa ignorância. É a que nos permite superar nossas inseguranças e

reconhecerquandoestamossendoimpulsivos,injustosouegoístas.

Porserdolorosa,aopçãoBcostumaserpreterida.

Oirmãodessaminhaamiga,aoprotestarcontraonoivado,entrouemuma

batalha imaginária consigomesmo. É lógico que ele acreditava estar tentando

protegerairmã,mas,comovimos,nossascrençassãoarbitrárias,ou,piorainda,

muitas vezes são definidas após determinada ação, para justificar valores e

parâmetrosqueescolhemosparanós.Nocasoqueanalisamos,averdadeéqueo

sujeitoprefereferrarseurelacionamentocomairmãaconsiderarquepodeestar

errado—emboraasegundaopçãopossaajudá-loasuperarasinsegurançasque

oinduziramaoerro.

Eutentolevarumavidabaseadaempoucasregras,masumadasqueadoteiao

longodosanosé:seforprecisoescolherentreeuestarerradooutodasasoutras

pessoasestaremerradas,émuito,masmuitomaisprovávelquesejaeuoerrado.

Digoissoporexperiênciaprópria:incontáveisvezesagideformaestúpidalevado

pelasminhasinsegurançasecertezasequivocadas.Nãoéalgobonitodesever.

Isso não quer dizer que a maioria das pessoas não esteja errada, de certa

forma.Etambémnãoquerdizerquenãoexistammomentosemquevocêestará

maiscorretoqueamaioria.

Arealidadeéalgosimples:separecequeévocêcontraomundo,éprovável

quesejasóvocêcontrasimesmo.

7

Fracassaréseguiremfrente

Estoufalandosérioquandodigoquetivesorte.

Termineiafaculdadeem2007,logoantesdocolapsofinanceiroedarecessão,

e tentei ingressar no piormercado de trabalho dos últimos oitenta anos até o

momento.

Mais oumenos namesma época, descobri que a garota que sublocava um

quarto no meu apartamento não pagava o aluguel havia três meses. Quando

confrontada,elacaiunochoroesumiudomapa,deixandoadívidaparamimeo

outro colega que morava conosco. Adeus, economias. Passei seis meses

dormindonosofádeumamigo,fazendobicosetentandoacumularomínimode

dívidaspossívelenquantocorriaatrásdeum“trabalhodeverdade”.

Digo que tive sorte porque já entrei no mundo adulto como fracassado.

Comeceiláembaixo,nosubsolo.Sendoesseomaiormedodetodomundoem

umafaseposteriordavida—nahoradeabrirumaempresa,trocardecarreira

ousairdeumempregohorrível—,foibomconhecerasensaçãologonocomeço

docaminho.Dali,ascoisassópodiammelhorar.

Por isso, sim, tive sorte. Quando você “mora” num futon fedido, precisa

contarmoedasparaalmoçarnoMcDonald’sumavezporsemanaenãorecebeu

respostaparanenhumdosvintecurrículosqueenviou,começaraescrevernum

blogeabrirumaempresaidiotanainternetnãoparecemideiasassustadoras.Se

todososprojetosqueeucomeçassedessemerrado,senenhumtextomeufosse

lido,euvoltariaaopontodepartida.Então,porquenãotentar?

Ofracassoemsiéumconceitorelativo.Semeuparâmetroparaadefiniçãode

sucesso fosse “me tornar um revolucionário anarcocomunista”, minha

incapacidade absoluta de ganhar dinheiro nos anos de 2007 e 2008 teria

significadosucessototal.Masse,comoaspessoasnormais,meuparâmetrofosse

apenas um primeiro emprego decente para pagar algumas contas depois de

formado,eufuiumfracasso.

Soude família rica.Dinheironunca foiproblema.Pelocontrário, fui criado

numafamíliaricaemqueodinheiroeramaisnecessárioparaevitarproblemas.

Eissotambémfoiumasorte,porquelogocedoaprendiqueganhardinheirosó

por ganhar era um péssimo parâmetro a seguir. Era possível ganhar muito

dinheiro e ser infeliz, assim como era possível não ter um tostão furado e ser

muitofeliz.Então,porquemebasearnodinheiroparamedirmeuvalor?

Descobriquemeuvalor eraoutro.Era liberdade, autonomia.A ideiade ser

umempreendedorsempremeatraiu,porqueeuodiavaquemedessemordense

preferia fazer as coisas domeu jeito. E a ideia de uma publicação on-lineme

atraíaporqueeupodiatrabalhardequalquerlugar,nohorárioquequisesse.

Entãomefizumaperguntasimples:“Prefiroganharbemnumempregoque

odeio ou tentar a sorte na internet, mesmo que eu fique sem grana por um

tempo?” A resposta foi clara e imediata: opção B. Em seguida, me fiz outra

pergunta: “Se eu tentar isso e não der certo, e tiver que voltar a procurar um

empregoformaldaquiaalgunsanos,tereiperdidoalgumacoisa?”Arespostafoi

não.Emvezdeumjovemdesempregadosemexperiênciaaosvinteedoisanos,

eu seria um jovem desempregado sem experiência aos vinte e cinco.Dava no

mesmo.

Com esse valor, minha ideia de fracasso deixou de se vincular à falta de

dinheiro, ao fato de dormir no sofá de amigos e parentes (o que continuei

fazendopormaisdoisanos)eaomeucurrículovazio,tornando-sesimplesmente

“nãocorreratrásdosmeusprojetos”.

Oparadoxodofracasso/sucesso

Já velho, Pablo Picasso estava num café na Espanha, desenhando num

guardanapousado.Estavadistraído,rabiscandoqualquercoisaquechamavasua

atenção no momento — mais ou menos como garotos desenham pintos nas

cabinesdosbanheiros—,sóque,sendoPicasso,seuspintosdebanheiroestavam

maisparamaravilhascubistas/impressionistasempapéismanchadosdecafé.

Enfim. A umamesa perto dele, umamulher sentada observava, admirada.

Depoisdeumtempo,Picassoterminoudetomarocaféeamassouoguardanapo

parajogarforaaosair.

Amulherodeteve.

— Espere. Posso ficar com aquele guardanapo em que você estava

desenhando?Eupago.

—Claro—respondeuPicasso.—Vintemildólares.

A cabeça da mulher foi lançada para trás como se ela tivesse levado uma

tijoladanacabeça.

—Oquê?Masvocêlevoudoisminutosparadesenharaquilo.

—Não,senhora—retrucouPicasso.—Euleveimaisdesessentaanos.

E,guardandooguardanaponobolso,elesaiu.

Aprimorar-se em uma tarefa é um processo que passa por milhares de

pequenos fracassos, eamagnitudedoseuêxitonissovai sebasearemquantas

vezesvocênãoconseguiu fazerdeterminadacoisa. Sealguémémelhordoque

você em algo, é provável que tenha cometidomais erros. Se alguémnão é tão

bomquantovocê,éprovávelquenãotenhaenfrentadotodasassuasdolorosas

experiênciasdeaprendizagem.

Considere uma criança pequena aprendendo a andar. Sabemos que ela vai

cair e se machucar centenas de vezes. Mas em nenhum momento ela para e

pensa:“Bem,achoqueandarnãoéaminha.Nãotenhotalentoparaisso.”

A aversão a fracassos e erros é adquirida posteriormente na vida. Tenho

certeza de que grande parte disso vem do nosso sistema educacional, cujas

avaliaçõessãobaseadasrigorosamentenodesempenhoecastigamosquenãose

saem bem. Outra grande parte desse problema são pais dominadores ou

excessivamente críticos. Esse tipo de criação impede que os filhos errem por

contaprópriaosuficienteeospuneportentaralgodiferenteouespontâneo,não

predeterminado. Somemos a isso os meios de comunicação de massa

apresentandocasosemaiscasosdegentebem-sucedidasemmostrarasmilhares

de horas de prática maçante e tédio necessárias

,

experiênciaspositivasé,emsi,umaexperiência

negativa.E,paradoxalmente,aaceitaçãodaexperiêncianegativaé,em

si,umaexperiênciapositiva.

Issoédeenlouquecerqualquerum.Entãovoulhedarumminutoparalerde

novoeclarearseucérebro:Desejarsentimentospositivoséumsentimentonegativo;

aceitarsentimentosnegativoséumsentimentopositivo.ÉaissoqueofilósofoAlan

Watts se refere como “lei do esforço invertido”: a ideia de que quanto mais

tentamosnossentirbemotempotodo,mais insatisfeitos ficamos,poisabusca

por alguma coisa só reforça o fato de que não a temos. Quantomais você se

desesperapara ser rico,maispobree indigno se sente, sejaqual for sua renda.

Quantomaisvocêsedesesperaparaserbonitoedesejado,maisfeioseconsidera,

sejaqualforsuaaparência.Quantomaisvocêsedesesperaparaserfelizeamado,

mais sozinho e aflito fica, não importa com quem esteja. Quanto mais

espiritualizadoquerser,maisegocêntricoesuperficialsetornanoprocesso.

Écomonavezemquetomeiácido.Quantomaiseuandavaemdireçãoauma

casa,maisacasaseafastava.E,sim,useiminhasalucinaçõesdeLSDparafazer

umaconsideraçãofilosóficasobreafelicidade.Foda-se.

ComodisseoexistencialistaAlbertCamus(etenhoquasecertezadequeele

nãousavaLSD):“Vocênuncaseráfelizseinsistiremtentardescobriroqueéa

felicidade.Vocênuncaviveráverdadeiramente se estiverprocurandoo sentido

davida.”

Emresumo:

Nemtente.

Euseioquevocêestápensando:“Mark,essassuasideiassãomuitoexcitantes,

maseoCamaroparaoqualestoueconomizando?Etodaafomequepasseipara

ficar em forma? Olha, aquela academia é cara! E a casa de praia dos meus

sonhos?Seeuligarofoda-separaessascoisas…Bem,nuncavouconseguirnada.

Nãoéissoqueeuquero.”

Quebomquevocêtocounessaquestão.

Jápercebeuque,àsvezes,quandovocêse importamenoscomalgumacoisa,

acabasesaindomelhor?Jánotouquegeralmenteéapessoamenosempenhada

que acaba se dando bem? Já reparou que às vezes, quando você para de se

importartanto,tudocomeçaaentrarnoseixos?

Porqueissoacontece?

Ointeressantesobrealeidoesforçoinvertidoéqueelanãotemessenomeà

toa:ligarofoda-sefuncionaaocontrário.Sebuscaropositivoénegativo,então

buscaronegativogeraopositivo.Osofrimentoquevocêpassanaacademialhe

dámais saúde e energia.Os errosque você cometeno trabalhopermitemque

você compreenda melhor o que é preciso para ser bem-sucedido.

Paradoxalmente, lidar abertamente com suas inseguranças torna você mais

confiante e carismático. O incômodo de um confronto honesto é o que gera

maiorconfiançaerespeito.Enfrentarseusmedosesuasansiedadeséoquevai

fazervocêcriarcoragemeperseverança.

Sério, eupoderia falardissoporhoras,mas achoque jádeupara entender.

Tudoquevaleapenanavidasóéobtidoaosuperarosentimentonegativoassociado

aele.Todatentativadeescapardonegativo,deevitá-lo,suprimi-loousilenciá-lo

sai pela culatra. Evitar o sofrimento é uma forma de sofrimento. Evitar

dificuldadesé umadificuldade.Negar o fracasso é fracassar. Esconder o que é

vergonhosoé,emsi,causadevergonha.

Osofrimentoéumfioinextricávelquecompõeotecidodavida,earrancá-lo

nãosóéimpossívelcomotambémédestrutivo:tentardesmantelatodooresto.

Oesforçoparaevitarosofrimentoédaratençãodemaisaele.Emcontrapartida,

sevocêconseguirligarofoda-se,torna-seimbatível.

Eumesmojámeimporteicommuitascoisas,mastambémjáligueiofoda-se

paraváriasoutras.E,assimcomoocaminhonãopercorrido,forammeusfoda-se

quefizeramtodaadiferença.

Talvezvocêconheçaalguémque,emalgummomento,tenhaligadoofoda-se

edepoisrealizadoumfeitoincrível.Talveztenhahavidoumaépocanasuavida

emquevocê simplesmente ligouo foda-se e alcançoualgo extraordinário.Por

exemplo,medemitirdomeuempregonaáreadefinançasdepoisdeapenasseis

semanasparaabrirumaempresanainternettemumlugardehonranomeuhall

dafamadofoda-se.Omesmovaleparaaépocaemquedecidivenderquasetudo

quetinhaeirmorarnaAméricadoSul.Asconsequências?Foda-se.Fuiláefiz.

Essesmomentos emque jogamos tudoparao alto sãoosmaisdecisivosna

vida.Asmaioresguinadasnacarreira;adecisãoespontâneadelargarafaculdade

e formar uma banda de rock; a iniciativa de finalmente dar um pé na bunda

daquelenamoradoparasita.

Ligarofoda-seéencararosdesafiosmaisassustadoresemaisdifíceisdavida

eagir.

Superficialmente, ligar o foda-se pode até parecer simples,mas no fundo a

históriaéoutra.Quasetodospassamosavidaemsuplíciopornosimportarmos

demais em situações que merecem o botão do foda-se. Perdemos tempo

ruminando a grosseria do atendente emnos dar o troco emmoedas. Ficamos

loucosquandoumasériedeTVqueacompanhamosécancelada.Ficamosputos

seninguémnotrabalhoperguntacomofoiofimdesemanajustamentequando

fizemosprogramasincríveis.

Enquantoisso,ocartãodecréditoestourou,nossocachorronosodeiaenosso

filho está cheirando no banheiro, mas mesmo assim estamos irritados com

moedinhaseEverybodyLovesRaymond.

Presta atenção: você vai morrer um dia. Eu sei que é meio óbvio, mas só

queria dar uma refrescada na sua memória. Você e todo mundo que você

conheceestarãomortosembreve.E,nocurtoperíodoentreoagoraeodiada

suamorte, você só pode se importar com uma quantidade limitada de coisas.

Bem poucas, na verdade. Se sair por aí se importando com tudo e todos sem

critérioalgum,vaiacabarseferrando.

Ligarofoda-seéumaartesutil.Seiqueesseconceitopodeparecerridículoe

queeutalvezsoecomoumbabaca,masestoufalandodeaprenderadirecionare

priorizarseuspensamentosdemaneiraefetiva:escolheroqueéimportanteeo

quenãoé,combaseemseusvalorespessoais.Issoébemdifícil.Vocêvaiprecisar

deumbomtempodepráticaedisciplina,emuitasvezesnãovaiconseguir.Mas

talvezsejaahabilidadepessoalquemaisvaleoesforço.Talvezaúnica.

Issoporque,quandoofoda-senãoestáacionado—quandoseimportacom

tudo e todos—, você passa a viver como se tivesse o direito inalienável de se

sentirconfortávelefelizotempotodo,comosetudotivesseaobrigaçãodeser

exatamentedojeitoquevocêquer.Issoéumadoençaevaitecomervivo.Toda

adversidade será vista como injustiça; todo desafio, como fracasso; todo

inconveniente, como ofensa pessoal; toda divergência, como traição.Vai viver

confinado a um inferno de mesquinhez dentro da sua cabeça, ardendo em

presunção e arrogância, preso em seu Círculo Vicioso Infernal, em constante

movimentomassemchegaralugaralgum.

Asutilartedeligarofoda-se

Quando se fala em ligar o foda-se, as pessoas imaginam que seja uma serena

indiferença em relação a tudo, uma calmaria capaz de anular todas as

tempestades. Elas se imaginam e desejam ser pessoas que não se abalam com

nadaenãosesubmetemaninguém.

Existeumnomeparapessoasquenãosentemnemveemsignificadoemnada:

psicopatas.Nãofaçoideiaporquealguémiriaquererserumdeles.

Então,senãoéisso,oqueéligarofoda-se?Vamosavaliartrês“sutilezas”que

ajudarãoaesclareceressaquestão.

Sutileza no1: Ligar o foda-se não significa ser invulnerável, mas se

sentirconfortávelcomavulnerabilidade.

Quefiqueclaro:nãoexisteabsolutamentenadaadmirávelnaindiferença,nãoé

umaquestãodeautoconfiança.Pessoas indiferentes são fracas emedrosas. São

parasitas preguiçosos ou trolls da internet.

,

para que chegassem a esse

patamar.

Em algum momento, acabamos com medo de falhar, instintivamente

evitandoinovarousófazeraquiloemquesomosmuitobons.

Isso é limitador e sufocante. Só podemos atingir a excelência em algo se

estivermosdispostosafalhar.Sevocêserecusaacorrerorisco,nãoestádisposto

aserbem-sucedido.

Grandepartedomedodofracassosurgeporcontadevalorespessoaismuito

ruins.Porexemplo,seeuavaliaramimmesmopeloparâmetro“seramadopor

todomundo”,aansiedadeécerta,umavezquedependerei cemporcentodos

outros.Nãoestareinocontrole.Assim,meuvalorestaráàmercêdojulgamento

deterceiros.

Se, em contrapartida, eu decidir adotar o parâmetro “ter uma vida social

melhor”,possosatisfazero idealde“manterboasrelações” independentemente

dareaçãodosoutros.Meuvalorprópriovaidependerdomeucomportamentoe

minhafelicidade.

Valores escrotos, como expliquei no capítulo 4, são aqueles que envolvem

objetivos externos, fora do nosso controle. Buscá-los provoca alto grau de

ansiedade.E,mesmoqueconsigamosalcançá-los, ficamosvaziose inertes:não

hámaisproblemasaresolver.

Valores melhores, como vimos, são focados no processo. Algo como

“honestidade ao se expressar”— um parâmetro a ser adotado em virtude do

valor “honestidade”— nunca termina; é um problema que precisa ser revisto

sempre.Todanova interação social e todonovo relacionamento trazemnovos

desafiosenovasoportunidadesparaseexpressarcomsinceridade.Esse tipode

valoréumprocessocontínuoevitalício.

Seseuparâmetroparaovalor“sucessopelospadrõescomuns”é“casaprópria

ecarrobom”evocêpassavinteanostrabalhandoparaconseguir isso,nãoterá

maisparâmetrosa seguiarquandoatingirameta.Eaí ébomdizeralôparaa

crisedameia-idade,porqueoproblemaqueomotivouavidatodalhefoitirado.

Daíemdiante,nãohaverácomocontinuarcrescendoemelhorando—sóqueé

ocrescimentoquegerafelicidade,nãoumalongalistadeconquistasarbitrárias.

Nesse sentido, os objetivos convencionalmente adotados— fazer faculdade,

comprar uma casa de praia, perder dez quilos — oferecem uma quantidade

limitadadefelicidade.Elespodemserúteisquandobuscamosbenefíciosrápidos

e de curto prazo,mas são uma droga como guias para uma trajetória de vida

numsentidomaisamplo.

Picassofoiprolíficoportodaavida.Viveumaisdenoventaanosecontinuou

a produzir praticamente até morrer. Se seu objetivo fosse “ficar famoso”,

“enriquecercomarte”ou“alcançaramarcademilquadros”,eleteriaestagnado

emalgummomento.Teria sidodominadopelaansiedadeoupela insegurança.

Provavelmentenãoteriaseaprimoradoeinovadoemsuaarte,comofezdécada

apósdécada.

OsucessodePicassoéexplicadopelamesmacoisaqueexplicaporqueele,já

velho,gostavadedesenharemguardanaposquandosentadosozinhonumcafé.

Seuvalordevidaprincipalerasimples,humildeeinterminável:“meexpressarde

formahonesta”.Porissoaqueleguardanapoeratãovalioso.

Dorfazpartedoprocesso

Na década de 1950, um psicólogo polonês chamado Kazimierz Dabrowski

estudouossobreviventesdaSegundaGuerraMundialeseusdiferentesmodosde

lidarcomasexperiênciastraumáticasquetinhamvividonaguerra.Ocenárioem

questãoeraaPolônia,entãopode imaginarunseventosbemterríveis.Aquelas

pessoashaviamsofridooutestemunhadofome,bombardeiosquetransformaram

cidadesemruínas,oHolocausto,torturadeprisioneirosdeguerra,estuproe/ou

assassinatodeparentes—senãopelosnazistas,pelossoviéticos,anosdepois.

Nesse estudo, Dabrowski notou algo surpreendente. Uma porcentagem

consideráveldossobreviventesacreditavaque,apesardedolorosaetraumática,a

guerra os tinha tornado pessoas melhores, mais responsáveis e, sim, até mais

felizes. Muitos se descreviam no pré-guerra como pessoas diferentes: sem

gratidão pelos entes queridos, preguiçosos, consumidos por problemas

insignificantes,julgando-semaismerecedoresdetudo.Apósaguerra,sentiam-se

maisconfiantes,maissegurosdesi,maisagradecidosenãosedeixavamabalar

portrivialidadesepequenosaborrecimentosdocotidiano.

Tudoaquilotinhasidohorrível,élógico,enenhumadaquelaspessoasestava

feliz por ter passado pelas tragédias da guerra. Muitos ainda sofriam com as

cicatrizesemocionais.Alguns,noentanto, tinhamconseguidocanalizá-laspara

umatransformaçãopessoalpositivaepoderosa.

E eles não estão sozinhos nessa inversão. Para muitas pessoas, as maiores

realizaçõesdecorremdasmaioresadversidades.Emgeral,nossosofrimentonos

tornamais fortes,mais resistentes,mais equilibrados.Muitos sobreviventes do

câncer, por exemplo, dizem se sentir mais fortes e gratos depois de vencer a

batalha pela vida. Muitos militares relatam uma resistência mental obtida ao

toleraroambientedeumazonadeconflito.

Dabrowskiargumentaquenemsempreomedo,aansiedadeea tristezasão

estados de espírito indesejáveis ou inúteis. Pelo contrário: com frequência

representamadornecessáriaaoamadurecimento.Negaressadorénegarnosso

potencial.Assimcomoadormuscularénecessáriaparafortalecerocorpo,ador

emocionaléimprescindívelsequisermosdesenvolverresistênciaemocional,um

sensomaisagudodeidentidade,maiscompaixãoe,emúltimainstância,teruma

vidamelhor.

Em perspectiva, as mudanças pessoais mais radicais acontecem depois das

piores experiências. Só em face a uma dor intensa nos dispomos a reavaliar

nossos valores e examinar suas falhas. Precisamos de algum tipo de crise

existencial para analisar de forma objetiva a fonte do significado que damos à

vida,esódepoisconsiderarumamudançadecurso.

Qualquerumpodechamarissode“fundodopoço”ou“criseexistencial”.Eu

prefirochamarde“tempestadedemerda”.Escolhaoqueacharmelhor.

Etalvezvocêestejadiantedessecenárionesteexatomomento.Talvezesteja

saindo agora mesmo do desafio mais importante da sua vida e se sinta

desnorteado porque tudo que considerava verdadeiro, normal e bom se

transformounooposto.

Issoébom—éopontodepartida.Repetindo:adorfazpartedoprocesso.É

importantesenti-la.Porquesevocêsócorreatrásdeeuforiasotempotodopara

encobrirador,deleita-seemarrogânciaeempensamentospositivosdelirantes,

continua abusando de substâncias químicas ou exagerando a frequência de

determinadasatividades,nuncaterámotivaçãoparamudar.

Quandoeuerajovem,semprequeminhafamíliacompravaumvideocassete

ouaparelhodesomnovo,euapertavatodososbotõesetiravaerecolocavatodos

osfiosecabossóparaveroquecadapartefazia.Comotempo,aprendicomoo

sistematodofuncionava.E,comoeusabiatodaamecânica,normalmenteerao

únicodacasaadefatousarosaparelhos.

Comoaconteceucommuitosmillennials,meuspaisachavamqueeuerauma

espéciedeprodígio.Ofatodeeuconseguirprogramarovideocassetesemolhar

omanualdeinstruçõesmetornavaareencarnaçãodeNikolaTesla.

Éfácilolharparaageraçãodosmeuspaiserirdatecnofobiaqueosacomete.

Hoje,quantomaisavançonavidaadulta,melhorperceboquecadaumagede

formasemelhanteemalgumasáreasdavida—sentamos,olhamos,balançamosa

cabeçaedizemos“Mascomo?”,quandoaverdadeémuitosimples.

Otempotodoeureceboe-mailscomperguntasnesseestilo.Pormuitosanos,

eunãosoubeoqueresponder.

Teveocasodagarotacujospaisimigranteseconomizaramavidainteirapara

queelapudesseestudarmedicina.Jánafaculdade,elaodiou,descobriuquenão

queriasermédicaeoquemaisqueriaerairemboradali.Maselasesentia

,

presa.

Tanto que enviou um e-mail para um desconhecido na internet (no caso, eu)

com uma pergunta boba e óbvia: “Como faço para largar a faculdade de

medicina?”

Teve também um cara apaixonado por sua orientadora na faculdade. Ele

sofriaacadasuspiro,acadarisada,acadasorrisodela,acadabrechanaconversa

quelhespermitissesairdeassuntosacadêmicosecontarcasosdescontraídos.Ele

me enviou por e-mail um arquivo de vinte e oito páginas contando toda essa

novelaeconcluíacomapergunta:“Comoeuachamoparasair?”Eaindaamãe

solteira cujos filhos terminaram a faculdade e agora ficamo dia todo em casa

coçandoosaco,comendoacomidadela,gastandoodinheirodela,semrespeitar

oespaçonemodesejodeprivacidadedela.Essamulherquerqueelestoquema

vida.Elaquerseguircomaprópriavida,masmorredemedodeafastarosfilhos,

porissomeperguntapore-mail:“Comoeupeçoqueelessaiamdecasa?”

São perguntas videocassete. Para quem está de fora, a resposta é simples:

respirafundoesejoga.

Paraquemestána situação,daperspectivadecadaumadessaspessoas, são

perguntas extremamente complexas — charadas existenciais embrulhadas em

desafioslógicosejogadasnumbaldecheiodecubosmágicos.

Dúvidas videocassete são engraçadas, porque a resposta é difícil para quem

estácomadúvidaefacílimaparatodoorestodomundo.

Oproblemaéador.Preencherapapeladanecessáriaparaabandonarocurso

demedicina é uma açãodireta e óbvia; lidar comodesapontamentodospais,

não.Convidaraorientadoraparasairésimples,bastaumafrase;assumirorisco

de intenso constrangimento e rejeição émuitomais complicado. Pedir que as

pessoasarranjemumacasaparamoraréumcaminhoobjetivo; sentirqueestá

abandonandoosfilhosébemdiferente.

Eu lutei contra a ansiedade social ao longo da maior parte da minha

adolescência e juventude. Passava os dias jogando videogame e as noites

sufocando a inquietude com álcool e cigarro.Durantemuitos anos, achei que

fosseimpossívelfalarcomumdesconhecido—aindamaisseessedesconhecido

fossemuitobonitooumuitointeressanteoumuitopopularoumuitointeligente.

Foramanosdemesmiceeestupor,repetindoasmesmasperguntasvideocassete:

Como?Comoéqueeusimplesmentevouláefalocomalguém?Comoaspessoas

fazemisso?

Eumantinhatodotipodecrençaequivocadasobreoassunto,comoaideiade

que era proibido puxar assunto com alguém a menos que houvesse algum

motivo real para isso, oude que asmulheresme veriam comoum estuprador

simplesmenteseeudissesseum“oi”.

Oproblemaresidiaemdeixarminhasemoçõesdefiniremarealidade.Como

eusentiaqueaspessoasnãoqueriamfalarcomigo,passeiaacreditarnisso.Daí

veiominhaperguntavideocassete: “Comoéqueeu simplesmentevou láe falo

comalguém?”

Pornãoconseguirseparar sentimentoderealidade, euera incapazdemudar

minhaperspectivaeveromundocomoumlugarondeduaspessoaspodemse

aproximaraqualquermomentoeconversar.

Diante de algum tipo de dor, raiva ou tristeza,muita gente larga tudo e se

concentra em entorpecer o sentimento ruim. O objetivo é voltar a “se sentir

bem”omais rápidopossível,mesmoquepara isso precise usar algum tipode

droga,seiludirouretomarvaloresescrotos.

Aprendaasuportaradorquevocêescolheu.Aoescolherumnovovalor,você

tambémestáoptandoporintroduzirumnovotipodedoremsuavida.Portanto,

aproveite-a.Experimente-a.Receba-adebraçosabertos.Depois,continueagindo

apesardaexistênciadessador.

Nãovoumentir:nocomeçovaisermuitodifícilevocêvaisesentirperdido,

semsaberoquefazer.Masjáfalamossobreisso,não?Vocêrealmentenãosabe.

Nãosabenada.Mesmoquandoachaquesabe,naverdadevocênãofazamenor

ideiadoqueestáacontecendo.Então,convenhamos,oqueháaperder?

Avidaseresumeanãosabernadaeagirmesmoassim.Tudonavidasegue

essadinâmicainalterável.Issonãomudanunca.Mesmoquandovocêestáfeliz,

mesmo quando está vomitando arco-íris. Mesmo se você ganhar na loteria e

comprarumapequenafrotadejetskis,asensaçãodenãoteramenorideiado

queestáfazendopermanecerá.Nuncaesqueçaisso.Enunca,jamais,tenhamedo

disso.

Oprincípiodo“Façaalgumacoisa”

Em2008,depoisdememanternumempregoporincríveisseissemanas,larguei

devezessaideiaeresolvifazeralgumacoisanainternet.Naépoca,eunãotinhaa

menorideiadoqueestavafazendo,masconcluíque,seeraparacontinuarpobre

einfeliz,aomenosseriatrabalhandoparamimmesmo.Aomesmotempo,eusó

me importavacommulheres.Então, ligueio foda-seecrieiumblogpara falar

sobreasdoideirasdaminhavidaamorosa.

Logonaprimeiramanhãemqueacordeicomomeuprópriopatrãooterror

meconsumiu.Sentadodiantedolaptop,pelaprimeiravezmedeicontadeque

eu era totalmente responsável por todas asminhas decisões, assim como pelas

consequências. Cabia a mim o webdesign, o marketing, a otimização de

mecanismosdebuscaeoutrosassuntosobscuros.Estavatudonasminhascostas.

Tomeiaatitudequequalquerpessoadevinteequatroanosqueacaboudelargar

oempregoenãotemamenorideiadoqueestáfazendotomaria:baixeialguns

jogosefugidotrabalhocomoquemfogedovírusEbola.

Conforme as semanas se passavam eminha conta bancáriamergulhava no

vermelho, foi ficandoclaroque euprecisavapensar emalgumaestratégiapara

meforçaratrabalharasdozeoucatorzehoraspordianecessáriasparafazerum

empreendimentodecolar.Oplanoveiodeumlugarinesperado.

Umprofessordematemáticaquetivenoensinomédio,sr.Packwood,dizia:

“Se você está empacado num problema, não fique parado pensando; comece.

Mesmo que não saiba o que está fazendo, o simples ato de entrar em ação e

tentarsolucionaroproblemavaiacabarfazendoas ideiascertasapareceremna

suacabeça.”

Nos primórdios daquela rotina de trabalho autônomo— quando o esforço

eradiário,eunãotinhaumcaminhodefinidoaseguireestavaapavoradocomos

resultados (ou a ausência deles) —, o conselho do sr. Packwood começou a

acenarparamimládofundodaminhamente.Ressoavacomoummantra.

Nãofiqueaíparado.Façaalgumacoisa.Asrespostasvirãonocaminho.

Ao aplicar o conselho do sr. Packwood, aprendi uma grande lição sobre

motivação.Leveiunsoitoanosparaabsorvê-laporcompleto,masoquedescobri

durante aquele longo e exaustivo período de lançamentos fracassados de

produtos,textosdeaconselhamentorisíveis,noitesdesconfortáveisnosmesmos

sofásde amigos, rombosna contabancária e centenasdemilharesdepalavras

escritas(amaiorianãolida),talvezestatenhasidoacoisamaisimportanteque

aprendinavida:

Aaçãonãoéapenasconsequênciadamotivação;étambémacausa.

Amaioriadaspessoassóagequandosesentemotivadaemcertonível,esó

nos sentimos motivados quando temos inspiração emocional suficiente.

Presumimosqueessespassosocorremnumaespéciedereaçãoemcadeia:

Inspiraçãoemocional→Motivação→Açãodesejada

Sevocêquerrealizaralgumacoisaenãosesentemotivadoouinspirado,você

achaquejáera,ferrou.Nãohánadaquepossafazer.Oimpulsoparasairdosofá

eagirsóacontecediantedealgumgrandeeventoemocional.

Aquestãoéqueamotivaçãonão seestruturanumacadeiade trêspartes, e

simnummoto-contínuo:

Ações levam a novas reações emocionais e, portanto, novas doses de

inspiração, que por sua vez motivam ações futuras. Com base nessa ideia,

podemosremodelarnossaconcepçãodaseguintemaneira:

Ação→Inspiração→Motivação

Se você não estámotivado para

,

realizar determinadamudança importante,

faça alguma coisa, qualquer coisa. Depois, aproveite o efeito da ação como

combustívelparasemotivar.

Eu chamo isso de princípio do Faça Alguma Coisa. Depois de usá-lo para

realizarmeu projeto, comecei a ensiná-lo para os leitores queme procuravam

com suas dúvidas videocassete: “Como faço para me candidatar a esse

emprego?”,ou“Comodigoaessecaraqueestouafimdele?”ecoisasdotipo.

Trabalheisozinhonosprimeirosanos.Semanasinteirassepassavamsemuma

produçãosólida,simplesmenteporqueeumesentiaansiosoeestressadocomo

queprecisava fazereera fácildemaisadiar tudo.Mas logoaprendique,aome

forçar a fazeralgumacoisa,mesmo amais insignificante das tarefas, as tarefas

maiorespareciammuitomaisfáceis.Seeuprecisavareconstruirositeinteiro,era

sóme forçar a sentar e dizer amimmesmo: “Ok, vou só refazer o cabeçalho

agora.” Depois do cabeçalho pronto, eu naturalmente passava para outras

pendências.Atéque,quandomedavaconta,estavaenvolvidocomotrabalhoe

cheiodeenergia.

TimFerriss, tambémeleautorprolífico,contaumahistóriaqueouviucerta

vez sobre um escritor com setenta livros publicados até então. Alguém

perguntouao sujeito comoele conseguia semanter inspirado emotivadopara

escrevertanto.Elerespondeu:“Duzentaspalavrasruinspordia,sóisso.”Aideia

eraque,aoseforçaraescreverduzentaspalavrasdojeitoquefosse,certamenteo

puroatodeescreveroinspiraria,e,quandovia,eletinhamilharesdepalavras.

Se seguirmos o princípio do Faça Alguma Coisa, o peso do fracasso é

reduzido.Quandooparâmetrodesucessoémeramenteaação—quando todo

resultado possível é considerado um progresso e tem seu valor, quando a

inspiração é vista como uma recompensa e não um pré-requisito —, somos

impulsionados à frente. Nos sentimos livres para fracassar, e até mesmo o

fracassonosmovimenta.

O princípio do Faça Alguma Coisa não apenas ajuda a superar a

procrastinaçãocomocontribuiparaaincorporaçãodenovosvalores.Seestáno

meio de uma tempestade existencial e nada faz sentido — se todos os seus

mecanismosdeautoavaliaçãoodeixaramnamãoevocênãosabeoqueesperar,

se sabe que tem feito mal a si mesmo perseguindo sonhos falsos ou que sua

autoavaliaçãopoderiaalcançarumparâmetromelhorquevocêdesconhece—,a

respostaéamesma:

Façaalgumacoisa.

Podeseramenoraçãoviávelnomomento.Podeserqualquercoisa.

Você reconhece que foi um escroto arrogante em todos os seus

relacionamentos e quer desenvolver mais compaixão? Faça alguma coisa.

Comececomalgosimples,comoouviroproblemadealguémedoarumpouco

do seu tempo para ajudar essa pessoa. Uma vez basta. Ou comprometa-se a

reconheceremsimesmoaraizdosseusproblemasnapróximavezemqueficar

chateado.Apenasexperimenteaideiaevejacomosesente.

Geralmente, issobastacomoempurrãozinhoparaaboladenevecomeçara

rolar, como inspiração para se motivar a seguir em frente. Qualquer pessoa,

inclusivevocê,pode ser suaprópria fontede inspiraçãoemotivação.Agir está

sempre ao alcance. E, se você adotar o fazer alguma coisa como parâmetro de

sucesso...Bem,nessecaso,atéofracassovailhedarumnovoimpulso.

8

Aimportânciadedizernão

Em 2009, vendi tudo que eu tinha, devolvi o apartamento alugado em que

morava e fui para a América Latina. Àquela altura, meu humilde blog de

conselhos amorosos vinha recebendo uma quantidade razoável de visitas e eu

ganhavaumdinheirinhomodestovendendolivrosdigitaisecursoson-line.Meu

plano era passar alguns anos morando no exterior, tendo contato com novas

culturas e aproveitandoobaixo custodevida empaísesdaÁsia edaAmérica

Latinaparainvestireimpulsionarmeunegócio.Eraosonhodonômadedigital,

e, sendoumaventureirodevinte e cincoanos, exatamenteoqueeuqueriada

vida.

Vale observar que, apesar de a ideia soar sedutora e ousada, nem todos os

valoresquemeatraíramparaesseestilodevidanômadeeramsaudáveis.Alguns

eram admiráveis — sede de ver o mundo, curiosidade por povos e culturas

diferentes,espíritoaventureiroàmodaantiga—,mastambémexistiaumpouco

de vergonha sob tudo aquilo.Na época, eumal notava,mas, se fosse honesto

comigomesmo,sabiaquehaviaumvalorerradoàespreita.Nãoenxergava,mas

emmomentos de tranquilidade, se me permitisse ser completamente sincero,

tinhaumasensação.

Junto com a arrogância dos vinte e poucos anos, as coisas “traumatizantes

paracacete”daminha juventude tinhammedeixadocomváriosproblemasde

comprometimento.Eupassaraosúltimosanoscompensandoainadequaçãoea

ansiedade social da adolescência. Como resultado, me sentia capaz de me

aproximar de quem eu quisesse, ser amigo de quem eu quisesse, conquistar

qualquermulher, transar comquem eu bem entendesse— então, por queme

comprometercomumasópessoa,oumesmocomumúnicogruposocial,uma

únicacidade,umsópaísoucultura?Seeupodiavivertudo,eraoqueeudeveria

fazer,certo?

Armadocomessegrandiososensodeconexãocomomundo,fiqueisaltando

de país em país, cruzando oceanos, continentes, em um jogo de amarelinha

global que durou mais de cinco anos. Visitei cinquenta e cinco nações, fiz

dezenasdeamigosemevinosbraçosdeváriasmulheres—todasrapidamente

substituíveis,algumasapagadasdamemóriajánovooparaopaísseguinte.

Eraumavidaestranha, repletadeexperiências fantásticasqueescancararam

meushorizontes,cheiadeeuforiassuperficiais,perfeitasparaadormecerminha

dor subjacente.Eu tinha a sensaçãode estar vivendoummomentoque era ao

mesmotempomuitoprofundoemuitovazio.Ainda tenho,aliás.Algumasdas

maiores liçõesqueaprendinavidaealgunsdosmomentosquemaisdefiniram

meucaráteraconteceramduranteesseperíodonaestrada.Poroutrolado,alguns

dosmeusmaioresdesperdíciosdetempoeenergiatambém.

MoroemNovaYorkatualmente.Tenhoumacasamobiliada,contasnomeu

nomeeumaesposa.Nadadissoémuitoglamourosoouempolgante.Eeugosto

quesejaassim.Depoisdetantosanosintensos,amaiorliçãoquetireidaminha

aventurafoiquealiberdadeabsoluta,porsisó,nãosignificanada.

A liberdadenosdáaoportunidadedeencontrarumsignificadomaior,mas

ela em si não temnecessariamentenadade significativo.No fimdas contas, a

únicamaneiradeencontrar significadoepropósitoé rejeitaralternativas,num

processo que constitui um estreitamento da liberdade, ao escolher formar

vínculos e assumir compromissos com um lugar, uma crença ou (ai!) uma

pessoa.

Essapercepçãomeocorreulentamente,durantemeusanosdeviagem.Como

acontececomamaioriadosexcessosquecometemos, épreciso seafogarneles

para perceber que não nos fazem feliz. Foi assim comigo. Enquanto eu me

afogava no meu quinquagésimo terceiro, quinquagésimo quarto e

quinquagésimo quinto países, comecei a entender que, de todas aquelas

experiências empolgantes e incríveis, poucas teriam algum significado

duradouro. Enquanto meus amigos nos Estados Unidos estavam se casando,

comprando casas e dedicando seu tempo a empresas interessantes ou causas

políticas,euflutuavadeumaeuforiaaoutra.

Em2011,fuiaSãoPetersburgo,naRússia.Acomidaeraumadroga.Oclima

estavaumadroga.(Neveemmaio?Estavamdesacanagemcomaminhacara?)

Meu apartamento na cidade era uma droga. Nada deu certo. Tudo eramuito

caro.Aspessoaseramgrosseirasetinhamumcheiro

,

estranho.Ninguémsorriae

todo mundo bebia demais. Mas eu adorei. Foi uma das minhas viagens

preferidas.

A cultura russa tem uma aspereza que costuma desagradar os ocidentais.

Ficamparatrásasfalsassimpatiaseascortesiasverbais.Ninguémalisorripara

desconhecidos nem finge gostar de alguma coisa por educação. Na Rússia, se

alguma coisa é ridícula, você diz que é ridícula. Se alguém está sendo babaca,

vocêdizqueestá sendobabaca.Sevocêgostadealguéme se sentemuito feliz

quandoestácomessapessoa,vocêdizaelaquegostamuitodelaequesesente

muitofelizquandoestácomela.Mesmoqueapessoaemquestãosejaumamigo,

umestranhooualguémquevocêconheceuhácincominutosnarua.

Na primeira semana, achei tudo isso muito desconfortável. Fui tomar café

comumagarotarussa,etrêsminutosdepoisdenossentarmoselameolhoude

umjeitoestranhoefalouqueoqueeutinhaacabadodedizereraumaidiotice.

Quaseengasguei.Nãohavianenhumtraçodeagressividadeemsuavoz;elafalou

comoquemcontaumfatotrivial—oclimanaquelediaouquantoelacalçava—,

masmesmo assim fiquei chocado. Afinal de contas, noOcidente esse tipo de

franqueza é considerado altamente ofensivo, sobretudo vindo de alguém que

vocêacaboudeconhecer.Mastodosagiamassim.Todomundopareciagrosseiro

o tempo todo, e, como resultado, minha mente ocidental mimada se sentia

atacadaportodososlados.Insegurançasresistentescomeçaramaviràtonaem

situaçõesemquenãoapareciamhaviaanos.

Fuimeacostumandoàfranquezacomopassardassemanas,bemcomoaosol

dameia-noiteeàvodcaquedesciacomoáguagelada.Depoiscomeceiaapreciá-

la pelo que realmente era: expressão pura. Honestidade no sentido mais

verdadeiro da palavra. Comunicação sem cláusulas de condições, sem

parcialidadevelada,semsegundasintenções,semdesesperoporagradar.

Apósanosdeviagem,foiali,nolugarmenosamericanodetodos,queconheci

uma liberdade nova: poder dizer o que eu pensava e sentia, sem medo da

repercussão.Aceitara rejeiçãoeraumaestranha formade libertação.E,por ter

desejadoaexpressãodiretaduranteamaiorpartedavida—primeiroporcausa

de um ambiente familiar cheio de repressão emocional e, depois, pela falsa

segurançaquepasseiademonstrardeummodoconstruídometiculosamente—,

eume embriaguei naquilo como se fosse amelhor vodca já produzida.Omês

que passei em São Petersburgo passou voando, e no final eu não queria ir

embora.

Viajar éuma ferramenta fantásticadedesenvolvimentopessoal, porquenos

afastadosvaloresdanossaculturaedemonstraqueoutrasociedadepodeviver

comvaloresdiferenteseaindafuncionarsemseodiar.Essaexposiçãoavalorese

parâmetrosdiferentesnos faz reexaminaroquepareceóbvio e considerarque

nossa forma de viver pode não ser necessariamente a melhor. Nesse caso, a

Rússiamefezreexaminarafalsacomunicaçãocalcadaemsimpatia,tãocomum

na cultura ocidental, emeperguntar se issonãonos deixamais inseguros nas

nossasrelaçõesemenosaptosàintimidade.

Eumelembrodeterdiscutidoessadinâmicacommeuprofessorderussoum

dia,eelemecontouuma teoria interessante.Vivendosoboregimecomunista

por tantas gerações, com poucas oportunidades econômicas e imersa numa

atmosferademedo, a sociedade russadescobriu que amoedamais valiosa é a

confiança. E, para criar confiança, é preciso sinceridade— isto é, se as coisas

estão uma merda, você diz isso abertamente e sem se desculpar. Essas

desagradáveisdemonstraçõesdehonestidadeeramrecompensadaspelosimples

fatodeseremnecessáriasparaasobrevivência:aspessoasprecisavamsaberem

quempodiamounãoconfiar,eprecisavamsaberrápido.

Enquantoisso,noOcidente“livre”,continuoumeuprofessorderusso,havia

uma abundância de oportunidades econômicas— tantas que se tornoumuito

maisvalioso secomportardamaneiraX,mesmoque fosse falsa,doque serde

fato damaneira X. A confiança perdeu o valor. As aparências e o carisma se

tornaramformasdeexpressãomaisvantajosas.Conhecermuitagentedeforma

superficialvaliamaisapenadoqueconhecerpoucagentecomintimidade.

Éporissoquenasculturasocidentaispassamosaseguiranormadesorrire

dizercoisaseducadas,mesmoquandonãoestamoscomvontade,alémdecontar

mentirinhas bobas e fingir concordarmesmo quando discordamos. É por isso

queaspessoasaprendemafingirquesãoamigasdegentedequemnãogostam,a

comprarprodutosquenãodesejam.Osistemaeconômicopromoveessafarsa.

Adesvantageméque,noOcidente,vocênuncasabesepodeconfiarnapessoa

comquemestáfalando,eissoaconteceatéentreamigosíntimosouparentes.No

Ocidente, a pressão para ser agradável é tão forte que muitas vezes

reconfiguramos nossa personalidade inteira para se adequar melhor ao

interlocutor.

Rejeiçãofazbem

Como extensão da nossa cultura positivista/consumista,muitas pessoas foram

“doutrinadas” na crença de que devem tentar concordar e aceitar o máximo

possível.Esteéumdospilaresdemuitosdos livrosquepregamopensamento

positivo:abra-separaasoportunidades,aceite,digasimatudoeatodos,eporaí

vai.

Masalgumacoisaagentetemquerejeitar.Docontrário,nãosomosnada.Se

umacoisanãoformelhoroumaisdesejáveldoqueoutra,somosvaziosenossa

vida não tem sentido. Deixamos de ter valores e, portanto, vivemos sem

propósito.

Evitar rejeitar e ser rejeitadoéuma ideiavendida comoumamaneirade se

sentir melhor. Evitar a rejeição proporciona um prazer breve, mas nos deixa

desorientadosporumbomtempo.

Para realmente apreciar algo, é preciso se limitar.Há umnível de alegria e

significadoquesópodeseralcançadodepoisdedécadasinvestindoemumúnico

relacionamento,umaúnicahabilidade,umaúnicacarreira.Éimpossívelalcançar

taiscoisassemrejeitarasalternativas.

Oatodeescolherumvalorimplicarejeitaroutros.Seeuescolhotornarmeu

casamento a coisamais importante daminha vida, estou também escolhendo

não considerar importanteorgias regadas a cocaína. Se escolhome julgar com

base na minha capacidade de ter amizades honestas e tolerantes, ao mesmo

tempo estou rejeitando falar mal dos meus amigos pelas costas. São decisões

saudáveis,masmesmoestastrazemembutidaalgumarejeição.

A questão é a seguinte: todomundo precisa se importar com alguma coisa

paravalorizar alguma coisa.E, para valorizar alguma coisa, precisamos rejeitar

seuoposto.ParavalorizarX,precisamosrejeitaronãoX.

Essa rejeição é uma parte inerente e necessária damanutenção dos nossos

valorese,portanto,danossa identidade.Somosdefinidospeloqueescolhemos

rejeitar.Esenãorejeitamosnada(talvezpormedodenosrejeitarem),nãotemos

identidade.

Odesejodeevitararejeiçãoatodocusto,deevitaroconfrontoeoconflito,o

desejodetentaraceitartudoigualmenteedetornartudocoerenteeharmônico,

éuma formaprofundae sutildearrogância.Pessoasquepensamassimacham

quemerecem se sentir bem o tempo todo, aceitando tudo porque rejeitar algo

pode causar desconforto a elas mesmas ou a outra pessoa. E como elas se

recusamarejeitarqualquercoisa,levamumavidasemvalores,egoístaevoltada

paraoprazer.Tudoqueimportaaessesindivíduosésustentaressaeuforiamais

um pouco, evitar os fracassos inevitáveis da vida, fingir que não existe

sofrimento.

Saber dizer “não” é crucial.Ninguémquer ficar preso num relacionamento

infeliz.Ninguémquerficarpresonumempregoruim,fazendo

,

umtrabalhoem

quenãoacredita.Ninguémquersesentirimpedidodesersincero.

Masagenteescolheessascoisas.Otempotodo.

Ahonestidade éumdesejonaturaldahumanidade,masumde seus efeitos

colateraisénosobrigaraouviredizer“não”.Dessemodo,arejeiçãoaprimora

nossosrelacionamentosetornaavidaemocionalmaissaudável.

Limites

Era uma vez dois jovens, um garoto e uma garota. A família de um odiava a

famíliadeoutro.Umdia,ogarotoentroudepenetranuma festade famíliada

garota,porqueeleerameiobabaca.Quandoviuogaroto,agarotasentiuqueos

anjoscantavamumamelodiamuitodoceparasuaspartesíntimaseseapaixonou

porelenahora.Semmaisnemmenos.Então,eleseesgueirouparaojardimda

casadelaealiosdoisdecidiramsecasarnodiaseguinte,porque,claro,issoéuma

ótima decisão, ainda mais quando seus pais querem assassinar seus futuros

sogros.Avancemos algunsdias.As famílias descobremo casamento e têmum

chilique.Mercúciomorre.Agarotaficatãochateadaquetomaumapoçãopara

dormirpordoisdias.Mas,infelizmente,ojovemcasalaindanãotinhaaprendido

asmanhasdeumaboacomunicaçãoconjugal,eajovemsimplesmenteesquece

decontarquefezissoaomarido.Entãoojovemconfundeocomadaesposacom

suicídio,perdecompletamentealinhaesemata,achandoquevaificarcomela

no alémou coisa assim.Mas aí ela acordado coma e, quandodescobrequeo

maridosesuicidou,resolvesematartambém.Fim.

Hojeemdia,RomeueJulietaésinônimode“romance”nanossacultura,visto

comoagrandehistóriadeamornaculturadelínguainglesa,umidealemocional

a igualar.Mas, se prestarmos atenção ao que acontece na história, vemos que

aquelesgarotosestavamsurtados.Provadissoéquesemataram.

Muitos estudiosos suspeitamque Shakespeare tenha escritoRomeu e Julieta

nãocomoumahistóriaquecelebrariaoromance,mascomosátira,comoforma

demostrarqueoamoréinsano.Elenãoqueriaqueapeçafosseumaglorificação

doamor.Apeçaé justamenteocontrário:umagrandeplacadeneonpiscando

MANTENHADISTÂNCIAecercadaporumafitadapolíciaavisandoNÃOULTRAPASSE.

Duranteamaiorpartedahistóriadahumanidade,oamorromânticonãofoi

celebradocomoéhojeemdia.Naverdade,atémeadosdoséculoXIX,eravisto

como um impedimento psicológico desnecessário e potencialmente perigoso

para as coisas realmente importantes da vida — cuidar bem da fazenda, por

exemplo,e/ousecasarcomumcaraquetivesseummontedeovelhas.Emgeral,

os jovens eram afastados à força de suas paixões românticas em favor de

casamentosque lhes trouxessemvantagenseconômicaspráticas,quepudessem

proporcionarestabilidadetantoparaocasalquantoparaasfamílias.

Hoje, no entanto, todo mundo se derrete por esse amor ensandecido. Ele

predomina em nossa cultura. E quanto mais dramático, melhor — seja Ben

Affleck tentando destruir um asteroide e salvar a Terra para impressionar a

garotaqueama,MelGibsonassassinandocentenasdeinglesesetendofantasias

com sua esposa estuprada e assassinada enquanto está sendo torturado até a

morte,ouaquelaelfaqueabremãodaimortalidadeparaficarcomAragornem

Osenhordosanéis, alémdecomédias românticas idiotasemque JimmyFallon

desiste de assistir à final do Red Sox porque Drew Barrymore tem, tipo,

necessidadesoualgoassim.

Seessetipodeamorromânticofossecocaína,todosseríamos,emtermosde

cultura,TonyMontana,deScarface:enterrandoacaranumamontanhadeamor

românticoegritando:Sayhellotomylittlefriend!

Estamosdescobrindoqueoamorromânticoémesmo equivalenteacocaína.

Sério, é assustadoramente parecido. Ambos estimulam exatamente asmesmas

partesdocérebro,deixamousuárioeufóricoesesentindobemporumtempo,

mascriamamesmaquantidadedeproblemasquesolucionam.Iguaizinhos.

A maioria dos elementos que buscamos no amor romântico — exibições

dramáticas e desconcertantes de afeto, altos e baixos turbulentos — não são

demonstraçõesgenuínasesaudáveisdeamor.Muitasvezesnãopassamdemais

umaformadearrogância,sóquenessecasosemanifestandonorelacionamento.

Eu sei, estou dando uma de estraga-prazeres. Sério, que tipo de pessoa fala

maldoamorromântico?Masprestasóatenção:

Existem formas saudáveis e formas não saudáveis de amar. O amor não

saudável é o que une duas pessoas que estão usando aquele sentimento como

meiodeescapardeseusproblemas,ouseja,umusaooutrocomofuga.Oamor

saudável é o que une duas pessoas capazes de reconhecer e enfrentar seus

problemascomoapoioumdooutro.

Duas coisas diferenciam uma relação saudável de uma não saudável: 1) se

ambos sabemaceitar responsabilidades e2) se estãodispostosa rejeitarumao

outroeserrejeitadosumpelooutro.

Emqualquerrelaçãoinsalubreoutóxica,emambososladoshaveráumsenso

deresponsabilidadefracoeumaincapacidadederejeitareserrejeitado.Emuma

relaçãosaudável,haverálimitesclarosentreasduaspessoaseseusvalores,além

deumaaberturapararejeitareserrejeitadoquandonecessário.

Por “limites”, entenda-se a distinção da responsabilidade pelos problemas

individuais. Pessoas em um relacionamento saudável, com limites fortes,

assumirãoaresponsabilidadeporseusprópriosvaloreseproblemasenãopelos

doparceiro.Pessoasemumarelaçãotóxica,comlimites fracosouinexistentes,

sempre evitarão a responsabilidade por seus problemas e/ou assumirão a

responsabilidadepelosdoparceiro.

Comoidentificarlimitesfracos?Eisalgunsexemplos:

“Vocênãopodesaircomseusamigossemmim.Vocêsabequeeuficocom

ciúme.Fiqueemcasacomigo.”

“Meuscolegasdetrabalhosãounsidiotas;sempremefazemchegaratrasado

parareuniõesporqueprecisoficarexplicandocomodevemfazeropróprio

trabalho.”

“Não acredito que você me fez de idiota para minha irmã. Nunca mais

discordedemimnafrentedela!”

“EuadorariaaceitaresseempregoemMilwaukee,masminhamãenuncame

perdoariaseeufossemorartãolonge.”

“Agentepodenamorar,mas seráquevocêpodenãocomentarnadacoma

minhaamiga?ÉqueaCindyficamuitoinseguraquandoestounamorando

eela,não.”

Nessescenários,apessoaestáassumindoaresponsabilidadeporproblemase

emoçõesquenão sãodela, ou exigindoque alguémassumaa responsabilidade

porseusproblemaseemoções.

Em geral, pessoas arrogantes caem em uma dessas duas armadilhas nos

relacionamentos:ouesperamqueoutrosassumamaresponsabilidadepelosseus

problemas — “Eu queria passar um fim de semana relaxante em casa. Você

deveria saber e cancelar seusplanos”—,ouassumemresponsabilidadedemais

pelosproblemasdosoutros—“Elafoidemitidadenovo,masdevetersidoculpa

minha, porque não dei o apoio que ela precisava. Vou ajudá-la a atualizar o

currículoamanhã.”

Pessoasarrogantesadotamessasestratégiasnosrelacionamentos,assimcomo

em relação a tudo o mais, a fim de evitar a responsabilidade pelos próprios

problemas.Comoresultado, têmrelacionamentos frágeis e superficiais,porque

evitam a dor em vez de promover uma verdadeira apreciação e adoração do

parceiro.

A propósito, isso não vale só para relacionamentos românticos, serve

tambémpararelacionamentosfamiliareseamizades.Umamãedominadora,por

exemplo,assumearesponsabilidadeportodososproblemasquesurgemnavida

dos filhos. A arrogância dela incentiva a arrogância nos filhos, que crescem

acreditandoqueoutraspessoasdevemseresponsabilizarpelosproblemasdeles.

(É por isso que os problemas de relacionamento de um casal são

,

assustadoramente semelhantes aos problemas de relacionamento dos pais de

cadaparceiro.)

Quando a responsabilidade por suas emoções e ações está indefinida —

quandonãoestáclaroqueméresponsávelpeloquê,queméculpadodequê,por

que você está fazendo o que está fazendo —, você nunca desenvolve valores

fortesparasimesmo.Seuúnicovalorsetornafazeroparceirofeliz.Ouseuúnico

valorsetornaesperarqueoparceiroofaçafeliz.

Isso é autodestrutivo, é claro. E os relacionamentos com essa característica

costumam despencar como o Hindenburg, com todo o drama a que se tem

direito,fogosdeartifícioetudo.

Ninguémpoderesolverosseusproblemasparavocê.Enemdeveriamtentar,

porque isso não vai fazê-lo feliz. Da mesma forma, você não pode resolver

problemas alheios, porque isso não vai ajudar a fazê-los felizes. Um

relacionamento não saudável é quando duas pessoas tentam resolver os

problemasumdooutroparasesentirbemconsigomesmas.Umrelacionamento

saudável é aquele em que cada um resolve seus problemas para se sentir bem

comooutro.

Definir limitesadequadosnãosignificaquevocênãopodeajudarouapoiar

seu parceiro ou receber ajuda e apoio. Os dois devem se apoiarmutuamente.

Mas que seja por escolha própria, não por se sentirem obrigados a isso ou no

direitodeexigir.

Pessoasarrogantesqueculpamosoutrospelossentimentosruinsepeloque

fazemdeerradoagemassimporacreditarqueopapeldevítimavaiemalgum

momentoatrairalguémparasalvá-las,eassimelasreceberãooamorquesempre

desejaram.

Pessoasarrogantesqueassumemaculpapeloqueooutrosentederuimeo

queooutrofazdeerradoagemassimporacreditarque,ao“consertar”e“salvar”

oparceiro,receberãooamoreoreconhecimentoquesempredesejaram.

Essessãooyineoyangdequalquerrelaçãotóxica:avítimaeosalvador,oque

causa incêndios porque se sente importante fazendo isso e o que apaga os

incêndiosporquesesenteimportantefazendoisso.

Esses dois tipos de pessoas são atraídos fortemente um para o outro e

geralmente acabam juntos. Suas patologias combinam à perfeição. Em geral,

esses indivíduos têm pais que também apresentam uma dessas características.

Dessemodo,seumodelodeumrelacionamento“feliz”ébaseadoemarrogância

elimitesfracos.

Infelizmente, nenhumdos dois consegue satisfazer as necessidades reais do

outro.Naverdade,opadrãoexageradodeculpaeaceitaçãodaculpaqueosdois

adotamperpetuaaarrogânciaeosvaloresrasos,oque,porsuavez,osimpedede

ter suas necessidades satisfeitas. A vítima cria cada vez mais problemas para

seremresolvidos—nãoporquesurjamnovosproblemasreais,masporqueassim

ela ganha atenção e afeto. E o salvador só resolve e resolve sem parar— não

porque realmente se importe com os problemas, mas porque acredita que

fazendo isso vai ganhar atenção e afeto. Ambos os comportamentos têm

motivações egoístas e condicionais e, portanto, são autossabotagem. Nesses

cenários,poucosevivenciaoamorgenuíno.

Se a vítima amassemesmo o salvador, diria: “Olha, este problema émeu e

vocênãoprecisa resolvê-loparamim.Sóprecisoquevocêmeapoie enquanto

vou resolvendo.” Essa seria uma verdadeira demonstração de amor: assumir a

responsabilidadepelosprópriosproblemasenãojogararesponsabilidadeparao

parceiro.

Se o salvador realmente quisesse salvar a vítima, diria: “Olha, você está

culpando os outros pelos seus problemas. Você é quem deve resolvê-los.” E,

embora pareça estranho, essa seria uma verdadeira declaração de amor. Seria

ajudaralguémaseresolver.

Em vez disso, porém, vítimas e salvadores usam um ao outro para obter

euforiasemocionais.Écomoumvícioquesatisfazemmutuamente.Oirônicoé

que, quando se deparam com parceiros emocionalmente saudáveis, em geral

essesindivíduossesentementediadosoualegamnãoter“química”.Odescarte

de indivíduos emocionalmente saudáveis e seguros se dá porque os limites

sólidos desses parceiros não são “empolgantes” o suficiente para estimular

constanteseuforiasnapessoaarrogante.

Para as vítimas, a coisa mais difícil de se fazer neste mundo é se

responsabilizarpor seusproblemas.Elaspassaramavida todaacreditandoque

seu destino está nas mãos dos outros. O primeiro passo para assumir a

responsabilidadeporsimesmaséapavorante.

Para os salvadores, a coisamais difícil de se fazer nestemundo é parar de

tomarproblemasalheiosparasi.Elespassaramavidatodasendovalorizadose

amados quando ajudavam alguém, e abrir mão dessa necessidade de ser

recompensadosporboasaçõestambéméassustador.

Sevocê fazumsacrifíciopor alguémdequemgosta, issodeve ser feitopor

vontadeprópria,nãoporobrigaçãoouportemerasconsequênciasdenãofazê-

lo.Seseuparceirofazumsacrifícioemseunome,quesejaumgestoaltruísta,e

não porque vocêmanipulou o sacrifício pormeio de raiva ou culpa. Atos de

amorsósãoválidosselivresdecondiçõesouexpectativas.

Pode ser difícil reconhecer a diferença entre fazer algo por obrigação ou

voluntariamente.Então,eisumtesteparaosalvador.Pergunteasimesmo:“Se

eume recusasse a fazer esse gesto, o quemudaria no nosso relacionamento?”

Para a vítima, a pergunta seria: “Semeuparceiro se recusasse a fazer algopor

mim,oquemudarianonossorelacionamento?”

Se a resposta é que a recusa causaria uma explosão de drama e pratos

quebrados, émau sinal. Isso sugere que seu relacionamento é condicional, ou

seja, baseado em uma troca de benefícios superficiais, não em uma aceitação

incondicionalmútua(oqueincluiaceitarosproblemasumdooutro).

Pessoascomlimitesfortesnãotêmmedodechiliques,discussõesoutristeza.

Pessoascomlimitesfracosmorremdemedodessascoisasesempremoldarãoo

próprio comportamentopara se adequar aos altos ebaixosdamontanha-russa

emocionaldorelacionamento.

Pessoas com limites fortes entendem que não é razoável esperar que duas

pessoascedamcemporcentoesatisfaçamtodasasnecessidadesumadaoutra.

Pessoascomlimitesfortesentendemqueàsvezespodemferirossentimentosde

alguém,masque,nofimdascontas,nãopodemdeterminarcomoosoutrosse

sentem.Pessoascom limites fortes entendemqueumrelacionamento saudável

nãosebaseiaemumcontrolarasemoçõesdooutro,masemumapoiarooutro

emseucrescimentoindividualenaresoluçãodeseusprópriosproblemas.

Nãosetratadeseimportarcomtudoqueimportaparaseuparceiro,esimde

seimportarcomseuparceiro.Issoéamorincondicional,queridos.

Comoconstruirconfiança

Minha esposa é daquelas que ficam uma eternidade na frente do espelho. Ela

adoraficarlinda,eeutambémadoroqueelafiquelinda(éclaro).

Antes de sairmos à noite, ela emerge do banheiro depois de uma sessão de

umahorademaquiagem/cabelo/roupasetudoomaisqueasmulheresfazemlá

dentro, emepergunta se está bonita. Emgeral, está deslumbrante.De vez em

quando,não.Talvez tenha tentado fazeralgonovonocabelooudecididousar

uma bota que algum designer de moda escandaloso de Milão achou

vanguardista.Sejaqualforomotivo,algumascoisasnãofuncionam.

Quandodigoisso,elaficairritada.Voltaparaoclosetouparaobanheiropara

refazertudoenosatrasarmaismeiahora,soltandoummontedepalavrõeseàs

vezesatédirecionaalgunsparamim.

O estereótipo masculino nessas situações é mentir para deixar a

namorada/esposa feliz. Mas eu não faço isso. Por

,

quê? Porque, no meu

relacionamento,honestidadeémaisimportantedoquemesentirbemotempo

todo.Aúltimapessoacomquemeudeveriaterquecensurarminhasopiniõeséa

mulherqueeuamo.

Porsorte,soucasadocomumapessoaqueconcordacomissoeestádispostaa

ouvir o que penso sem censura. Ela também chama atenção para as minhas

babaquices, é claro, umdos traçosmais importantes que elame oferece como

parceira.Meuegoé feridoàs vezes?Sim.Eu reclamoe tentoargumentar,mas

algumashorasdepoisvoltoamuadoeadmitoqueelaestavacerta.E,cara,essa

mulhermetornaumapessoamelhor,mesmoquenahoraeuodeieouviroque

elatemadizer.

Quando a nossa maior prioridade é nos sentirmos bem o tempo todo, ou

semprefazercomqueonossoparceirosesintabem,nofimdascontasninguém

sesentebem.Earelaçãodesmoronasemninguémperceber.

Semconflito,nãopodehaverconfiança.Elesexistemparanosmostrarquem

estáaonosso lado incondicionalmenteequemsóquerosbenefícios.Ninguém

confiaemalguémquesódizsim.SeoPandadaDesilusãoestivesseaqui,elediria

queadordosnossosrelacionamentosénecessáriaparaconsolidaraconfiançae

produzirumaintimidademaior.

Para que um relacionamento seja saudável, ambas as partes devem estar

dispostasesercapazesdedizereouvirnão.Semessanegação,semessaocasional

rejeição,oslimitessequebrameosproblemasevaloresdeumdominamosdo

outro.Portanto,oconflitonãosóénormalcomoabsolutamentenecessárioparaa

manutençãodeumarelaçãosaudável.Seduaspessoaspróximasnãoconseguem

demonstrar suas diferenças de forma aberta e franca, a relação é baseada em

manipulaçãoedistorçãoelogosetornarátóxica.

A confiança é o ingrediente mais importante em um relacionamento, pela

simplesrazãodequesemelaorelacionamentonãosignificanada.Umapessoa

podedizerqueamavocê,quequer ficarcomvocê,que largaria tudoporvocê,

mas se você não confia nela, não se beneficia dessas declarações.Você não se

sente verdadeiramente amado até confiar que esse amor não virá com alguma

condiçãoespecialnembagagemagregada.

Esseéofatormaisdestrutivonatraição.Nãoésóosexo,masaconfiançaque

foi destruída com ele. Sem confiança, o relacionamento não tem mais como

funcionar.Nessepontoéprecisoreconstruí-laoudizeradeus.

Sempre receboe-mailsdegenteque foi traídapelapessoaamada,masquer

continuarcomoparceiroeestáseperguntandocomovoltaraconfiarnele.Sem

confiança,dizemessaspessoas,orelacionamentocomeçouaparecerumfardo,

umaameaçaquedevesermonitoradaequestionada,enãodesfrutada.

Oproblemaéqueamaioriadaspessoasqueépegatraindopededesculpa,usa

o famoso “isso nuncamais vai acontecer” e pronto. É como se órgãos sexuais

estivessem sempre se chocando por acidente. Muitos traídos aceitam essa

resposta logo de cara e não questionam os valores e o que realmente importa

paraseuparceiro;nãoseperguntamseessesfatoresfazemvalerapenaficarcom

ele. Estão tão preocupadas emmanter o relacionamento que não reconhecem

queelesetornouumburaconegroqueconsomeseuamor-próprio.

Seaspessoastraeméporquealgoalémdorelacionamentoémaisimportante

paraelas.Podeseropoderqueexercemsobreosoutros.Podeseranecessidade

deauto-afirmaçãoatravésdosexo.Podeseraentregaaosprópriosimpulsos.Seja

oquefor,éevidentequeosvaloresdequemtrainãoestãoalinhadosdeformaa

sustentarumrelacionamentosaudável.Seotraidornãoadmiteouaceitaisso,se

só dá a velha resposta “não sei o que eu tinha na cabeça”, ele não tem a

autoconsciêncianecessáriapararesolverqualquerproblemadorelacionamento.

Os traidores precisam, portanto, começar a descascar a cebola da

autoconsciência e descobrir quais valores escrotos os levaram a quebrar a

confiança do relacionamento (e se realmente ainda valorizam essa relação).

Precisamsercapazesdedizer:“Eusouegoísta.Eumepreocupomaiscomigodo

que com o meu parceiro; para ser sincero, eu nem respeito muito esse

relacionamento.”Seostraidoresnãoconseguemexpressarseusvaloresdemerda

emostrarqueossuperaram,nãohámotivoparaacreditarquesãoconfiáveis.E

senãosãoconfiáveis,orelacionamentonãovaimelhorarnemmudar.

Outro fatorqueajudaarecuperaraconfiançaébemprático:ohistórico.Se

alguémtrai,aspalavrasquediránasequênciasoarãoagradáveis;masépreciso

enxergar se há um histórico consistente de melhoria no comportamento. Só

então é possível ter certeza de que os valores do traidor estão alinhados

corretamenteequeelerealmentemudará.

Infelizmente,construirumhistóricodeconfiançalevatempo—semdúvida

muito mais que o necessário para quebrá-la. Durante esse período de

reconstruçãodaconfiançaéprovávelqueascoisasfiquemumamerda.Ambasas

partesdevemestarconscientesdabatalhaqueestãoescolhendoencarar.

Eu usei o exemplo da traição em um relacionamento romântico, mas esse

processo se aplica a violações emqualquer relação. Só é possível reconstruir a

confiança se as duas etapas seguintes acontecerem: 1) quem traiu admite os

valoresverdadeirosquecausaramarupturaeosassume,e2)quemtraiuconstrói

um histórico sólido de comportamento melhor ao longo do tempo. Sem o

primeiropasso,nãodevenemhaverumatentativadereconciliação.

A confiança é como um prato de porcelana.Uma vez quebrado, é possível

reconstruí-lo, com algum cuidado e atenção.Duas vezes quebrado, partirá em

maiscacoseconsertá-lolevarámuitomaistempo.Seaoutrapessoacontinuara

quebrá-lo, em algum momento será impossível restaurá-lo. Haverá cacos e

poeirademais.

Aliberdadeatravésdocompromisso

Aculturaconsumista sabemuitobemnos fazerquerermais,mais emais. Sob

todoohypeemarketingestáasugestãodequemaisésempremelhor.Euaceitei

essa ideiadurantemuitos anos.Ganhemaisdinheiro, visitemaispaíses, tenha

maisexperiências,fiquecommaismulheres.

Masnemsempremaisémelhor.Naverdade,oopostoéverdadeiro.Emgeral

ficamos mais felizes com menos. Quando somos sobrecarregados por

oportunidadeseopções,sofremosoqueospsicólogoschamamdeparadoxoda

escolha. Basicamente, quanto mais variáveis, menos satisfeitos ficamos com o

queescolhemos,porquetemosconsciênciadequeperdemosváriasopções.

Então,sevocêescolherumentredois lugaresparamorar,provavelmentese

sentiráconfortáveleconfiantedequefezaescolhacerta.Ficarásatisfeitocoma

suadecisão.

Massetiverumlequedevinteeoitoopçõeseescolheruma,oparadoxoda

escolha diz que provavelmente você passará anos sofrendo e duvidando de si

mesmo, se perguntando se tomou a decisão “correta”, e se está mesmo

maximizandoasuafelicidade.Eessaansiedade,essedesejoporcerteza,perfeição

esucessotraráinfelicidade.

Então,comoagimos?Bem,sevocêforcomoeucostumavaser,evitaescolher

qualquer coisa. Tenta manter suas opções em aberto o máximo de tempo

possível.Evitasecomprometer.

Masemborainvestirprofundamenteemumapessoa,umlugar,umemprego

ouumaatividadepossanosnegaraamplitudedeexperiênciasquegostaríamos,

buscarumaamplitudedeexperiênciasnosnegaaoportunidadedevivenciaras

recompensasdasexperiênciasmaisprofundas.Existemalgumasexperiênciasque

vocêsópodeterdepoisdemorarnomesmolugarporcincoanos,deficarcoma

mesma pessoa por mais de uma década, de passar metade da vida fazendo o

mesmo trabalho. Agora que já passei dos trinta, finalmente reconheço que o

comprometimento, à

,

sua maneira, oferece uma gama muito rica de

oportunidades e experiências que nunca estariam disponíveis para mim, não

importaaondeeufosseouoquefizesse.

Quando você tenta ter uma amplitude muito grande de experiências, o

retornoécadavezmenoracadanovaaventura,acadanovapessoaoucoisa.Se

você nunca saiu do seu país, o primeiro país que visita inspira uma imensa

mudança de perspectiva, porque você tem uma base de experiências muito

pequena.Masquandojáesteveemvinte,ovigésimoprimeiroacrescentapouco.

E quando esteve em cinquenta, o quinquagésimo primeiro adiciona ainda

menos.

Omesmovaleparaosbensmateriais,dinheiro,hobbies,empregos,amigose

parceirosromânticos/sexuais—todosvaloresruinsesuperficiaisqueaspessoas

escolhem para si mesmas. Quanto mais velhos ficamos, mais experiência

obtemosemenoscadanovaexperiêncianosafeta.Aprimeiravezemquebebi

emumafestafoiempolgante.Acentésimafoidivertida.Aquingentésimafoisó

umfimdesemananormal.Eamilésimafoichataesemimportância.

Pessoalmente, a grande questão para mim ao longo dos últimos anos foi

minhacapacidadedeaceitarocomprometimento.Escolhi rejeitar tudo,menos

as melhores pessoas, experiências e valores da minha vida. Eliminei todos os

outros projetos profissionais paralelos e decidi me concentrar apenas em

escrever.Desde então,meu site se tornoumaispopulardoque eu jamais teria

imaginado.Eumecomprometiaficarcomumasómulheralongoprazoe,para

aminhasurpresa,acheiissomaisrecompensadorquequalquerumdoscasinhos,

encontrosenoitesdesexocasualquetivenopassado.Assumiumcompromisso

com uma única cidade e passei a cuidarmelhor dasminhas poucas amizades

importantes,genuínasesaudáveis.

Comissodescobrialgoimprovável:existeumaliberdadeeumalibertaçãono

compromisso. Encontrei mais oportunidades e aspectos positivos ao rejeitar

alternativasedistraçõesefavoreceroquemeimportadeverdade.

Ocompromisso libertaporquedeixamosde lado asdistrações comoque é

insignificanteefrívolo.Libertaporquefocanossaatenção,nosdirecionandoao

queémaiseficienteemnos tornar saudáveise felizes.Ocompromisso tornaa

tomadadedecisõesmaisfácileeliminaomedodesairperdendo;sabendoqueo

quevocêjátemébomosuficiente,porqueseestressarbuscandomais,maise

mais? O comprometimento permite que nos concentremos em objetivos

importanteseobtenhamosmaissucessodoqueseriapossívelsemele.

Arejeiçãodasalternativasnosliberta—abrimosmãodaconstantebuscada

amplitude sem profundidade e do que não se alinha aos nossos valores mais

importanteseàsmedidasqueescolhemos.

Sim, é provável que a amplitude de experiências seja necessária e desejável

quandosomosjovens—afinal,precisamosexploraromundoedescobrirnoque

valeapenainvestir.Masaprofundidadeéondeoverdadeirotesouroestá.Para

trazê-loàtonaéprecisocavarfundoeassumirumcompromissocomoquequer

queseja.Issovalepararelacionamentos,carreiraeparaaconstruçãodeumbom

estilodevida—valeparatudo.

9

…Eaívocêmorre

“Busqueaverdadeporsimesmo,eteencontrolá.”

FoiaúltimacoisaqueJoshmedisse.Elefaloucomironia,tentandoparecer

profundo enquanto zombava das pessoas que faziam isso a sério. Ele estava

bêbadoechapado.Eeleeraumbomamigo.

Omomentomais transformadordaminhavidaaconteceuquandoeu tinha

dezenove anos. Josh,meu amigo, tinhame levado a uma festa emum lago ao

norte deDallas, Texas.Havia um condomínio com piscina ao pé da colina, e

depoisdapiscina,umpenhascoencimandoo lago.Eraumpenhascomodesto,

devia terunsdezmetros—altoo suficientepara fazervocêpensarduasvezes

antesdepular,masbaixoobastanteparaacombinaçãocertadeálcoolepressão

dosamigosdissiparessadúvida.

Logo depois de chegar à festa, eu e Josh nos sentamos na beira da piscina,

bebendo cerveja e conversando como garotos revoltados fazem. Falamos de

bebida, garotas e de todas as coisas legais que Josh tinha feito naquele verão

depoisdelargaraescolademúsica.Falamosdetocarjuntosemumabandaede

nosmudarmosparaNovaYork—umsonhoimpossívelnaépoca.

Éramosgarotos.

—Dáparapulardali?—pergunteidepoisdeum tempo,apontandocoma

cabeçaparaopenhascodolago.

—Dá—disseJosh.—Aspessoassemprefazemisso.

—Vocêvaipular?

Eledeudeombros.

—Talvez.Vamosver.

Maistarde,nosseparamosnafesta.Eutinhamedistraídocomumaasiática

lindaquegostavadevideogames,oqueparamim,adolescentenerd,eraquase

comoganharnaloteria.Elanãoestavainteressadaemmim,maseralegaleme

deixoufalar,entãofoiissoqueeufiz.Depoisdealgumascervejas,reunicoragem

paraconvidá-laparairatéacasacomigoecomeralgumacoisa.Elaaceitou.

Nós subimos a colina e esbarramos com Josh, que vinha descendo. Eu

pergunteiseelequeriacomer,maselerecusou.Pergunteiondeeleestavaindo.

—Busqueaverdadeporsimesmo,eteencontrolá!—disseele,sorrindo.

Euassentiefizumacaraséria.

—Ok,tevejolá—respondi,comosetodomundosoubesseexatamenteonde

averdadeestavaecomochegaratéela.

Rindo,Joshfoidescendoacolinaemdireçãoaopenhasco.Euriecontinuei

subindoparacasa.

Nãoseiquantotempofiqueiládentro.Sólembroque,quandoagarotaeeu

saímos, todomundo tinha sumido e havia sirenes. A piscina estava vazia. As

pessoasdesciamacolinacorrendoemdireçãoàmargemsobopenhasco.Muita

gentejáestavapertodaágua.Vialgunscarasnadando.Estavaescuroeeradifícil

enxergar.Amúsicacontinuavatocando,masninguémprestavaatenção.

Ainda sem entender o que tinha acontecido, eu corri para a margem,

comendomeusanduíche,curiosoparasaberoquetodomundoestavaolhando.

—Achoqueaconteceualgumatragédia—disseaasiáticabonita,nametade

docaminho.

Quandochegueiaopédacolina,pergunteiporJosh.Ninguémfaloucomigo

ounotouminhapresença.Todomundoolhavaparaaágua.Pergunteidenovo,e

umagarotacomeçouachorardescontroladamente.

Foiquandoafichacaiu.

Osmergulhadores levaramtrêshorasparaencontrarocorpodeleno fundo

dolago.Maistarde,aautópsiarevelariaqueeleteveumacãibranaspernaspor

causadadesidrataçãocausadapeloálcool,assimcomopeloimpactodosaltode

cimadopenhasco.EstavaescuroquandoJoshpulou,aáguasefundindoànoite,

pretosobrepreto.Ninguémconseguiuidentificardeondevinhamosgritospor

socorro. Sódavaparaouvirumbarulho.Apenas sons.Temposdepois,ospais

delemecontaramqueJoshnadavamuitomal.Eunãofaziaideia.

Leveidozehorasparamepermitirchorar.Estavanocarro,voltandoparacasa

emAustinnamanhãseguinte.Telefoneiparameupaiedissequeaindaestava

perto de Dallas e que ia faltar ao trabalho. (Eu estava trabalhando para ele

naqueleverão.)

—Porquê?—perguntouele.—Oqueaconteceu?Estátudobem?

Efoiaíquecomeçou:ochoro.Urros,gritosemucoescorrendo.Pareiocarro

noacostamento,agarreiocelularechoreicomoummenininhochoranocolodo

pai.

Entrei em depressão profunda naquele verão. Eu achava que já estivera

deprimido antes, mas aquele era um nível completamente novo de falta de

significado — uma tristeza tão profunda que causava dor física. As pessoas

vinham me visitar na esperança de animar a situação, mas eu simplesmente

ficavalásentadoeasouvia,dizendoefazendotodasascoisascertas.Agradecia

portudo,dizendoquetinhasidomuitolegaldapartedelasteremvindo,fingia

um sorriso,mentia e dizia que estavamelhorando,mas por dentro

,

não sentia

nada.

Durantealgunsmeses,eusonheicomJosh.Nessessonhos,eueeletínhamos

longasconversassobreavidaeamorte,etambémsobrecoisasaleatóriasinúteis.

Atéaquelepontodaminhavida,eutinhasidoumtípicogarotomaconheirode

classe média: preguiçoso, irresponsável, socialmente ansioso e profundamente

inseguro.Josh,emváriossentidos,eraalguémqueeuadmirava.Eramaisvelho,

maisconfiante,maisexperienteemais toleranteeabertoparaomundoaoseu

redor.Emumdosmeusúltimossonhoscomele,nósestávamosemumaJacuzzi

(eu sei, estranho), e faleialgodo tipo: “Sintomuitoporvocê termorrido.”Ele

riu. Não me lembro exatamente quais foram as palavras, mas ele falou algo

como:“Porquevocêseimportaporeutermorridoseaindatemtantomedode

viver?”Acordeichorando.

Euestavasentadonosofádaminhamãenaqueleverão,olhandoparaonada,

contemplando o interminável e incompreensível vazio onde antes ficava a

amizade com Josh, quando tive a chocante percepção de que, se não havia

motivo para fazer qualquer coisa, também não havia motivo para não fazer.

Percebiqueem faceda inevitabilidadedamortenãoexistemotivoalgumpara

cederaomedo,aoconstrangimentoouàvergonha,jáquetudoissonãopassade

ummontedenadas.Aopassaramaiorpartedaminhacurtavidaevitandooque

eradolorosoedesconfortável,eutinhaessencialmenteevitadoestarvivo.

Naqueleverão, largueiamaconha,oscigarroseosvideogames.Deixeipara

trásasfantasiasidiotasdeserumastrodorock,abandoneiaescolademúsicae

mecandidateiaalgumasuniversidades.Comeceiamalhareemagrecimuito.Fiz

novosamigos.Comeceianamorar.Pelaprimeiraveznavidaeuestudavaparaas

aulas, notando, surpreso, que conseguia tirar boas notas seme esforçasse. No

verão seguinte, me desafiei a ler cinquenta livros de não ficção em cinquenta

dias, e consegui. No ano seguinte, pedi transferência para uma excelente

universidadedooutroladodopaís,ondemedestaqueipelaprimeiravez,tanto

acadêmicaquantosocialmente.

A morte de Josh marca o ponto antes/depois mais claro que consigo

identificarnaminhavida.Antesdessaperdaeuerainibido,nãotinhaambição,

estavasempreobcecadoecontroladopeloqueimaginavaqueomundopensava

demim.Depoisda tragédia,me torneiumanovapessoa: responsável, curioso,

trabalhador. Eu ainda tinha minhas inseguranças e trazia comigo bagagem

emocional—comotodos—,maspasseialigarparaalgomaisimportantedoque

as minhas inseguranças e meu passado. E isso fez toda a diferença. Por mais

estranho que pareça, foi amorte de outra pessoa queme deu permissão para

finalmenteviver.Etalvezopiormomentodaminhavidatambémtenhasidoo

maistransformador.

Amorteassusta.Éporissoqueevitamospensarnela,falardela,àsvezesaté

reconhecê-la,mesmoquandoacontececomalguémpróximo.

Sóque,deumamaneirabizarraeinvertida,amorteéaluzpelaqualasombra

detodoosignificadodavidaémensurada.Semamorte,nadateriaimportância,

todas as experiências seriam arbitrárias, todas as medidas e valores seriam

reduzidosazeronuminstante.

Algoalémdenós

ErnestBeckereraumacadêmicomarginalizado.Em1960,obteveseuPh.D.em

antropologia; sua tese de doutorado comparou as práticas estranhas e pouco

convencionaisdozen-budismoedapsicanálise.Naépoca,obudismoeravisto

como algo para hippies e viciados em drogas, e a psicanálise freudiana era

consideradaumaformacharlatãdepsicologiadaIdadedaPedra.

Emseuprimeirotrabalhocomoprofessor-assistente,Beckerlogoentroupara

umgrupoquedenunciavaapráticadapsiquiatriacomoumaformadefascismo.

Elesaviamcomoumaabordagemleigadeopressãocontraosfracoseindefesos.

OproblemaeraqueochefedeBeckererapsiquiatra.Então, foimeiocomo

entrarnoseuprimeiroempregoeorgulhosamentecompararoseuchefeaHitler.

Comovocêpodeimaginar,Beckerfoidemitido.

O jeito foi levar suas ideias radicais para onde seriam aceitas: Berkeley,

Califórnia.Masissotambémnãoduroumuito.

Porquenãoeramapenasas tendênciasdissidentesquecausavamproblemas

para Becker, mas também o seu método de ensino peculiar. Ele usava

Shakespeareparaensinarpsicologia, livrosdidáticosdepsicologiaparaensinar

antropologiaedadosantropológicosparaensinarsociologia.Elesefantasiavade

rei Lear e simulava lutas de espadas em sala de aula, fazia longos discursos

políticosquetinhampoucoavercomoplanodeaula.Seusalunosoadoravam.

Ocorpodocentesentiaooposto.Menosdeumanodepois,elefoidemitidode

novo.

Então Becker chegou à Universidade Estadual de São Francisco, onde

manteve o cargo por mais de um ano. Quando começaram os protestos

estudantis contra a Guerra do Vietnã, no entanto, a universidade convocou a

GuardaNacionaleascoisasficaramviolentas.QuandoBeckertomouopartido

dosalunosecondenoupublicamenteasaçõesdoreitor (denovoseuchefeera

umaespéciedeHitlercoisaetal),elefoimaisumavezdemitido.

Becker mudou de emprego quatro vezes em seis anos. E, antes que fosse

demitidodoquinto,tevecâncercolorretal.Oprognósticoeraruim.Elepassouos

anos seguintes na cama, com poucas chances de sobreviver. Então decidiu

escreverumlivro.Falariasobreamorte.

Beckermorreuem1974.Anegaçãodamorte ganhouoPrêmioPulitzer e se

tornou uma das obras intelectuais mais influentes do século XX, abalando os

campos da psicologia e da antropologia, aomesmo tempo fazendo profundas

afirmaçõesfilosóficasquecontinuamrelevanteshojeemdia.

Anegaçãodamortedefendedoispontos:

1.Ossereshumanossãoosúnicosanimaiscapazesdeformarconceitosepensar

sobre simesmosdemaneira abstrata.Cachorrosnão ficam sepreocupando

com a carreira. Gatos não pensam em seus erros do passado nem se

perguntam o que teria acontecido se tivessem feito algo diferente.Macacos

nãodiscutemaspossibilidadesdofuturo,assimcomopeixesnãoficamporaí

questionando se os outros peixes gostariam mais deles caso tivessem

barbatanasmaislongas.

Nós,humanos,somosabençoadoscomacapacidadedenos imaginarem

situações hipotéticas, contemplar tanto passado quanto futuro, imaginar

outras realidadesousituaçõesemqueascoisaspoderiamserdiferentes.Eé

porcausadessahabilidadementalúnica,dizBecker,quetodosnós,emalgum

momento, tomamos conhecimento da inevitabilidade da própria morte.

Comosomoscapazesde imaginarversõesalternativasdarealidade, também

somos a única espécie que consegue imaginar uma realidade da qual não

fazemosparte.

Essa percepção causa o que Becker chama de “pavor da morte”, uma

profundaansiedadeexistencialque servedebasepara tudo quepensamos e

fazemos.

2.OsegundopontodeBeckercomeçacomapremissadequetemosdois“eus”.

O primeiro é o eu físico— aquele que come, dorme, ronca e faz cocô. O

segundoéoeuconceitual—anossaidentidade,ouaformacomonosvemos.

O argumento de Becker é o seguinte: todos sabemos que o eu físico vai

acabar morrendo e que a morte é inevitável, e essa inevitabilidade — em

algumnível inconsciente—nosmatademedo.Portanto,paracompensaro

medodainevitávelperdadoeufísico, tentamosconstruirumeuconceitual,

que viverá para sempre. É por isso que as pessoas se esforçam tanto para

colocar seunomeemprédios, estátuas e lombadasde livros.Épor issoque

nos sentimos impelidos a dedicar tanto tempo aos outros, especialmente às

crianças, na esperança de que a nossa influência

,

— nosso eu conceitual—

dure muito mais que o físico; na esperança de que seremos lembrados,

reverenciados e idolatrados muito depois que o nosso eu físico deixar de

existir.

Becker chamou esses esforços de nossos “projetos de imortalidade”,

aqueles que permitem que o eu conceitual continue vivo muito depois da

nossa morte física. Toda a civilização humana, diz ele, é basicamente o

resultadodeinúmerosprojetosdeimortalidade:cidades,governos,estruturas

eautoridadesqueexistemhojejáforamprojetosdeimortalidadedemulheres

ehomensquevieramantesdenós.Sãooquerestoudeseresconceituaisque

nãomorreram.NomescomoJesus,Maomé,NapoleãoeShakespearesãotão

poderososhojequantoeramquandoessaspessoasestavamvivas,senãomais.

Eesseéoobjetivoprincipal.Sejaaodominarumaformadearte,conquistar

uma nova terra, obter riquezas ou simplesmente ter uma família grande e

amorosa que continuará a existir por gerações, todo o significado da vida

humanaémoldadoporessedesejoinatodenuncamorrer.

Religião, política, esportes, arte e inovações tecnológicas são o resultado

dos projetos de imortalidade das pessoas. Becker argumenta que guerras,

revoluçõesegenocídiosocorremquandoosprojetosde imortalidadedeum

grupo de pessoas colidem com os de outro. Séculos de opressão e o

derramamento de sangue de milhões de pessoas foram justificados como

sendoumadefesadoprojetodeimortalidadedeumgrupoemdetrimentode

outro.

Mas quando os nossos projetos de imortalidade fracassam, quando o

significado se perde, quando a perspectiva de que o nosso eu conceitual

sobrevivaaofísiconãoparecemaispossívelouprovável,opavordamorte—

essaansiedadehorríveledeprimente—volta.Issopodesercausadoporum

trauma ou por vergonha e ridicularização social. E também, como assinala

Becker,porumadoençamental.

Caso ainda não tenha percebido, nossos projetos de imortalidade são os

valores.Elessãoobarômetrodosignificadoedovalordavida.Quandoesses

valoresfalham,nóstambémfalhamos,emtermospsicológicos.OqueBecker

diz,emresumo,équeomedoimpulsionaaspessoasaseimportaremdemais,

porque se importar com alguma coisa é a única forma de se distrair da

realidadeimplacáveldamorte.Eestarpoucosefodendoparatudoéalcançar

umestadoquaseespiritualdeaceitaçãodaefemeridadedaprópriaexistência.

Nessacondiçãoémuitomenosprovávelserdominadoporvárias formasde

arrogância.

Mais tarde, em seu leito de morte, Becker teve uma percepção

surpreendente:osprojetosdeimortalidadedaspessoaseramoproblema,não

asolução;emvezdetentarimpor,muitasvezesàforça,seueuconceitualao

mundo,aspessoasdeveriamquestionaresseeuesesentirmaisàvontadecom

arealidadedamorte.Beckerchamouissode“oantídotoamargo”,etentouele

mesmoaceitá-loenquantocontemplavaopróprio fim.Emboraamorteseja

ruim,elaéinevitável.Então,nãodevemosevitaressaverdade,esimaceitá-la

damelhor formaquepudermos.Porque,quandonos sentimosconfortáveis

comofatodequevamosmorrer—oterroressencialeaansiedadesubjacente

quemotivamtodasasambiçõesfrívolasdavida—,podemosescolhernossos

valoresmaislivremente,semasrestriçõescausadasporumabuscailógicapela

imortalidade,ficandoassimliberadosdeperigosasvisõesdogmáticas.

Oladobomdamorte

Avançode pedra empedra, subindo compassos firmes, comosmúsculos das

pernas tensos e doloridos. Naquele estado de quase transe derivado de um

esforço físico lento e repetitivo, vou chegando ao topo.O céuparece grande e

profundo. Estou sozinho agora. Meus amigos estão muito abaixo de mim,

tirandofotosdomar.

Finalmente, ultrapasso uma rocha e a vista se abre. Dá para ver até o

horizonteinfinito.Écomoseeuestivessenabordadaterra,ondeaáguaencosta

nocéu,azulsobreazul.Oventosopraforteemminhapele.Euolhoparacima.É

claro.Élindo.

EstounoCabodaBoaEsperança,naÁfricadoSul,antesconsideradoaponta

meridionaldaÁfricaeopontomaisasuldomundo.Éumlugarviolento,cheio

detempestadeseáguastraiçoeiras.Umlugarqueviuséculosdetráfico,comércio

eesforçohumanos.Umlugar,ironicamente,deesperançasperdidas.

Quando dizemos que alguém está dobrando o Cabo da Boa Esperança,

ironicamenteissosignificaqueavidadessapessoaestáemsuafasefinal,queela

nãotemmaiscomorealizarnada.

Euultrapassoaspedrasemdireçãoaoazul,deixandoavastidãoengolfarmeu

campodevisão.Estousuando,massintofrio.Empolgado,masnervoso.Éisso?

O vento bate contra osmeus ouvidos.Não escuto nada,mas vejo a borda:

ondeapedraencontraonada.Paroeficoaliporuminstante,aváriosmetrosde

distância.Vejoomarláembaixo,batendoeespumandocontraospenhascosque

se estendemporquilômetrosde ambosos lados.Asmarés se chocam furiosas

contra as paredes impenetráveis. Bem à frente, a queda é de no mínimo

cinquentametrosatéaágua.

Láembaixo,àminhadireita,turistaspontilhamapaisagem,tirandofotosese

juntandoemformaçõesquasecomoumformigueiro.Àminhaesquerdaestáa

Ásia.Diantedemim,océu,eatrásestátudooquejásonheietrouxecomigo.

Eseforisso?Eseissofortudooqueexiste?

Eu olho em volta. Estou sozinho. Dou o primeiro passo em direção ao

penhasco.

O corpohumanoparece vir equipado comum radarnatural para situações

queenvolvemriscodemorte.Porexemplo,noinstanteemquevocêchegaauns

três metros da borda de um penhasco sem proteção, certa tensão começa a

percorrer seu corpo. Suas costas se enrijecem. Sua pele se arrepia. Seus olhos

ficamhiperfocadosemcadadetalhedoambiente.Parecequeseuspéssãofeitos

de pedra. É como se houvesse umgrande ímã invisível puxando seu corpode

voltaparaasegurança.

Maseulutocontraoímã.Arrastomeuspéspesadosparamaispertodaborda.

Aummetroemeiodedistância,amentesejuntaàfesta.Agoradáparaver

nãosóabordadopenhasco,masoprópriopenhasco,oqueinduztodotipode

visualizaçõesindesejadasdetropeçõesequedaedeseprecipitarparaumamorte

catastrófica.Éaltoparacacete,suamenteressalta.Tipo,altoparacacetemesmo.

Cara,oquevocêestáfazendo?Pare.Volte.

Mandomeucérebrocalarabocaecontinuoavançando.

Amenosdeummetro,seucorpoentraemalertavermelhototal.Agorabasta

umtropeçonocadarçoparadarfimàsuavida.Parecequeumarajadadevento

forte pode jogá-lo naquela eternidade azul bipartida. As pernas tremem. As

mãos.Avoz,casovocêprecisarlembrarasimesmoemaltoebomsomdeque

nãoestáapontodecairparaamorte.

A distância de um metro é o limite absoluto da maioria das pessoas. É

próximoosuficienteparaseinclinarparaafrenteeverabase,masaindalongeo

bastanteparasentirquevocênãocorrenenhumriscorealdesematar.Ficartão

pertodabordadeumpenhasco,mesmoum tão lindoe fascinante comoodo

Cabo da Boa Esperança, causa uma sensação de vertigem e de que você vai

regurgitarqualquerrefeiçãorecente.

Éisso?Issoétudoqueexiste?Jáseitudoquevousaber?

Dououtromicropasso,emaisoutro.Agorasãosessentacentímetros.

Minha perna treme quando apoia o peso do corpo. Eu me arrasto para a

frente. Contra o ímã. Contra minha mente. Contra meus instintos de

sobrevivência.

Faltamtrintacentímetros.Agoraolhodiretamenteparaa facedopenhasco.

Sintoumavontaderepentinadechorar.Meucorpoinstintivamenteseencolhe,

protegendo-se de algo imaginário e inexplicável. O vento émais forte do que

nunca.Ospensamentos

,

Na verdade, pessoas indiferentes

cultivamaindiferençaporquenãosabemligarofoda-se.Elasseimportamtanto

comoqueosoutrosachamdoseucabeloquenuncasedãoaotrabalhodelavá-

loepenteá-lo; se importam tantocomoqueaspessoaspensamde suas ideias

queseescondematrásdosarcasmoesecomportamcomoasdonasdaverdade.

Têmmedodedeixarosoutrosseaproximarem,entãoseconvencemdequesão

floquinhosdeneveespeciaiseúnicos,comproblemasqueninguémentenderia.

Pessoasindiferentestêmmedodomundoedarepercussãodesuasescolhas.É

por isso que não tomam decisões importantes. Escondem-se no apático poço

cinzentodeegocentrismoeautopiedadequecriaram,distraindo-seeternamente

dessacoisainsuportávelchamadavida,queexigetantotempoeenergia.

Porqueexisteumaverdadesecretasobreavida:é impossível ligaro foda-se

paraela.Comalgumacoisaagentetemqueseimportar.Épartedanossanatureza

seimportarcomascoisase,portanto,nãorecorreraofoda-se.

Sendo assim, a pergunta é: com o que se importar? Como escolher o que

importa?Ecomoligarofoda-separatodooresto?

Há pouco tempo, um amigo da minha mãe roubou uma boa quantia de

dinheirodela.Seeufosseindiferente,teriadadodeombros,tomadoumgoledo

meucappuccinoebaixadomaisumatemporadadeTheWire.Quepena,mãe.

Mas não; eu fiquei indignado. Fiquei furioso. Eu falei: “Vamos atrás dele e

meterumprocessonessefilhodaputa.Comoassimporquê?Quesefoda!Vou

acabarcomavidadessecaraseforpreciso.”

Essasituaçãoilustraaprimeirasutilezadofoda-se.Quandodizemos:“Nossa,

cuidado, oMarkManson está pouco se fodendo”, não estamos dizendo que o

MarkMansonnãoligaparanada.Pelocontrário:estamosdizendoqueoMark

Mansonnãoestánemaíparaosobstáculosqueoseparamdeseusobjetivos,não

quer saber se vai irritar algumas pessoas para fazer o que considera certo,

importanteounobre.EstamosfalandoqueoMarkMansonéotipodecaraque

escreve sobre si mesmo na terceira pessoa só porque quer. Ele está pouco se

fodendo.

Issoéomaisadmirável.Não,nãoeu, seu tonto—oconceitodesuperaras

adversidadeseadisposiçãodeserdiferente,excluído,umpária,tudoemnome

dos valores pessoais. A capacidade de encarar o fracasso de peito aberto. É

admirávelquemligaofoda-separaosproblemas,paraasderrotas,paraorisco

de fazer papel de bobo ou de se darmal algumas vezes.Quem ri do perigo e

segue em frente. Porque sabe que é certo. Sabe que émais importante que si

mesmo, mais importante que seus sentimentos, seu orgulho e seu ego. Essas

pessoasnãodizem“foda-se”paratudonavida,esimparatudoqueédispensável

navida.Elasguardamsuapreocupaçãoparaoquerealmenteimporta.Amigos.

Família.Objetivos.Pizza.Eumprocessojudicialdevezemquando.(Eporisso,

porelasreservaremseus“foda-se”paraoquenãoimporta,osoutrospassamase

importarcomelas.)

Porqueeisoutraverdadesecretasobreavida:nãotemcomoserimportantee

transformadorparaalgumaspessoassemserumapiadaeumconstrangimento

paraoutras.Éimpossível,porquenãoexisteausênciadeadversidade.Nãoexiste

epronto.Dizemque,aondequerquevocêvá,háumatoneladadeadversidadese

fracassos esperando.Essenãoéoproblema.A ideianãoé fugirdasmerdas.É

descobrircomqualtipodemerdavocêpreferelidar.

Sutilezano2:Sequiserligarofoda-separaasadversidades,primeiro

vocêprecisaseimportarcomalgomaisimportantequeelas.

Imaginequevocêestánosupermercadoevêumasenhorinhagritarcomocaixa,

reclamando que tinha visto um produto na promoção por trinta centavos a

menos.Porqueseimportarcomisso?Sãosótrintacentavos.

Vouexplicar:aquelasenhoranãodeve ternadamelhorpara fazercomseus

diasalémdeficaremcasacatandopromoçõesnojornal.Elaévelhaesolitária.

Osfilhossãounsescrotosquenuncaavisitam.Elanãotransahámaisdetrinta

anos. Não consegue peidar sem sentir uma dor horrorosa na lombar. Sua

aposentadoria não dá para nada, e ela provavelmente vai morrer de fralda

achandoqueestánaTerradasFadas.

Então, ela coleciona promoções. É tudo que essa senhora tem. Só ela e os

encartesdepromoções.Ésócomissoqueelaseimporta,porquenãoexistemais

nada com que se importar. Assim, quando aquele caixa entediado se recusa a

validarapromoção,quandodefendeapurezadesuacaixaregistradoracomoos

cavaleirosmedievais defendiam a virgindade das donzelas, pode apostar que a

vovóvaientraremerupção.Oitentaanosdefrustraçãovãodesmoronardeuma

vez, uma furiosa tempestade de “Na minha época” e “Ninguém mais tem

respeito”.

O problema das pessoas que se agarram a qualquer banalidade como se

daquilodependessesuamalditavidaéqueelasnãotêmmaisnadainteressante

comqueseimportar.

Se você estiver sempre dando importância demais para tudo quanto é

coisinha (a nova foto que seu ex postou, as pilhas do controle remoto que

acabaram de novo, a promoção de sabonete líquido que você perdeu), é bem

possívelque suavida estejaummarasmoe vocênão tenhanada legítimocom

queseimportar.Esseéseuverdadeiroproblema.Nãoosabonetelíquido.Nãoo

controleremoto.

Umavez,ouviumartistadizerquequandoumapessoanãotemproblemasa

menteautomaticamenteencontraumjeitodeinventaralguns.Ameuver,oque

algumas pessoas— sobretudo gente branca, culta emal-acostumada de classe

média — consideram “problemas da vida” são na verdade apenas efeitos

colateraisdenãoternadamaisimportantecomquesepreocupar.

Daí seconcluiqueencontraralgo importantee significativoparaa suavida

talvezsejaousomaisprodutivodeseutempoesuaenergia.Porque,sevocênão

encontrar algo relevante de verdade, vai se importar com causas frívolas que

mereciamumgrandefoda-se.

Sutilezano3:Percebavocêounão,estamos sempreescolhendooque

realmenteimporta.

Não nascemos com o botão do foda-se ligado. Na verdade, nascemos com o

botão funcionando ao contrário: nos importando com tudo. Nunca viu uma

criançasedescabelandodechorarporqueotênisédotomerradodeazul?Poisé.

Foda-seessacriança.

Quando somos jovens, tudo é novo e empolgante, e tudo parece

absurdamentesignificativo.Aídamosimportânciaatudo.Ligamosparatudoe

todos: o que estão falando de nós, ou se aquele garoto ou garota vai ligar, se

estamos usando meias do mesmo par, de que cor são nossos balões de

aniversário.

Conforme envelhecemos, com o benefício da experiência (e depois de ver

tanto tempo passar), começamos a notar que grande parte dessas coisas não

interfere em nada em nossa vida.Nem convivemosmais com aquelas pessoas

quetantotentávamosimpressionar.Rejeiçõesdolorosassemostrarampositivas

depois. Percebemos que mal reparam em nossos detalhes superficiais, então

decidimosnãopensardemaisneles.

Basicamente,nossadisposiçãoemocionalsetornamaisseletiva.Issosechama

maturidade.Élegal.Vocêdeveriaexperimentarqualquerdiadesses.Maturidade

éoqueacontecequandoaprendemosa só ligarparaoquevaleapena.Como

disseBunkMorelandparaoparceiro,odetetiveMcNulty,emTheWire(queeu

baixeimesmo, foda-se): “É issooquevocêganhapor se importarquandonão

estavanasuavez.”

Então, quando envelhecemos e chegamos à meia-idade, outra mudança

acontece. O nível de energia cai. A identidade se consolida. Sabemos quem

somosenosaceitamos,mesmooquenãoélámuitobacana.

E,pormaisestranhoquepareça, issoélibertador.Não

,

sãocruzadosdedireitanomeiodacara.

Atrintacentímetros,vocêsesenteflutuar.Senãoolharparabaixo,pareceque

fazpartedocéu.Aessaaltura,vocêesperacair.

Ficoaliagachadoporummomento,recuperandoofôlego,organizandomeus

pensamentos.Eume forçoaolharparaaáguabatendonaspedras láembaixo.

Entãoolhooutravezparaadireita,paraasformiguinhasandando,tirandofotos,

correndoparaônibusturísticos,pensandonachanceimprováveldequealguém

me veja. Esse desejo por atenção é completamente irracional,mas tudo o que

estou passando também é. É impossível que alguémme veja aqui em cima, é

claro. E, mesmo que não fosse, aquelas pessoas distantes não poderiam dizer

nemfazernada.

Sóouçoovento.

Éisso?

Meucorpoestremece,omedosetornaeuforiaeofuscação.Eumeconcentro

e esvazio amente, em uma espécie demeditação.Nada nos deixa presentes e

conscientes como estar a poucos centímetros damorte. Eume endireito, olho

paraafrenteoutravezemepegosorrindo.Lembroamimmesmoquemorrer

nãoéumproblema.

***

Essainteraçãointencionaleatéexuberantecomaprópriamortalidadetemraízes

antigas. Os estoicos da Grécia e da Roma antigas imploravam às pessoas que

tivessem amorte sempre emmente, de forma a apreciar a vida e permanecer

humildes diante das adversidades. Em várias formas de budismo, a prática da

meditação é ensinada como um meio de se preparar para a morte em vida.

Dissolveroegoemumgrandenada—alcançaroestadoiluminadodonirvana

—évistocomoumtesteparaapassagemaooutrolado.AtéMarkTwain,aquele

malucocabeludoquechegouefoiemboranoCometaHalley,disse:“Omedoda

mortevemdomedodavida.Umhomemqueviveplenamenteestápreparado

paramorreraqualquermomento.”

***

Devoltaaopenhasco,eumeabaixoemeinclinoparatrás.Colocoasmãosno

chãoatrásdemimemesento lentamente.Depoispassoumapernapelaborda

dopenhasco.Háumapequenaprotuberâncianalateral.Apoioopénela.Então

passoooutropépelabordaeoapoionamesmapedra.Ficoalisentadoporum

tempo,apoiadonaspalmasdasmãos,oventobagunçandoomeucabelo.Agora

aansiedadeésuportável,desdequeeupermaneçafocadonohorizonte.

Entãomeendireitoeolhooprecipíciodenovo.Omedodisparapelaminha

coluna,eletrizandobraçosepernasefazendomeucérebrofocarnascoordenadas

exatas de cada centímetro do meu corpo. Em dados momentos o medo é

sufocante.Mas,cadavezqueissoacontece,esvazioamente,concentroaatenção

no fundo do penhasco, me forço a olhar para a minha potencial morte e

simplesmentereconheçoasuaexistência.

Euestavasentadoàbeiradomundo,napontamaismeridionaldaesperança,

naportade entradaparaoOriente.Uma sensação incrível. Sinto a adrenalina

pulsar pelo meu corpo. Ficar tão quieto, tão consciente, nunca foi tão

emocionante.Escutoovento,observoomareolhoparaosconfinsdaterra—

entãorioporcausadaluz,etudoqueelatocaébom.

***

Enfrentararealidadedanossamortalidadeéimportanteporqueeliminatodosos

valoresruins,frágeisesuperficiaisdavida.Enquantoamaioriadaspessoaspassa

os dias buscando um poucomais de dinheiro, ou um poucomais de fama e

atençãoouumpoucomaisdecertezadequeestácertaouéamada,amortenos

confronta com uma questão muito mais dolorosa e importante: qual é o seu

legado?

Quemarcavocêdeixaráaopartir?Terátornadoomundodiferenteemelhor?

Qual influência terá causado?Dizemqueobaterde asasdeumaborboletana

ÁfricapodecausarumfuracãonaFlórida;poisbem,quefuracãosuapassagem

pelomundocausará?

ComoBeckerdestacou,estaéaúnicaquestãoverdadeiramenteimportanteda

vida,mas evitamos pensar nela. Primeiro, porque é difícil. Segundo, porque é

assustador.Eterceiro,porquenãosabemosoqueestamosfazendo.

E quando evitamos essa questão, deixamos valores triviais e odiosos

dominaremnossocérebroeassumiremocontroledenossosdesejoseambições.

Se não reconhecemos o olhar sempre presente da morte, o superficial parece

importante e o importante parece superficial. A morte é nossa única certeza.

Portanto, deve ser a bússola pela qual orientamos todos os nossos valores e

decisões.Amorteéarespostacertaparatodasasperguntasquedevemosfazer,

masnuncafazemos.Oúnicojeitodesesentirconfortávelcomelaésevercomo

algo maior que você mesmo; escolher valores que não servem só aos seus

interesses, valores que sejam simples, imediatos, controláveis e tolerantes ao

mundo caótico que o rodeia. Esta é a raiz da felicidade. Esteja você dando

ouvidos ao que diz Aristóteles, os psicólogos de Harvard, Jesus Cristo ou os

Beatles,todospregamqueafelicidadeadvémdamesmacoisa:seimportarcom

algomaiordoquevocê,acreditarquevocêéumcomponentequecontribuipara

umcontextomuitomaior,queasuavidanãopassadepartedoprocessodeuma

grande produção ininteligível. É para ter essa sensação que as pessoas vão à

igreja;éporissoquelutamemguerras;éporelaquecriamfamílias,economizam

aposentadorias,constroemponteseinventamcelulares:poressasensaçãofugaz

defazerpartedealgomaioremaismisteriosodoqueelas.

Aarrogânciatiraissodenós.Agravidadedessaposturaatraitodaaatenção

para dentro, para nósmesmos, fazendo parecer quenós estamos no centro de

todososproblemasdouniverso,quenós somososúnicosque sofrem todas as

injustiças,quesomosnósquemerecemosagrandeza,enãoosoutros.

Por mais atraente que seja, a arrogância nos isola. A nossa curiosidade e

empolgaçãopelomundoseviracontrasimesmaerefletenossospreconceitose

projeções em todas as pessoas que conhecemos, em todos os eventos que

vivenciamos. Isso é sexy e sedutor. Pode ser agradável por um tempo e vende

muitosingressos,maséumvenenoespiritual.

São essas dinâmicas que nos afligem hoje em dia. Estamos muito bem no

planomaterial,mastambém,deinúmerasmaneirasbaixasesuperficiais,muito

atormentados no psicológico. As pessoas renunciam a todas as

responsabilidades, exigindo que a sociedade cuide dos seus sentimentos e

sensibilidades.Aspessoasseapegamacertezasarbitráriasetentamimpô-lasaos

outros,muitasvezescomviolência,emnomedealgumacausajustaimaginária.

Eufóricasporumasensaçãodefalsasuperioridade,aspessoascaemnainérciae

naletargiapormedodetentarefracassaremalgoquevalhaapena.

A mente moderna, mimada, resultou em indivíduos que se sentem

merecedores de algo sem se esforçar, que sentem ter direito a algo sem se

sacrificar. As pessoas se declaram especialistas, empresários, inventores,

inovadoresetreinadoressemqualquerexperiênciarealdevida.Nãofazemisso

porque realmente seachammelhores que os outros; fazemporque achamque

precisam ser incríveis para serem aceitos em um mundo que só divulga o

extraordinário.

Anossaculturaatualconfundeatençãocomsucesso,presumindoquesãoa

mesmacoisa.Masnãosão.

Vocêjáéincrível,percebavocêounão.Mesmoqueosoutrosnãopercebam.

Não porque lançou um aplicativo para iPhone, terminou a faculdade um ano

antesoucomprouumbarcosensacional.Essascoisasnãodefinemagrandeza.

Vocêjáéincrívelporquemesmodiantedaconfusãoinfinitaedamortecerta,

continuaaescolhercomoqueseimportaounão.Essesimplesfato,essasimples

maneiradeescolherquaisserãoseusvaloresnavida,jáfazdevocêumindivíduo

lindo, já o torna bem-sucedido, e já o torna amado. Mesmo que você não

perceba.Mesmoqueesteja

,

dormindonasarjetaemorrendodefome.

Vocêtambémvaimorrer,massóporqueteveasortedeviver.Podenãosentir

isso agora,mas experimente ficarnabeiradeumpenhasco algumdia e talvez

consiga.

Bukowski escreveu: “Todos vamos morrer, todos nós. Que circo! Só isso

deveria nos fazer amaruns aos outros,masnão. Ficamos apavorados e somos

esmagadospelastrivialidadesdavida;somosconsumidospelonada.”

Relembro aquela noite no lago, quando vi o corpo domeu amigo Josh ser

tiradodaáguapelosparamédicos.LembroqueolheiparaanoitepretadoTexas

evimeuego sedissolver lentamentenela.Amortede Joshmeensinoumuito

maisdoquepercebiaprincípio.Sim,meajudouaaproveitarodia,aassumira

responsabilidade pelas minhas escolhas e a buscar meus sonhos com menos

vergonhaeinibição.

Masessas foramconsequênciasdeuma liçãomaisprofundae fundamental.

Que foi a seguinte: não há nada a temer. Nunca. E pensar naminha própria

morteaolongodosanos—sejaatravésdameditação,lendofilosofiaoufazendo

umaloucuracomoficarnabeiradeumpenhasconaÁfricadoSul—foiaúnica

coisaquemeajudouamanter essa liçãoemmente.Essaaceitaçãoda finitude,

essa compreensão da minha própria fragilidade tornou tudo mais fácil.

Esclarecer a origemdosmeus vícios, identificar e enfrentarminha arrogância,

aceitar a responsabilidade pelos meus problemas, vencer meus medos e

incertezas, admitirmeus fracassos e aceitar rejeições: tudo ficoumais leve por

causadaminhaclarezasobreamorte.Quantomaisolhoparaaescuridão,mais

clara a vida fica, quanto mais quieto o mundo se torna, menos resistência

inconscientesintoemrelaçãoa…tudo.

***

Fico ali sentado no Cabo por alguns minutos, absorvendo tudo. Quando

finalmente decido me levantar, coloco as mãos para trás e me arrasto.

Lentamentelevanto.Verificoochãoaoredorembuscadequalquerpedrasolta

prontaparamesabotar.Reconhecendoqueestouseguro,começoavoltarparaa

realidade—ummetro, ummetro emeio—,meu corpo vai se restaurando a

cadapasso.Meuspésficammaisleves.Deixooímãdavidamepuxar.

Quandopassoporcimadealgumaspedras,devoltaàtrilhaprincipal,ergoo

rostoevejoumhomemmeolhando.Euparoeoencaro.

—Hum.Euvivocêsentadolánaborda—dizele.

Sotaqueaustraliano.EleapontaparaaAntártica.

—É.Avistaémaravilhosa,nãoé?

Eusorrio.Ele,não.Estácomumacaraséria.

Limpo as mãos na bermuda, ainda com o corpo vibrando por causa da

entregaquetinhaacabadodevivenciar.Faz-seumsilêncioconstrangedor.

O australiano fica ali paradopor um instante, perplexo, aindameolhando.

Depoisdeummomento,eleachaaspalavras:

—Estátudobem?Comovocêestá?

Façoumapausa,aindasorrindo.

—Vivo.Muitovivo.

Oceticismodeleenfimcedeeabrecaminhoparaumsorriso.Eleassentede

leveecomeçaapercorrera trilha.Fico láemcima,olhandoavista,esperando

meusamigoschegaremaotopo.

Agradecimentos

Estelivroestavaumabagunçanoinícioeprecisavademaisqueapenasminhas

mãosparaviraralgocompreensível.

Antes de tudo, agradeço a minha brilhante e linda esposa, Fernanda, que

nuncahesitaemmedizer“não”quandomaispreciso.Alémdemetornaruma

pessoa melhor, seu amor incondicional e seu feedback constante durante o

processodeescritaforamindispensáveis.

Ameuspais,poraturaremminhaspalhaçadastodosessesanosecontinuarem

ameamarmesmoassim.Achoquesómetorneicompletamenteadultodepois

queentendiváriosconceitosdestelivro.Nessesentido,foiumaalegriaconhecer

vocês na condição de adulto nos últimos anos. Meu irmão também: nunca

duvidodoamoredorespeitomútuosqueexistementrenós,mesmoqueàsvezes

eufiquetristeporvocênãoresponderàsminhasmensagens.

APhilipKempereDrewBirnie,doiscérebros incríveisqueconspirampara

fazer o meu parecer muito melhor do que é na verdade. O empenho e a

inteligênciadevocêssempremedeixamperplexo.

AMichaelCovell,portestarmeuslimitesintelectuais,principalmentequando

oassuntoéentenderpesquisasnocampodapsicologia,eporsempreconfrontar

as minhas suposições. A meu editor, Luke Dempsey, por aprimorar minha

escrita de forma implacável e por, talvez, falar aindamais palavrões que eu.A

minha agente,MollieGlick, porme ajudar a definir o conceito do livro e por

levá-loa lugaresmuitomaisdistantesdoque imaginei.ATaylorPearson,Dan

Andrews e Jodi Ettenburg, por seu apoio durante todo o processo; vocês três

mantiveramminhasanidadeeresponsabilidade,asduasúnicascoisasdequeum

escritorprecisa.

E,finalmente,aosmilhõesdepessoasque,seja láporquê,decidiramlerum

idiotadesbocadodeBostonqueescrevesobreavidaemumblog.Aenxurradade

e-mailsquerecebidealgunsdevocês,dispostosaabriroscantosmaisíntimosda

suavidaparamim,umcompletodesconhecido,éaomesmotempoumahonrae

uma inspiração. A esta altura da vida, já passei milhares de horas lendo e

estudando esses assuntos,mas vocês continuam sendominha verdadeira fonte

deaprendizado.Obrigado.

Sobreoautor

©FernandaNeute

MARKMANSONnãotemmeandrosoumeiaspalavras.Comumestilohonesto,

divertido e incrivelmente perspicaz, ele se tornou popular escrevendo em seu

blogoqueaspessoasrealmenteprecisamouvir,poissó issofuncionaparanos

fazer evoluir pessoal e profissionalmente. O autor mora em Nova York, nos

EstadosUnidos.

markmanson.net

https://markmanson.net/

Leiatambém

Oegoéseuinimigo

RyanHoliday

Alinha

KeriSmith

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Comonãoserumbabaca

MeghanDoherty

Alucinadamentefeliz

JennyLawson

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Capa

Folha de rosto

Créditos

Mídias sociais

Sumário

CAPÍTULO 1: Nem tente

O Círculo Vicioso Infernal

A sutil arte de ligar o foda-se

Mas então, Mark, para que serve essa droga de livro, afinal?

CAPÍTULO 2: A felicidade é um problema

As desventuras do Panda da Desilusão

Felicidade é resolver problemas

Sentimentos não são tudo isso que você pensa

Escolha suas batalhas

CAPÍTULO 3: Você não é especial

Um dia a casa cai

A tirania do excepcionalismo

M-m-mas, se eu não vou ser especial nem extraordinário, qual é a graça?

CAPÍTULO 4: O valor do sofrimento

A cebola da autoconsciência

Problemas de rockstar

Valores escrotos

Definindo valores bons e ruins

CAPÍTULO 5: Você está sempre fazendo escolhas

A escolha

A falácia da responsabilidade/culpa

Reagindo à tragédia

A genética aleatória

Injustiça chique

Não existe caminho

CAPÍTULO 6: Você está errado em tudo (eu também)

Arquitetos de nossas próprias crenças

Cuidado com suas crenças

Os perigos da certeza absoluta

A Lei da Evasão de Manson

Se mate

Como ser um pouco menos seguro de si

CAPÍTULO 7: Fracassar é seguir em frente

O paradoxo do fracasso/sucesso

Dor faz parte do processo

O princípio do “Faça alguma coisa”

CAPÍTULO 8: A importância de dizer não

Rejeição faz bem

Limites

Como construir confiança

A liberdade através do compromisso

CAPÍTULO 9: … E aí você morre

Algo além de nós

O lado bom da morte

Agradecimentos

Sobre o autor

Leia também

,

precisamosmaisnos

importar com tudo. A vida é assim. E nós a aceitamos, com defeitos e tudo.

Percebemosquenuncavamosdesenvolveracuraparaocâncer,nuncairemosà

Lua nem sairemos com a Jennifer Aniston. E tudo bem. Vida que segue.

Passamosareservarnossapreocupaçãocadavezmaisescassaaoquerealmente

merece atenção: família, melhores amigos, pontuação no golfe. E, para nossa

perplexidade, isso basta. Na verdade, ficamos felizes pra cacete depois dessa

simplificação, e por umbom tempo. E começamos a pensar que talvez aquele

bêbadomalucodoBukowskisoubessedoqueestavafalando.Nemtente.

Masentão,Mark,paraqueserveessadrogadelivro,afinal?

Estelivrovaiajudarvocêapensarumpoucomaisclaramentesobreoqueelege

comoimportantenasuavidaeoqueconsiderainsignificante.

Acreditoqueestamosenfrentandoumaepidemiadecegueirapsicológicaque

fazaspessoasnãoenxergaremqueénormalascoisasdaremerradodevezem

quando. Sei que parece ser simplesmente preguiça intelectual,mas juro que é

quaseumaquestãodevidaoumorte.

Porque,quandoacreditamosquenadadeveriadarerrado,inconscientemente

começamosanosculpar.Começamosadesconfiarquetemalgumacoisaerrada

comagente,oquenoslevaatodotipodeabsurdonatentativadereverterisso,

como comprar quarenta pares de sapatos, tomar calmante com vodca numa

noitedeterça-feiraouatirarnumônibusescolarcheiodecriancinhas.

Essacrençadequenãoconseguirumacoisaououtraéumproblemaacaba

alimentando o crescente Círculo Vicioso Infernal, que ameaça dominar nossa

cultura.

Aideiadeligarofoda-seéumjeitosimplesdereorientarnossasexpectativas

e descobrir o que é ou não importante na vida. Quando desenvolvemos essa

habilidade, experimentamos o que considero uma espécie de “iluminação

prática”.

Não,nãoaquela iluminaçãobabaca e idealistadoêxtase eternoedo fimde

toda a dor. Eu vejo a iluminação prática como a possibilidade de se sentir

confortávelcomaideiadequeumpoucodesofrimentoésempreinevitável—

que, por mais que nos esforcemos, a vida é feita de fracassos, perdas,

arrependimentos e atémorte. Quando você passa a se sentir confortável com

todaamerdaqueavida joganasuacara(eaindavairolarmuitamerda,pode

acreditar), você se torna invencível, num sentido levemente (bem levemente)

espiritual.Afinaldecontas,oúnicojeitodesuperaradoréaprenderasuportá-

la.

Este livroestápoucose fodendoparaoalíviodosseusproblemasoudasua

dor,eéexatamenteporissoquevocêvaiperceberqueoqueestáescritoaquié

verdade.Estelivronãoéumguiaparaagrandeza—nãopoderiaser,porquea

grandezaéapenasuma ilusãocriadapelanossamente,umdestino fictícioque

nosobrigamosabuscar,nossaAtlântidapsicológica.

Esse método vai transformar sua dor numa ferramenta; seu trauma, em

poder; seus problemas, em problemas ligeiramentemenores. Isso já é alguma

coisa.Pensenestelivrocomoumguiaparaosofrimento,queensinaasofrerda

melhorforma,commaissignificado,maiscompaixãoemaishumildade.Aideia

équevocêtenhaumavidamaisleveapesardosfardosquecarrega,queconviva

melhorcomseusmaioresmedoseriadaslágrimasenquantochora.

Estelivronãovaiensiná-loasubirnavidaoualcançarseusobjetivos,esima

errareperdersemsedestruirporisso.Vaiensiná-loafazeruminventáriodesua

vida, identificar os itens mais importantes e então eliminar todo o resto. Vai

ensiná-loafecharosolhoseconfiarqueépossívelescorregarenãosofrernada

grave. Vai ensiná-lo a direcionar sua atenção para evitar desperdiçá-la. Vai

ensiná-loanemtentar.

2

Afelicidadeéumproblema

Háunsdoismilequinhentosanos,numpaláciolocalizadonosopéhimalaiodo

atual Nepal, vivia um rei que seria pai. O rei tinha um objetivo bastante

grandiosoparaofilho:tornaravidadacriançaperfeita.Omeninonãopassaria

por um único momento de dor, todas as suas necessidades e todos os seus

desejosseriamatendidosprontamente.

Oreimandouqueconstruíssemmurosaltosaoredordopalácio,paraqueo

príncipejamaisconhecesseomundoláfora.Elemimavaomenino,cobrindo-o

de comida e presentes, cercando-o de servos que atendiam a todos os seus

caprichos. Como planejado, a criança cresceu alheia à crueldade habitual da

existênciahumana.

Toda a infância do menino foi assim. Mas, apesar do luxo e opulência

infinitos, o príncipe se tornou um jovem meio estressado. Em pouco tempo,

todas as experiências lhe pareciam vazias e sem valor. Pormais que o pai lhe

desse,nadaerasuficienteenuncasignificavanada.

Até que, certa madrugada, o príncipe saiu do palácio às escondidas, para

descobriroquehaviaalémdosmuros.Eleordenouqueumcriadooconduzisse

pelovilarejolocal,eoqueviudeixouorapazhorrorizado.

Pela primeira vez na vida, o príncipe conheceu o sofrimento. Viu doentes,

velhos,desabrigados,sofredoreseatémortes.

Opríncipevoltouaopalácioeentrounumaespéciedecriseexistencial.Sem

sabercomolidarcomoquetinhavisto, ficoutodoemoereclamão.E,comoé

típicodosjovens,acabouculpandoopaiexatamenteportudoqueoreitentara

fazerporele.Asriquezas,concluiuopríncipe,eramoqueotinhamdeixadotão

infeliz,impedindo-odeencontrarsentidonavida.Eledecidiufugir.

Opríncipesónãocontavaquefossetãoparecidocomopai:eletambémtinha

ideias grandiosas. Assim, decidiu não só fugir como também abrir mão da

nobreza, da família e de todas as posses para viver nas ruas, dormindo na

imundíciecomoumanimal.Nas ruas, elepassaria fome, sofreriaemendigaria

porcomidapelorestodavida.

Nanoite seguinte,opríncipe saiuescondidodenovo,destavezparanunca

mais voltar. Durante anos ele viveu como mendigo, um refugo descartado e

esquecido da sociedade, o cocô de cachorro grudado no sapato da hierarquia

social. E, como planejado, o príncipe sofreumuito. Enfrentou doenças, fome,

dor,solidãoefraqueza.Ficouàbeiradamorte,muitasvezessobrevivendoodia

inteirocomumaúnicanoz.

Alguns anos se passaram. E mais outros. Até que… nada aconteceu. O

príncipe percebeu que aquela vida de provações não era aquilo tudo que

prometia.Nãolevavaasuadesejadailuminação.Nãorevelavanenhummistério

maisprofundoarespeitodomundooudopropósitodavida.

Emoutraspalavras,opríncipepercebeuoquetodomundomeioquejásabia:

sofreréumamerda,enãonecessariamentesetraduzemalgosignificativo.Seja

na riqueza ou na pobreza, não existe valor no sofrimento quando não há um

propósito.Daífoiumpuloparaopríncipechegaràconclusãodequesuaideia

tãograndiosa,assimcomoadopai,eraumabelabosta,edequeeledeveriafazer

outracoisadavida.

Muitoconfuso,opríncipeselimpoue,encontrandoumagrandeárvoreperto

dorio,decidiusesentaràsombraesóse levantarquandotivesseoutragrande

ideia.

Rezaa lendaqueopríncipeconfusoficoudebaixodaárvoreporquarentae

novedias.Nãovamosentrarnaquestãodaviabilidadebiológicadeficarsentado

nomesmolugarporquarentaenovedias;digamosqueduranteesseperíodoo

príncipefoitocadopordiversasverdadesmuitoprofundas.

Umadelasfoiaseguinte:avidaemsijáéumaformadesofrimento.Osricos

sofremporseremricos.Ospobressofremporserempobres.Pessoassemfamília

sofrempornãoteremfamília.Pessoascomfamíliasofremporcausadafamília.

Pessoas que buscam os prazeres mundanos sofrem por causa dos prazeres

mundanos. Pessoas que se abstêm dos

,

prazeres mundanos sofrem por se

absterem.

Issonãosignificaquetodosofrimentosejaigual.Semdúvida,algunssãomais

dolorososqueoutros,masmesmoassimtodossofremos.

Anos depois, o príncipe formularia toda uma nova filosofia de vida e a

transmitiriaaomundo,eesteseriaoprincípiocentral:devemosparardetentar

resistir à dor e à perda, pois são inevitáveis.O príncipe se tornaria conhecido

como Buda. E, se você nunca ouviu falar dele, saiba que Buda não foi pouca

coisa.

Existe uma premissa básica emmuitas de nossas conjecturas e crenças. Ela

postula que a felicidade é algorítmica, que pode ser buscada, merecida e

alcançadacomoseestivéssemosentrandonafaculdadededireitooumontando

um complicado conjunto de Lego. Se eu conseguirX, serei feliz. Se eu tiver a

aparênciaY,sereifeliz.SeeuconquistarumapessoacomoZ,sereifeliz.

Essa premissa é oproblema. A felicidade não é uma equação que possa ser

solucionada.A insatisfação e a inquietude são inerentes à natureza humana e,

como veremos, componentes necessários para se criar uma felicidade

consistente. Buda sustentou isso a partir de uma perspectiva teológica e

filosófica. Vou defender o mesmo argumento neste capítulo, mas de uma

perspectivabiológica,compandas.

AsdesventurasdoPandadaDesilusão

Seeupudesse inventarumsuper-herói, seriaoPandadaDesilusão.Comuma

máscaracafonanosolhoseumacamisetaquenãocobririasuaenormebarriga

de panda, ele teria o superpoder de dizer às pessoas duras verdades sobre si

mesmas.Verdadesqueelasprecisamouvir,masnãoqueremaceitar.

OPandadaDesilusãoiriadeportaemportacomoumvendedordeBíblias,

tocandoacampainhaedizendocoisascomo“Claro,ganharmuitodinheirofaz

vocêsesentirbem,masnãovaiconquistaroamordosseusfilhos”,ou“Sevocê

precisapensarantesderesponderseconfianasuaesposa,éporquenãoconfia”,

ou “O seu conceito de ‘amizade’ não passa de constantes tentativas de

impressionar os outros”. Em seguida, ele desejaria um bom-dia a quem o

atendeueseguiriamuitopimpãoparaacasaseguinte.

Seriaincrível.Edoentio.Etriste.Einspirador.Enecessário.Afinaldecontas,

asmaioresverdadesdavidasãoasmaisdesagradáveisdeseouvir.

OPandadaDesilusãoseriaoheróiqueninguémdeseja,masdequemuitos

precisam. Ele seria a salada verbal no fast-food da nossa alimentação mental.

Tornarianossavidamelhor,apesardenosdeixardeprimidosporumtempo.Ele

nosdeixariamaisfortesaonosdestroçar,iluminarianossofuturoaonosmostrar

aescuridão.OuviroqueoPandatemadizerseriacomoverumfilmeemqueo

protagonista morre no final: apesar das lágrimas, você adora, porque é

verossímil.

Então,jáqueestamosaqui,permita-mecolocarminhamáscaradePandada

Desilusãoejogarmaisumaverdadedesagradávelnasuacara:

Sofremospelosimplesfatodequesofrerébiologicamenteútil.Osofrimentoé

oagentepreferidodanaturezaparainspirarmudanças.Aevoluçãonosfezviver

constantementecomcertograudeinsatisfaçãoeinsegurança,porqueéacriatura

levemente insatisfeita e insegura que faz o máximo para inovar e sobreviver.

Somosprogramadospelanaturezaparaficarinsatisfeitoscomtudoquetemose

desejarapenasoquenãotemos.Essainsatisfaçãopermanentefaznossaespécie

seguirlutandoeprogredindo,construindoeconquistando.Então,não:nossador

etristezanãosãoumafalhadaevoluçãohumana.Pelocontrário:sãoumrecurso

essencialdela.

A dor, em todas as suas formas, é omeiomais efetivo de que nosso corpo

dispõeparageraração.Imaginealgosimples,comodarumatopadacomodedão

do pé. Se você for como eu, sua reação é gritar tantos palavrões que fariam o

papa Francisco chorar. Ou você culpa o pobre objeto inanimado pelo seu

sofrimento.“Mesaescrota”,diz.Outalvezchegueaopontodequestionartodaa

sua visão sobre design de interiores combase no dedo latejante: “Que tipo de

idiotacolocaumamesaaqui?”

Masvoltemos.Aqueladorhorrívelnodedo,queeu,vocêeopapaodiamos

tanto, tem ummotivo importante para existir. A dor física é um produto do

sistema nervoso, um mecanismo de resposta que nos permite desenvolver a

noçãoespacialdenossasproporçõesfísicas—aondepodemosounãopodemos

ir,oquepodemosounãotocar.Quandoexcedemosesseslimites,nossosistema

nervosonospuneparaqueagentepresteatençãoenuncamaisrepitaoerro.

Essador,pormaisqueaodiemos,éútil.Éelaquenosensinanoquedevemos

prestaratençãoquandosomospequenosouquandoestamosdistraídos.Elanos

ajuda a descobrir o que faz bem e o que faz mal. Ajuda a entender e aceitar

nossas limitações. Ensina a não brincar perto de um fogão aceso nem enfiar

objetosdemetalemtomadas.Sendoassim,nemsempreébenéficoevitaradore

buscarapenasoprazer, jáqueàsvezesador tem importânciavitalparanosso

bem-estar.

E não existe apenas a dor física. Como qualquer um que já tenha sido

obrigado a assistir aoEpisódio I deStarWars pode confirmar, nós, humanos,

tambémsomoscapazesdesofrerextremadorpsicológica.Naverdade,pesquisas

descobriramqueocérebronãoregistramuitadiferençaentreadorpsicológicae

a física, então, quando digo que senti meu coração ser atravessado lenta e

repetidamenteporumaadagaquandominhaprimeiranamoradametraiueme

largou,éporquedoeutantoquedarianomesmosetivessemrealmentecravado

umaadagalentaerepetidamentenomeucoração.

Assim como a dor física, a dor psicológica indica que há umdesequilíbrio,

quealgumlimitefoiexcedido.E, tambémcomoadorfísica,apsicológicanem

sempre é indesejável ou de todo ruim. Em certos casos, passar por dores

emocionaisoupsicológicaspodesersaudáveloumesmonecessário.Assimcomo

bater o dedão nos treina para esbarrar menos em mesas, a dor emocional

provocada por rejeição ou fracasso nos ensina a evitar os mesmos erros no

futuro.

Oquenos leva adeduzirumdosgrandesperigosdeuma sociedadeque se

esquivacadavezmaisdosinevitáveisdesconfortosdavida:perdemosobenefício

da passagem por doses saudáveis de dor, e essa perda nos desconecta da

realidade.

Vocêpodeficarcomáguanabocaaoimaginarumavidalivredeproblemas,

repletadefelicidadeecompaixãoeternas,masaquinomundorealosproblemas

nuncacessam.Sério,elesnãoacabam.OPandadaDesilusãoacaboudepassar

aqui.Elemecontoutudoenquantotomávamosmargaritas:

Osproblemasnuncasomem,elessódiminuem.

Warren Buffett tem problemas financeiros; o mendigo bêbado que fica à

espreita na frente do supermercado também tem. Buffett simplesmente tem

problemasfinanceirosmenoresqueosdomendigo.Tudonavidaéassim.

— A vida é basicamente uma série interminável de problemas, Mark —

afirmou o Panda. Ele tomou mais um gole do drinque e ajeitou o guarda-

chuvinha cor-de-rosa que adornava o copo. — A solução de um problema é

apenasoiníciodopróximo.

Depois de um tempo, eume perguntei de onde aquele panda falante tinha

saído.Aliás,quemfoiquepreparouessasmargaritas?

—Não espere poruma vida semproblemas—continuouoPanda.— Isso

nãoexiste.Emvezdisso,torçaporumavidacheiadeproblemaspequenos.

E, dizendo isso, ele pousou o copo, ajeitou o guarda-chuvinha nele e saiu

caminhandoalegrementerumoaohorizonte.

Felicidadeéresolverproblemas

Problemassãoumaconstantenavida.Quandovocêresolveseusproblemasde

saúdefrequentandoumaacademia,estácriandonovosproblemas,comoterque

acordar

,

cedoparanãoseatrasar,passarmeiahorasuandoquenemumporcona

esteira, depois ter que tomar banho antes do trabalho para não empestear o

escritório inteiro com o seu fedor. Quando você resolve o problema de não

passar tempo suficiente com seu parceiro, decidindo que vão sair juntos toda

quarta-feira, está gerandonovos problemas, comopensar em algo que os dois

não odeiem para fazer toda quarta, conferir se têm dinheiro para ir a bons

restaurantes, redescobrir a química e a chama que sentem ter perdido e

desvendar a logística de transar em uma banheira minúscula com espuma

demais.

Osproblemasnuncaacabam;elesapenassãosubstituídose/ouatualizados.

A felicidade está em resolver problemas. Repare que a palavra-chave é

“resolver”. Se você evita os problemas ou acha que não tem nenhum, está no

caminho da infelicidade. Se acha que não consegue resolver seus problemas,

estaránomesmocaminho.Osegredoestáemresolverosproblemas, enãoem

nãoterproblemas.

Paraserfeliz,éprecisoteralgopararesolver.Assim,afelicidadeéumaforma

de ação; é uma atividade, não algo que você recebe de forma passiva, que

descobre magicamente numa lista do Buzzfeed ou com algum guru. Ela não

surge quando você finalmente ganha o suficiente para construir mais um

cômodona suacasa.Elanãoestáesperandoporvocêemalgum lugar, alguma

ideia,algumemprego…nemnumlivro,aliás.

Felicidade é um exercício constante, porque resolver problemas é um

exercício constante— as soluções para os problemas de hoje serão a base dos

problemas de amanhã, e assim por diante. A verdadeira felicidade só se dá

quandovocêdescobrequaisproblemasgostadeterederesolver.

Às vezes são problemas simples: comer bem, viajar, zerar o jogo que você

acaboudecomprar.Outrasvezes,porém,sãoproblemasabstratosecomplexos:

manterumbomrelacionamentocomsuamãe,encontrarumacarreiraemquese

sintaconfortável,criarumcírculodeamigosfiéis.

Sejamquais forem seusproblemas, o conceito é omesmo: resolva-os e seja

feliz. Infelizmente, para muitas pessoas a vida não é tão simples assim. Isso

porqueelasestragamtudofazendoalgumadestasmerdas:

1. Negação. Algumas pessoas negam que os problemas sequer existam. E,

comonegamarealidade,precisamseiludiresealienarotempotodo.Isso

pode fazê-las se sentir bem a curto prazo, mas leva a uma vida de

insegurança,neuroseerepressãoemocional.

2. Vitimização.Háquemprefira acreditar quenadapode fazerpara resolver

seus problemas. As vítimas tentam culpar os outros ou circunstâncias

externas.Issopodefazê-lassesentirmelhoracurtoprazo,maslevaauma

vidaderaiva,desamparoedesespero.

As pessoasnegam e culpamos outros pelos próprios problemas simplesmente

porqueéfácileprovocaalívio,enquantoresolvê-losédifícilemuitasvezesgera

sofrimento. Culpa e negação dão barato. São uma fuga temporária dos

problemas,oqueproporcionaumasensaçãopassageirademelhora.

Hádiversasformasdeobtereuforia.Sejapelaingestãodesubstânciascomoo

álcool,sejapelasensaçãodealtivezmoralaoculparosoutrosoupelaemoçãode

uma aventura arriscada, basear a vida em picos de euforia é superficial e

improdutivo. Grande parte do mercado da autoajuda se sustenta em vender

euforia em vez de ensinar as pessoas a resolver problemas legítimos. Muitos

gurusensinamnovas formasdenegaçãoeenchemopúblicodeexercíciosque

causambem-estaracurtoprazo,masqueignoramaraizdoproblema.Lembre-

se: nenhuma pessoa feliz de verdade tem necessidade de ficar diante de um

espelhorepetindoparasimesmaqueéfeliz.

Outro problema da euforia é que ela vicia. Quantomais dependemos dela

para sentirmosumamelhora emnossosproblemasocultos,mais recorremosa

talrecurso.Assim,quasetudopodesetornarumvício,dependendodomotivo

peloqualéusado.Todostemosnossosmétodospreferidosparaentorpecerador

causadapelosproblemas,enãohánadadeerradonisso,desdequesejamusados

em doses moderadas. Quanto mais evitamos e mais nos entorpecemos, mais

dolorososeráquandofinalmenteconfrontarmosnossosproblemas.

Sentimentosnãosãotudoissoquevocêpensa

Os sentimentos foram desenvolvidos em nosso organismo com um propósito

específico: nos ajudar a viver e a nos reproduzir melhor. Só isso. São um

mecanismode resposta cuja função é nos alertar de que algo é provavelmente

bomouprovavelmenteprejudicial.Nadamais,nadamenos.

Assimcomoadordaqueimaduraensinaanãotocarofogãoacesodenovo,a

tristezadeestarsozinhoensinaanãorepetiroscomportamentosquecausarama

solidão. Sentimentos são apenas sinais biológicos criados para empurrar as

pessoasnadireçãodemudançaspositivas.

Olha,nãoestoutentandomenosprezarsuacrisedemeia-idadeouoaindanão

superadotraumadequandoseupaialcoólatraroubousuabicicletaquandovocê

tinha oito anos, mas, no final das contas, se você se sente mal, é porque seu

cérebro está indicando a presença de algum problema não abordado ou não

resolvido.Emoutraspalavras,sentimentosnegativossãoumchamadoàação.Se

você sente algo ruim, é porque precisa agir. Damesmamaneira, sentimentos

bonssãoarecompensaporagircerto.Quandovocêsesentebem,avidaparece

simples e basta aproveitá-la. Até que, como tudo o mais, a sensação boa

desaparece,porquesempresurgemmaisproblemas.

Sentimentos fazemparte da equação da vida,mas não são aúnicavariável.

Nãoéporquealgocausaumasensaçãoboaqueébom.Nãoéporquealgocausa

umasensaçãoruimqueé ruim.Sentimentossãoapenassinalizadores,conselhos

dados pela neurobiologia, não ordens. Portanto, nem sempre devemos confiar

neles.Pelocontrário:achoqueprecisamoscriarohábitodequestioná-los.

Muita gente é ensinada a reprimir as emoções pordiversas razões pessoais,

sociais ou culturais, sobretudo as negativas. Só que, infelizmente, negar os

sentimentosnegativosénegarváriosdosmecanismosderespostaqueajudama

resolver problemas. Como resultado, muitos dos indivíduos reprimidos têm

dificuldadeem lidarcomosproblemasao longodavida.E, senãoconseguem

resolver seus problemas, não têm como ser felizes. Lembre-se: a dor tem um

propósito.

Noentanto,hátambémquemseidentifiquedemaiscomasemoções.Tudose

justificaapenasporqueapessoasesentiuassim.“Ah,euquebreiseupara-brisa,

masfoiporqueeuestavacomódio.Nãopudeevitar.”Ou:“Eulargueiafaculdade

ememudeiparaoAlascaporquesentiqueeraocertoafazer.”Tomardecisões

com base apenas no que seu coração manda, sem o auxílio da razão para se

manternalinha,épedirparadarmerda.Sabequembaseiaavidanasemoções?

Crianças de três anos. Cachorros. Sabe o que mais crianças de três anos e

cachorrosfazem?Cagamnotapete.

Aobsessãoeaatençãoexageradaaossentimentossemprefalhampelasimples

razãodequesentimentosnãoduram.Oquenosfazfelizhojenãonosfaráfeliz

amanhã,porquenossabiologiasemprevaidemandaralgomais.A fixaçãopela

felicidadeinevitavelmentenoslevaaumabuscaincessantepor“outracoisa”—

umacasanova,umrelacionamentonovo,maisumfilho,maisumaumento.E,

apesardetodoonossoesforço,acabamosnossentindodomesmojeitoqueno

começo:insuficientes.

Ospsicólogosàsvezessereferemaesseconceitocomoa“esteirahedonista”:a

ideia de que estamos sempre nos esforçando para mudar nossa vida, mas na

verdadenuncanossentimosmuitodiferentes.

,

Éporissoquenossosproblemassãorecorrenteseinevitáveis.Apessoacom

quemvocêsecasaéamesmacomquemvocêbriga.Acasaquevocêcompraéa

mesma que você reforma. O emprego dos seus sonhos é o mesmo que vai

estressá-lo.Tudovemcomumsacrifícioembutido,ouseja,oquenos fazbem

vai inevitavelmente nos fazermal também.O que ganhamos também é o que

perdemos. O que nos proporciona experiências positivas definirá também as

negativas.

Esse conceito é difícil de engolir. Nós gostamos de pensar que existe uma

felicidadederradeiraaalcançar.Gostamosdepensarqueépossívelalcançarum

alívio permanente do sofrimento.Gostamos de pensar que é possível se sentir

parasempreplenoesatisfeitocomavida.

Masnãoé.

Escolhasuasbatalhas

Seeulheperguntaroquevocêquerdavidaevocêdisseralgocomo“Queroser

feliz, teruma famíliamaravilhosa eumempregodeque eugoste”, essa éuma

respostatãocomumeprevisívelquenãosignificanada.

Todo mundo gosta do que é bom. Todo mundo quer ter uma vida sem

preocupações,felizefácil;seapaixonar,terrelacionamentosincríveis,parceiros

sexuaisfantásticos,serlindo,ganhardinheiro,serpopular,respeitado,admirado

e tão foda que as multidões se abrirão como o Mar Vermelho quando você

passar.

Todomundoquerisso.Éfácilquererisso.

Umaperguntamaisinteressante,queamaioriadaspessoasnuncaconsidera,

é:“Qualdorvocêquernavida?Peloquevocêestádispostoalutar?”Porqueisso

émuitomaisdeterminantenadefiniçãodoseufuturo.

Porexemplo,muitagentequerteramelhorsaladoescritórioeganharriosde

dinheiro—masnãoéqualquerumqueestádispostoatrabalharsessentahoras

porsemana, fazer longostrajetos indoevoltandodoescritório,preencheruma

montanha de papelada odiosa e vencer hierarquias corporativas arbitrárias só

paraescapardosopressorescubículosinfinitos.

Muitas pessoas querem o melhor sexo do mundo e um relacionamento

incrível, mas nem todas estão dispostas a enfrentar as DRs, os silêncios

constrangedores,amágoaeodramapsicológiconecessáriosparaconstruirisso.

Então, se conformam. Elas se conformam e passam anos se perguntando

“Poderiaserdiferente?”,atéqueaperguntapassaaser“Poderiasercomalguém

diferente?”. E, quando os papéis são assinados e o cheque da pensão está

preenchido, pensam: “Por quê?” Se não foi porque você tinha padrões e

expectativasbaixosvinteanosatrás,entãofoiporquê?

Porqueafelicidadeexigeesforço.Elaseoriginadosproblemas.Aalegrianão

brota do chão como margaridas e arco-íris. Satisfação e propósito genuínos,

sérios eduradourosdevemser conquistadospela escolhaepelamaneira como

conduzimos nossas batalhas. Sofra você com ansiedade, solidão, TOC ou um

chefe imbecil que estraga metade do seu dia, a solução é aceitar e mergulhar

ativamentenessaexperiêncianegativa—nãoevitá-la,nãofugirdela.

Muitagentequerterumcorpomaravilhoso,masninguémconsegueissosem

passar pela dor e pelo cansaço físico de gastar horas e horas dentro de uma

academia ou calcular tudo que come, planejando sua vida em minúsculas

porções.

Háquemqueiraabrirumnegócio,masninguémsetornaumempreendedor

bem-sucedidosenãoencontrarumjeitodeavaliarorisco,aincerteza,osmuitos

fracassos, a quantidade insana de horas dedicadas a algo que pode render

absolutamentenada.

Amaioriadaspessoasquerencontrarumparceiro,masninguémconquista

umapessoamaravilhosa sem saber lidar coma turbulência emocional causada

pelas rejeições exaustivas, coma tensão sexual reprimidae comaobsessãoem

olharfixamenteparaumcelularquenuncatoca.Tudoissofazpartedojogodo

amor.Éimpossívelganharsemjogar.

O que determina o sucesso não é “De que prazer você quer desfrutar?”. A

questão relevante é: “Qual dor você está disposto a suportar?” O caminho da

felicidadeécheiodeobstáculosehumilhações.

Você temque escolher alguma coisa.Nãodápara levaruma vida semdor.

Nem tudo são rosas e unicórnios o tempo todo. A pergunta sobre o prazer

costumaserfácil,equasetodosnóstemosumarespostaparecida.

Interessantemesmoéaperguntasobreador.Qualdorvocêpreferetolerar?

Essa é a pergunta difícil porém relevante, a pergunta que vai levá-lo a algum

lugar. É a pergunta que podemudar perspectivas, vidas. É o que faz demim

quemeusou,quefazdevocêquemvocêé.Éoquenosdefine,nosdistinguee,

nofinaldascontas,nosune.

Duranteboapartedaadolescênciaeiníciodavidaadulta,tiveafantasiadeser

músico.Maisespecificamente,umastrodorock.Semprequeouviaumsolode

guitarrasensacional,fechavaosolhosemeimaginavanopalco,tocandosobos

gritos da multidão, enlouquecendo as pessoas com o esplendor do meu

dedilhado. Eu me perdia nessa fantasia por horas a fio. Para mim, a questão

nunca foi se eu tocaria paramultidões histéricas, e simquando. Eu tinha tudo

planejado. Só estava esperando até poder investir a energia e o esforço

necessáriosparachegarláedeixarminhamarca.Primeiro,tinhaqueterminara

escola.Depois,ganhardinheiroparacompraraguitarra.Aí,precisavaencontrar

tempoparapraticar.Depois, fazercontatosecomeçarmeuprimeiroprojeto.E

depois…Depois,nada.

Apesar de eu ter passadometade da vida fantasiando, esse sonho nunca se

tornourealidade.Efoiprecisomuitotempoemuitalutaparaqueeufinalmente

descobrisseporquê:eunãoqueriaaquilodeverdade.

Minhapaixãoerapeloresultado—eulá,nopalco,colocandominhaalmana

música,aspessoasaplaudindo,euarrasando—,masnãopeloprocesso.E,por

causa disso, fracassei.Várias vezes. Sinceramente, nem tentei o suficiente para

fracassar. Eumal tentei. O esforço diário de praticar, a logística de encontrar

uma banda e ensaiar, a dificuldade de arranjar shows e fazer as pessoas

apareceremeseinteressarem,ascordasarrebentadas,oamplificadorestourado,

osvintequilosdeequipamentosqueeuprecisarialevardelápracásemcarro…

O sonho é imenso, e a escalada até o topo é interminável. O que leveimuito

tempoparadescobriréqueeunãogostavamuitodeescalar.Sógostavademe

imaginarnocume.

Segundoanarrativaculturaldominante, eudecepcioneiamimmesmo, sou

umdesistente,umperdedor,nãotenhotalento,abrimãodomeusonhoetalvez

tenhasucumbidoàpressãosocial.

Masaverdadeémuitomenosinteressantequeessasexplicações.Averdadeé

queeuacheiquequeriaumacoisa,masnãoqueria.Fimdepapo.

Eu queria a recompensa e não as dificuldades. Queria o resultado e não o

processo.Eunãoeraapaixonadopelaluta,esimpelavitória.

Eavidanãofuncionaassim.

Vocêédefinidopelasbatalhasqueestádispostoalutar.Aspessoasquegostam

da batalha da academia são aquelas que participamde triatlos, têmbarriga de

tanquinho e conseguem levantar um carro. As pessoas que gostam das longas

horasdetrabalhoedapolíticadeascensãonahierarquiacorporativasãoasque

chegamrapidamenteaotopo.Aspessoasquegostamdastensõeseincertezasdo

estilo de vida do artista faminto são, no final das contas, as que chegam aos

palcos.

Issonãotemnadaavercomforçadevontadeoucoragem.Nãoéarepetição

daladainha“nãohávitóriasemdor”.Éocomponentemaissimplesebásicoda

vida: as batalhas determinam as conquistas. Os problemas criam a felicidade,

juntocomproblemasumpoucomenoresemaisatualizados.

Vejabem:trata-sedeumainterminávelespiralascendente.Sevocêachaque

emalgummomentoterá

,

permissãoparaparar,infelizmentenãoentendeunada.

Porqueaalegriaestánasubida.

3

Vocênãoéespecial

Querofalarsobreumconhecidomeu.Vamoschamá-lodeJimmy.

Jimmyestavasempreenvolvidoemváriosprojetos.Semprequeperguntavam

oqueeleestavafazendo,Jimmyfalavasobreaconsultoriaqueestavaprestando

para alguma empresa, descrevia umpromissor aplicativode saúdepara o qual

vinhabuscandoinvestidores, falavadeumeventobeneficenteemquefariaum

discurso ou contava sobre a ideia milionária que tivera para uma bomba de

combustívelmaiseficiente.Ocaranãoparava,estavasempre ligado,e, sevocê

dessepapo,Jimmycontinuariaeternamente,mostrandocomoerafenomenalseu

trabalhoecomoerambrilhantessuasideias,despejandoemcimadevocêtantos

feitospessoaisquemaispareciaestarsendoentrevistadonaTV.

Jimmy era pura positividade, o tempo todo. Sempre alçando novos voos,

sempreaumpassodemaisumaconquista—umverdadeirocaraquepõeamão

namassa.

OproblemaeraqueJimmytambémeraumcompletoparasita—muitopapo

enenhumaação.Passavaamaiorpartedotempochapadoegastavaembarese

restaurantes sofisticados tanto quanto investia em suas “ideias de negócios”;

Jimmyeraumsanguessugaprofissional.Viviadodinheirosuadodafamília,que

ele enrolava assim como fazia com o restante da cidade, com falsas ideias de

futura glória no ramo da tecnologia. Claro, às vezes ele fazia algum esforço

simbólico,pegavaocelulareligavaparaalgumfigurãonacaradepau,sevalendo

de todos os nomes famosos que lhe vinham à mente, mas nada concreto

acontecia.Nenhumdosseus“empreendimentos”setornourealidade.

O cara continuou nessa por anos, sendo sustentado por namoradas e por

parentescadavezmaisdistantesatéquasecompletartrintaanos.Eomaisdoido

nissotudoeraqueJimmytinhaorgulhodisso.Suaautoconfiançachegavaaonível

do delirante. Quem ria dele ou desligava na sua cara estava, na percepção de

Jimmy,“perdendoamaioroportunidadedavida”.Quemapontavaoridículode

suasideiasera“ignoranteeinexperientedemais”paraentendersuagenialidade.

Quem expunha seu estilo de vida parasitário era um “invejoso”, uma pessoa

“amarga”quecobiçavaseusucesso.

Jimmyganhavaalgumdinheiro,mas,emgeral,pelosmeiosmaisdesonestos,

como vender a ideia de outra pessoa como se fosse dele, enrolar alguém para

conseguir um empréstimo ou, pior, convencer alguém a lhe dar participação

numastartup.Àsvezesconseguiaatéquelhepagassemparadarpalestras.(Sobre

oquê,eunãoconsigonemimaginar.)

ApiorparteeraqueJimmyacreditavanasmentirasquecontava.Seudelírio

era tão indestrutível que era até difícil ter raiva dele. Chegava a ser um caso

fascinante,naverdade.

Emalgummomentodadécadade1960,desenvolveruma“autoestimaalta”—

ter uma boa autoimagem e se sentir bem consigo mesmo— virou moda na

psicologia.Pesquisasconcluíramqueaspessoasqueseconsideravamadmiráveis

tendiamasesairmelhoretermenosproblemas.Muitosestudiososelegisladores

daépocaacreditaramqueaumentaraautoestimadapopulaçãogerariabenefícios

sociaistangíveis:reduçãodacriminalidade,melhoranodesempenhoacadêmico,

geração de novos empregos, diminuição de déficits no orçamento. Como

resultado, a partir da década seguinte, de 1970, práticas relacionadas à

autoestima começaram a ser ensinadas aos pais, reforçadas por terapeutas,

políticos e professores, além de serem instituídas na política educacional. Por

exemplo, as notas de crianças com baixo desempenho eram elevadas

artificialmente,paraquenãosesentissemtãomal.Prêmiosporparticipaçãoem

aulaetroféusforaminventadosparadiversasatividadesbanaisouobrigatórias.

Ascriançasrecebiamdeveresdecasainúteis,comoescreverascaracterísticasque

as tornavam especiais ou suas cincomaiores qualidades. Pastores e sacerdotes

diziamasuascongregaçõesquecadaumalieraespecialaosolhosdeDeus,que

todos estavam destinados a se destacar e a superar a mediocridade. Surgiram

semináriosempresariaisemotivacionaisentoandoomesmomantraparadoxal:

cadaumdenóspodeserexcepcionaleextremamentebem-sucedido.

Hoje,umageraçãodepois,temososresultadosparaavaliar:nãosomostodos

excepcionais. No fim das contas, se sentir bem consigo mesmo não significa

nada, a não ser que você tenha um bommotivo para isso. Hoje, sabemos que

adversidade e fracasso são muito úteis e até mesmo necessários para o

desenvolvimentodeadultosdeterminadosebem-sucedidos.Hoje,sabemosque

fazer as pessoas acreditarem que são excepcionais e se sentirem bem consigo

mesmassemfundamentonãocriaumapopulaçãodeBillGateseMartinLuther

Kings.CriaumapopulaçãodeJimmys.

Jimmy,odelirantedasstartups.Jimmy,quefumavamaconhatododiaenão

erabomemnadaexcetoemsegabareacreditarnasprópriasmentiras.Jimmy,o

tipodecaraquegritavacomossóciosporserem“imaturos”edepoisestouravao

cartãodecréditodaempresanoLeBernardinparaimpressionarmodelosrussas.

Jimmy, que já estava ficando sem estoque de tias e tios a quem recorrer para

pedirempréstimos.

Sim,esseJimmyconfianteecheiodeautoestima.OJimmyquepassavatanto

tempo exibindo competência que esquecia de, bem, realmente fazer alguma

coisa.

Oproblema comomovimento pró-autoestima é a crença de que podemos

medir a autoestima pelos sentimentos positivos das pessoas em relação a si

mesmas.Noentanto,paraseterumanoçãoverdadeiraeprecisadovalordeum

indivíduoéprecisoavaliarcomoelesesenteemrelaçãoaseusaspectosnegativos.

SeumapessoacomoJimmysesenteo fodão99,9%do tempo,mesmoquesua

vidaestejachafurdandonamaisabsolutamerda,comoissopodeserummétodo

deaferiçãoválidoparadecretarquesuavidaébem-sucedidaefeliz?

Jimmyéarrogante.Ouseja,elejulgamerecertodasasmilmaravilhasdemão

beijada. Acredita que merece ser rico sem trabalhar. Ser querido e ter boas

relaçõessemajudarninguém.Terumestilodevidaincrívelsemsacrificarnada.

Gente como Jimmy é tão obcecada em se sentir bem consigo mesma que

consegue se iludir e acreditar que está realizando feitos notáveis mesmo sem

moverumdedo.Essetipodegentevêasimesmoarrasandonopalcoquandona

verdadeestáfazendopapeldebobo.Essaspessoasacreditamserbem-sucedidas

fundadorasdestartupsquando,naverdade,nuncativeramsucessoemnenhum

empreendimento. Elas se autointitulam life coaches e cobram para ajudar os

outros do alto de seus vinte e cinco anos preenchidos por zero conquistas

significativas.

Gentearroganteexalaautoconfiançaemníveisirreais.Issopodeseratraente

para os outros, pelomenos por um tempo. Em alguns casos, a autoconfiança

infundada é contagiante e ajuda as pessoas a sua volta a se sentirem mais

confiantestambém.Devoadmitirque,apesardetodasastrapalhadas,Jimmyera

umaboacompanhiaparasair.Vocêsesentiaindestrutívelpertodele.

Oproblemadaarrogânciaéquepessoasassimprecisamsesentirbemconsigo

mesmasotempotodo,mesmoqueàcustadosoutros.Ecomoéumanecessidade

constante, as pessoas arrogantes acabam gastando a maior parte do tempo

pensandonopróprioumbigo.Afinalde contas,nãoé simples se convencerde

queseupeidonãofede,aindamaissevocêéumgrandebosta.

Depoisqueapessoacomeçaaacharquetudoqueacontecenavidadela lhe

confereaindamaisimportância,éextremamentedifícillivrá-ladessepadrãode

pensamento.Qualquertentativadeserrazoávelévistacomomaisuma“ameaça”

a

A Sutil Arte de Ligar o F da-se - Mark Manson - Literatura (2024)
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Name: Horacio Brakus JD

Birthday: 1999-08-21

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Job: Sales Strategist

Hobby: Sculling, Kitesurfing, Orienteering, Painting, Computer programming, Creative writing, Scuba diving

Introduction: My name is Horacio Brakus JD, I am a lively, splendid, jolly, vivacious, vast, cheerful, agreeable person who loves writing and wants to share my knowledge and understanding with you.